>Caminho de gente grande

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Fazendo pose, o Jennings parece até que sabe arremessar

Quando Brandon Jennings escolheu jogar na Europa ao invés de ir para o basquete universitário nos Estados Unidos, escrevemos um longo post sobre sua decisão. Além da possibilidade de ganhar um belo dinheiro e finalmente ajudar sua família tão sofrida (que passou maus bocados com o suicídio de seu pai), Jennings deixou bem claro que escolheu a Europa porque poderia jogar contra jogadores experientes, maduros, formados, e teria que desenvolver aspectos do seu jogo que o basquete universitário não exigiria. Na Europa, Jennings teria que enfrentar grandes jogadores e nunca dominaria um jogo, exigindo que ele constantemente fosse capaz de superar-se. Uma decisão arriscada, mas que mostra não apenas uma seriedade de sua parte para com o bem estar de sua família, mas também uma seriedade com o modo que ele compreende seu próprio talento no basquete.

Com a proibição de David Stern de que jogadores saiam do colegial e entrem diretamente na NBA, Brandon Jennings parecia estar inaugurando um padrão: ao invés de ir dominar uma universidade qualquer sem receber um tostão, ir para a Europa, ganhar uma grana, e enfrentar um desafio real. Muitos jogadores colegiais começaram a namorar com a ideia e trocentos agentes e empresários começaram a conversar com as equipes europeias. Mas agora, depois que Jennings voltou de sua experiência na Itália, é bem provável que todo mundo amarele tipo o São Paulo em mata-mata.

As coisas no basquete italiano não foram muito fáceis para Jennings. Além do problema com a língua, a maior reclamação do jovem armador foi a de ser tratado como uma criança, sem voz alguma na equipe. Os salários foram sempre pagos com atraso, e o armador nunca sabia se entraria ou não em quadra – às vezes jogava vários minutos, mas às vezes sequer saía do banco de reservas. Todas essas questões, no entanto, são pequenas perto da função que o time delegou ao rapaz. Sabendo que Jennings passaria apenas uma temporada com a equipe, não havia qualquer intenção de desenvolvê-lo, torná-lo um jogador melhor, ou dar-lhe minutos para que aprendesse em quadra. Brandon Jennings foi incubido apenas da tarefa de defender e arremessar única e exclusivamente quando estivesse livre. Ou seja, foi transformado num jogador qualquer.

Se por um lado o basquete universitário talvez não lhe trouxesse os desafios que esperava, o basquete europeu não lhe deu as oportunidades necessárias. Para seu clube, Jennings só presta no que pode oferecer agora e tanto faz se ele pode ou não tornar-se um jogador mais completo. Então o plano do armador pirralho não deu muito certo, ele acabou tendo minutos muito reduzidos, funções muito delimitadas em quadra, teve que deixar de lado vários aspectos do seu jogo que não teve a permissão de desenvolver, e ainda teve que lidar com toda a parte emocional de sair do colegial e ir morar em outro país, jogando com uma frequência absurda, treinando duas vezes por dia e se pegando com jogadores extremamente físicos enquanto tinha que lidar com pagamentos, salário e uma língua extrangeira. Do ponto de vista financeiro, o próprio Jennings garante que valeu a pena (que tal enfiar mais de um milhão de dólares na orelha em um ano em que, nos Estados Unidos, ele jogaria de graça?), mas do ponto de vista emocional foi um desastre. Jennings alegou sentir-se arrasado o tempo inteiro, interrompeu seu desenvolvimento como jogador em vários pontos, e ficou longe dos olhos da mídia americana enquanto permaneceu na terra do Mario e do Luigi. Seu empresário alertou que outros jogadores, psicologicamente mais frágeis, teriam facilmente desistido.

Acabou sendo escolhido com a décima escolha do draft, vários olheiros da NBA foram para a Itália acompanhar o garoto, e o Bucks apostou no armador o bastante para não se importar de perder o jovem e promissor Ramon Sessions para o Wolves. Então tudo deu certo no final. Mas o verdadeiro resultado da empreeitada de Jennings só apareceria nos primeiros jogos do rapaz. Foi por isso que acompanhei de perto as duas primeiras partidas do time de Milwaukee na temporada.

Contra o Sixers, Jennings terminou sua estreia na NBA quase com um trile-double: foram 17 pontos, 9 rebotes e 9 assistências. No entanto, acertou apenas 7 de 16 arremessos e cometeu 5 turnovers. Mas os números enganam um bocado: 3 desses turnovers e vários desses arremessos errados aconteceram nos últimos minutos de jogo, quando o Bucks começou a ficar desesperado e tentar qualquer coisa para diminuir a vantagem do Sixers. É por essas e outras que jogar no Bucks não ajuda muito, por um lado o Jennings pode ficar em quadra o jogo inteiro e fazer todas as merdas que quiser sem tomar puxão de orelha, mas ele também tem que aturar o time arrancando os cabelos no final dos jogos e dar assistências perfeitas para jogadores que fedem, como foi o caso de um passe milimétrico que deixou Gadzuric sozinho embaixo da cesta – para ele então errar a enterrada desastrosamente e quase cair de bunda no chão.

Então, deixando os números um pouco de lado, o que podemos dizer do garoto? A defesa parece ter se aprimorado bastante na Europa, com boa velocidade de pernas, jogo físico e inteligente. No ataque, Jennings é absurdamente veloz e pode pegar rebotes e disparar para o ataque, terminando a jogada com bandejas. Sua leitura de quadra é incrível, com passes bem dados o tempo inteiro – pena que trocentos deles foram parar, por exemplo, nas mãos do Ilyasova, que usa a máscara do Richard Hamilton, as meias levantadas do Van Horn, e o talento do Kwame Brown arremessando de três.

