>Casamentos perfeitos

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T-Mac, se liga, é a última vida!
A principal diferença entre Tracy McGrady e Kevin Martin, dois grandes jogadores que acabaram de ser trocados, é que um sempre quis ser estrela enquanto o outro se tornou estrela meio que por acaso. Quando T-Mac foi draftado pelo Raptors, não via a hora de deixar o time que pertencia ao seu primo Vince Carter para poder brilhar em um time que fosse inteiramente seu. Conseguiu uma equipe só para ele no Magic, onde descobriu que carregar uma franquia inteira nas costas é uma merda. Ele queria ser estrela e conseguiu, foi cestinha da NBA duas vezes seguidas, mas aprendeu que sem um elenco decente não é possível ganhar jogos. Foi ficando cada vez mais frustrado, mais insatisfeito, até que não aguentou mais e chutou duas bolas pra fora da quadra:

O mais engraçado desse vídeo é que o T-Mac parece bem calmo até que, de repente, uma vontade incontrolável de ser expulso lhe toma o corpo, enquanto o Juwan Howard tenta desesperadamente impedí-lo de chutar a bola porque se o McGrady não estiver em quadra não iria sobrar ninguém no Magic capaz de amarrar o próprio cadarço. Após esse incidente a troca foi inevitável e o T-Mac foi ser estrela no Houston, onde ele sabia que, com o apoio de uma outra estrela, poderia ser campeão.
O Yao Ming é meio tímido, não tende a dominar jogos, e o McGrady nunca deixou de carregar nos ombros a responsabilidade pela equipe. Dava discursos sobre ser a estrela, sobre recair sobre ele o peso da vitória, e garantiu que se a equipe fosse eliminada nos playoffs a culpa seria sua. Mas aí ele jogou bem pra burro, fez tudo que poderia, foi eliminado mesmo assim e aí – depois do lendário choro na entrevista coletiva – percebeu que a culpa era do resto do time. McGrady sempre balançou de um lado para o outro nessa história de assumir a responsabilidade ou delegá-la para a equipe, mas nunca cogitou não ser a estrela, o astro principal. Quando as dores nas costas começaram a destruí-lo e minar seu tempo de jogo, disse que esperava ser campeão logo para poder se aposentar. Estava apenas esperando as honras para poder se livrar do fardo.
Kevin Martin é o extremo oposto. Foi draftado com a vigésima sexta escolha depois de jogar numa faculdade obscura e mal entrava em quadra pelo Kings, até acertar o arremesso da vitória contra o Spurs nos playoffs de 2006.
Quando lhe deram mais minutos na temporada seguinte, ele explodiu apesar do seu jogo silencioso, quase invisível, em que marcou mais de 20 pontos por jogo dando o menor número de arremessos por partida de toda a NBA. Quando a temporada terminou e Kevin Martin tinha números incríveis, havia batido recordes com o número de lances livres cobrados e convertidos, o Kings lhe ofereceu um questionável contrato de 55 milhões de doletas por 5 anos, um contrato que nem a mãe do Martin esperava. Tanta grana para um jogador que não era uma estrela, vinha de apenas uma grande temporada e se portava timidamente em quadra foi uma ação duramente criticada. Um salário de mais de 10 milhões por ano deveria ser entregue a alguém que pudesse carregar nas costas o Kings inteiro, algo que não parecia ser o caso de Martin. Ele virou estrela pela grana que recebia, pelas suas estatísticas, não por quem ele era. Embora seus números sejam de um pontuador nato, Kevin Martin arremessa pouco, não tem um drible devastador, não arma o jogo e não tem explosão rumo à cesta nem força física. Tem um corpo de quem ainda escuta os álbuns da Xuxa e descobriu agora que meninos tem pipi, não gosta de ser um líder e não é vocal na quadra, preferindo ficar quietinho. Ele é apenas um jogador coadjuvante, mas bom demais, eficiente demais, pontuador demais, ladrão de bolas demais, para ser considerado coadjuvante. O Kings achou que ele merecia 55 milhões então ótimo, sorte dele que vai ter grana para comprar muitos álbuns da Xuxa e enfiar o resto nas orelhas.
Assim que Tracy McGrady chegou no Knicks, agiu como estrela. Ele é obviamente o jogador mais talentoso da equipe, o mais experiente, e apesar de estar completamente sem ritmo de jogo começou como titular. Exigiu a bola nas mãos logo de cara, atacou a cesta mesmo sem qualquer sinal de velocidade, e fez os torcedores explodirem com duas cestas com falta ainda no primeiro quarto. Movido pela torcida amalucada do Knicks, arremessou e bateu para dentro do garrafão sempre que deu na telha, colocando em prática o seu “veteranoból”, aquele basquete de velhinhos que não envolve pulos, força ou velocidade, e se aproveita das manhas de quem sabe onde estar na quadra, como enganar a pirralhada e como usar os juízes ao seu favor. Para alegria do técnico Mike D’Antoni, que estava desesperado por um armador desde que o Chris Duhon caiu de produção de uma temporada para a outra, McGrady é inteligente o bastante para armar o jogo, tem boa visão de quadra e encontra os companheiros livres com os passes certos, mas tudo isso sem correr. O resto do time batendo para a quadra de ataque como gatos no cio e o McGrady trotando devagarinho, na velocidade em que ele consegue, jogando de armador principal pela primeira vez na carreira. Ainda assim cansou logo e mal participou da prorrogação, em que o Eddie House provou que sem o Garnett para comer o seu fígado se ele fizer cagada (e com o D’Antoni que quer mais é que todo mundo arremesse mesmo) ele vai arremessar o tempo inteiro, ganhar uns jogos sozinho e perder dez vezes mais jogos por culpa sua e de sua falta de cérebro.