Mas não dá pra entender a quantidade de firula que o Jennings faz às vezes sem qualquer razão lógica. Para dar um passe para um companheiro do seu lado, Jennings pula, finge que vai passar para baixo, gira os braços, assobia, chupa cana, e aí manda um passe para cima, quando os defensores já viram o que está acontecendo e aparecem para interceptar a bola. É quase uma versão do Cristiano Ronaldo naquela época em que ele dava uns dribles aleatórios no meio de campo que não serviam para nada além de dar errado de vez em quando e virar um contra-ataque.

O técnico Scott Skiles analisou, junto com o Jennings, cada um de seus arremessos, passes bizarros, e cada desperdício de bola. Conversaram sobre como melhorar cada detalhe que ocorrera na partida, e por fim Skiles admitiu que foi uma das melhores partidas que ele viu de um novato em toda sua vida, ele apenas tinha que continuar melhorando. Jennings recebeu uma atenção, um carinho, que jamais havia conhecido na Europa (tirando as mulheres italianas, claro, que têm carinho de sobra). Acima de tudo, o pedido de que ele se torne um jogador melhor é que faz toda a diferença: preocupados com seu futuro, o Bucks fará o que for necessário para que ele evolua, jamais relegando ele apenas a um papel secundário de defesa e arremessos livres.

É por isso que na segunda partida do Jennings, dessa vez contra o Pistons, o armador recebeu carta branca para atacar a cesta no segundo tempo da partida. Nada parecia estar funcionando para o Jennings e para o Bucks no começo do jogo, a velocidade não estava adiantando e os passes não chegavam. O armador terminou o primeiro tempo com apenas 3 pontos e o Bucks perdendo por 11. Mas no segundo tempo Jennings voltou agressivo, correndo para conseguir bandejas e, o que é mais bizarro, apostando em seu arremesso. Apesar de ser tão criticado por não saber arremessar, Jennings apostou na longa distância com arremessos equilibrados e conscientes. Foi o técnico Skiles quem apostou no garoto para mudar o jogo, foi o Bucks que permitiu que o Jennings resolvesse quase todas as jogadas no mano-a-mano. E então ele marcou 16 pontos no terceiro período, incluindo 9 pontos em sequência, e virou o jogo para o Bucks. Terminou o jogo com 24 pontos, o Buck venceu fácil, e o Jennings pode colocar sua primeira jogada de YouTube no currículo de NBA:

Quando foi substituído ao final do jogo, para seu merecido descanso, o ginásio inteiro aplaudiu Jennings de pé. Eles finalmente tem um jogador para o qual torcer, com o qual vibrar, e um time divertido de se assistir, veloz, jovem, e que pelo menos não é tão ruim quanto a porcaria desse Detroit Pistons.

É seguro dizer que Brandon Jennings já se apresentou à liga. Em duas partidas, já teve que mostrar diferentes aspectos do seu jogo e teve sucesso em todos. Já lhe foi pedido para dominar um jogo, virar o placar, atacar a cesta, encontrar seus companheiros livres, ou seja, uma série de responsabilidades que ele nunca teria na Europa. É bem claro que Jennings amadureceu emocionalmente em sua empreitada pelo basquete italiano, ainda que na marra, mas não tenho dúvidas de que ele certamente está repensando o valor de se abandonar o basquete universitário. E se ele tivesse tido essas responsabilidades desde o seu primeiro dia, não estaria mais acostumado com essas pressões ao chegar na NBA? Seu lindo discurso sobre ir para a Europa em busca de evolução como jogador acabou tornando-se apenas um motivo financeiro, e é importante que a NBA repense sua política com os adolescentes que entram no basquete universitário. Vindos da periferia, com problemas financeiros graves, soa completamente irreal a proibição que esses atletas enfrentam no que se refere a assinar contratos, patrocínios, fazer propagandas, ganhar um dinheirinho. Qualquer estudante do planeta pode ter um emprego, nem que seja cortando grama, mas os jogadores universitários continuam proibidos de faturar qualquer trocado e considerando outras alternativas, como o basquete europeu – mesmo que, como Jennings nos mostrou, a tentativa seja um enorme tropeço rumo ao amadurecimento nas quadras.

Por sorte, os maiores prospectos do basquete colegial já acertaram com grandes universidades e não sei de nenhum jogador de peso que tenha topado ir para a Europa esse ano. Ninguém terá que ter um papel secundário na Itália sem saber quantos minutos jogará ou arriscando-se a ter uma contusão e voltar para casa sem um diploma universitário. Espero que ninguém tenha que passar os apuros de Brandon Jennings, mas também espero que ninguém tenha que passar os apuros de uma vida pobre e miserável esperando o milagre duvidoso de um contrato da NBA.

Só podemos abrir um sorriso porque para o Jennings deu tudo certo. A gente até vai começar a acompanhar uns jogos do Bucks para ver se o pirralho mantém o ritmo, e isso já é uma conquista maior do que ir para o basquete europeu e não ser engolido vivo. Jennings é o primeiro vencedor da turma de novatos desse ano, e nem me refiro às suas atuações em quadra. É que seu percurso foi muito, muito longo. Coisa de gente grande.

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