A estreia do T-Mac foi digna de uma estrela, de um jogador que domina o esporte, se encaixa em qualquer lugar, sabe chamar a torcida e sabe como conseguir pontuar do jeito que bem entender. Falta oxigênio, joelho, ter nascido quando já existia internet, mas fora isso ele ainda é espetacular. Só que, como em todo o resto de sua carreira, para ele ser estrela e chamar a responsabilidade para si é preciso um time horrível à sua volta que lhe trará derrota atrás de derrota. Cada vez mais cansado, questionando se seria capaz de enfrentar o Celtics depois de sentir dores no joelho após duas partidas, T-Mac faz o que consegue. Mas ele não consegue vencer.
Já a estreia do Kevin Martin foi, assim como ele, muito mais discreta. Começou no banco de reservas, o que é muito sensato porque ficaria bem feio colocar Ariza ou Battier no banco depois de tudo que eles fizeram juntos na temporada até agora. K-Mart começou devagar, arremessou algumas bolas quase por obrigação, tentou não participar muito, e foi ajudando a equipe em todos os aspectos mesmo sem seus arremessos caírem: roubou bolas, pegou rebotes, soube encontrar seus companheiros livres. Quem não prestou atenção nem reparou que ele estava em quadra. Em sua segunda partida, instruído a arremessar mais, acabou errando mais. Mas só dá para notá-lo por causa do arremesso esquisito, do jeito engraçado que ele joga, porque ele nunca chama o jogo, jamais compromete a equipe, nunca dá para xingá-lo. Ganhará os jogos cobrando lances livres, arremessando bolas de três apenas quando estiver livre, preferindo cavar o contato ao invés de tentar um arremesso forçado. Ele não é uma estrela mesmo que tenha números de estrela, mesmo que bata recordes, que sua eficiência o coloque estatisticamente ao lado de lendas como Michael Jordan e Nate Archibald.
O Knicks precisa de atenção. Precisa de audiência na TV, marketing, barulho, o que for preciso para atrair as grandes estrelas ao término da temporada, já que a equipe terá dinheiro para assinar dois contratos máximos. T-Mac é perfeito para isso, ele será uma estrela mesmo aos 80 anos, mesmo quando não acerta os arremessos, mesmo na derrota. Já avisou que o que ele quer da vida é poder jogar, e que está mais do que disposto a assinar um contrato pequeno e permitir que duas estrelas venham jogar com ele em contratos máximos. Está se preparando para sumir nas sombras, brilhando agora para se tornar ajudante na temporada que vem. São os últimos suspiros do McGrady que conhecemos, mesmo que ele não ganhe uma partida sequer. Ainda que para o Knicks perder não dê resultados porque a escolha de draft desse ano não é deles (o Sampa City me avisou nos comentários que a escolha era do Jazz, e aí fui descobrir que o Knicks mandou para o Suns quando trocaram pelo Marbury), o que importa mesmo, mais do que as vitórias, é o T-Mac ter bons números para iludir outras estrelas a jogar com ele. O casamento foi perfeito para os dois, nem importam os resultados.
O Houston sente falta de Carl Landry, único pontuador do time em quartos períodos, e perdeu suas duas partidas até agora no final porque a equipe não sabia como marcar pontos de modo algum. Mas o casamento com o Kevin Martin também é perfeito, um jogador inteligente e discreto que não quer ser e nem nunca será uma estrela. Ele pode ajudar como quiser, como conseguir, sem nunca ter que chamar a responsabilidade que se espalha por todo o elenco graças ao planejamento de uma vida toda do técnico Rick Adelman. Cansei de ver o Rafer Alston querer decidir jogos pro Houston e eu tendo um aneurisma cerebral, e ando cansando do Aaron Brooks querer bancar o herói em momentos impróprios. É um alívio ver que o Kevin Martin vai eventualmente começar a ganhar jogos, decidir partidas, tudo daquele jeito estranho de moleque de 12 anos que não sabe jogar basquete, e eu nem vou perceber quando ele errar porque é inteligente e discreto. Quando acertar também não vai querer ser estrela, não vai reclamar de minutos, de vir do banco, de não ter certo número de arremessos. Enquanto até o Travis Outlaw diz que estava louco para sair do Blazers porque lá ele nunca teria o número de arremessos que merece, o Kevin Martin entra para a história com o menor número de arremessos para atingir sua média de pontos. Não consigo imaginar alguém que se encaixe tão bem no atual momento do Houston, mesmo que as derrotas continuem vindo. Essa sim é uma equipe, ao invés do erro lendário de juntar duas estrelas e ver o que acontece. Com o Houston não deu certo, será que dará com o Knicks?
Por que tantos times acreditam que, juntando dois jogadores fantásticos, ganharão títulos? Contusões, elenco de apoio, tática, psicológico, identidade, química – uma tonelada de fatores que vão muito além de ganhadores de contratos máximos. O Celtics percebe que, com outro clima no vestiário, tem menos chances de ser campeão apesar de reunir tanta gente fantástica no mesmo lugar, todos com contratos máximos e alguns a preço de banana. É por isso que desejo boa sorte para quem T-Mac receber como ajuda na temporada que vem. Como torcedor feliz com a equipe pela primeira vez em anos, acompanhando o basquete coletivo e sem estrelas do Houston Rockets, prefiro ficar com o Kevin Martin.

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