>Celtics pagodeiro

>

Garnett versão Zé do Caixão: “você, você, e toooodos você!”
Assim que LeBron foi eliminado dos playoffs, Garnett não resistiu à oportunidade de lhe dar publicamente um conselho: não gastar toda sua carreira em uma tola lealdade. “Lealdade é algo que te machuca às vezes, porque você não pode ter sua juventude de volta. Posso dizer sinceramente que se eu pudesse voltar atrás e refazer minha situação, sabendo o que sei agora com essa organização, teria vindo para cá um pouco antes.”
Kevin Garnett passou os melhores anos de sua carreira no Minnessota Timberwolves. Quando vi Garnett chutar traseiros, ser o melhor jogador da NBA, levantar comparações com Tim Duncan e se tornar meu jogador favorito, era lá que ele estava. Mas as críticas que recebia eram muito duras e cruéis. Como sempre, ninguém queria ouvir sobre o técnico incompetente que lhe treinou durante quase toda a carreira, o elenco limitado, os jogadores fominhas. O peso das derrotas caíam invariavelmente nas costas do Garnett, incapaz de vencer frente às circunstâncias. Mas ele queria vencer com aquela franquia que lhe trouxe à NBA, vencer em nome daqueles torcedores que lhe acompanharam desde que ele era um magrelo sem barba na cara jogando Pokémon, provar para o mundo e para si mesmo que poderia, com aquela estrutura meia-boca, vencer um campeonato. Essa fidelidade consumiu o auge de sua carreira, sempre batendo a cabeça contra a parede. Quando foi trocado para o Celtics, a primeira coisa que ele fez foi ficar puto da vida. Não queria vencer apenas por ter se enfiado num time melhor.
Mas rapidamente o resto do elenco, a comissão técnica e a estrutura do time de Boston mostraram algo para Garnett: é mais fácil vencer quando não se está sozinho. A fidelidade deve vir pela coisa certa. O Celtics rapidamente se tornou uma excelente banda de pagode, ou seja, um monte de gente com dor de corno. Pessoal que colocou a fidelidade no lugar errado, tomou chifre, e agora é fiel apenas aos outros marmanjos que sofreram a mesma coisa na pele. E o mundo nos ensina que poucas coisas são mais unidas do que um grupo de cornos.
Ray Allen teve sucesso moderado no Bucks com ajuda de Glen Robinson, e no Sonics com a ajuda de Rashard Lewis. Paul Pierce teve sucesso moderado no Celtics com a ajuda de Antoine “Cabeça de Lego” Walker. Mas os dois sabem que sucesso moderado e outro bom jogador de apoio não serve para bulhufas. O Ray Allen é um dos melhores arremessadores de três pontos que o planeta já viu, deve bater todos os recordes de bolas de 3 pontos, foi versátil o bastante para produzir mesmo sem seus arremessos, e mesmo assim tem gente constantemente perguntando se ele é bom de verdade, se ele foi importante para a NBA, querendo saber se ele é melhor que o Michael Redd. Kevin Garnett foi um dos jogadores mais espetaculares de todos os tempos, um dos mais eficientes da história, um dos poucos capaz de jogar em todas as posições da quadra, e tem gente o tempo inteiro achando que ele é “bonzinho” (qualidade que, se dita sobre um garoto por uma garota, significa que ela nunca, jamais, nem em um milhão de anos, dará para ele). O próprio Paul Pierce disse se considerar o melhor jogador de sua posição na NBA e a gente riu dele com razão. Os três são apenas espectros do que já foram, fantasmas, fotografia envelhecida. A declaração do Paul Pierce é o melhor exemplo disso, ele simplesmente não percebeu a passagem do tempo, gastando seus melhores anos com um Celtics confuso e desorganizado que não sabia se construia um time em volta do Pierce ou se reconstruia a equipe do nada. É fácil esquecer quão espetaculares foram esses três jogadores quando os vemos em quadra atualmente, um tanto limitados, às vezes se arrastando (principalmente nos poucos jogos em que o Magic conseguiu jogar fisicamente, coisa que o Lakers não fará). Aí está o Celtics, cansado, velho, e em mais uma final de NBA.
É preciso desmistificar um pouco esse time do Celtics, justamente para percebermos quão bom ele é. O trio formado por Pierce, Ray Allen e Garnett não é sombra do que já foi. No ataque, seus talentos nunca foram adequadamente aproveitados porque o Doc Rivers é o pior técnico que esse mundo já viu. As jogadas são quase todas isolações, o Garnett nunca recebe a bola o bastante, e é fácil o time se perder em longos períodos sem pontuar. Na defesa, gostaria de derrubar um pouco um mito: Garnett é essencial para essa defesa, coisa e tal, mas o real responsável por ela é Tom Thibodeau. O assistente técnico do Celtics é o responsável por toda a estratégia defensiva do time, cada mísero detalhe, montou o esquema tático do Houston retranqueiro que eu acompanhei tão de perto com o Jeff Van Gundy, e é de sua mente doentia que surgiu a defesa impecável que parou LeBron James. O Garnett é excelente defensor, sua energia em quadra contagia os jogadores e ele é um líder vocal, sempre berrando com todo mundo. Mas a defesa do Celtics não é criação sua como reza a lenda. Os que sabem da verdade, como o Bulls, o Hornets e o Nets, estão entrevistando o Thibodeau para dar-lhe finalmente um cargo de técnico principal. Ele merece.
O ataque do Celtics é desorganizado, a defesa é fruto de um assistente técnico e os três jogadores principais estão velhos, mais limitados, cansados e são frequentemente mal utilizados em quadra. Eis aí o Celtics desmitificado. Quem fica louvando esse time está assistindo uma equipe diferente daquela que eu vejo tão atentamente. E sabe por que eles são tão bons? Porque sabem das limitações. Garnett, Allen e Pierce sabem dos problemas que seus corpos reumáticos enfrentam e treinaram como loucos para chegar na melhor forma física possível. Garnett saiu do bisturi no joelho temporada passada e foi direto para um regime de treinamento intensivo com um cara famoso por treinar as estrelas que entrarão no draft da NBA. Os três só estão aí correndo nos playoffs porque sabem que não dá pra dar mole para o físico quando se é velhinho. Os três sabem que o ataque é mal feito, então tentam ganhar na defesa. E o principal: os três sabem que não vão ganhar sozinhos, como na época em que eram fiéis às suas equipes horríveis, então eles apostam no elenco. No elenco inteiro. O grande mérito dessa equipe do Celtics é ter três jogadores dentre os melhores de todos os tempos e vê-los confiando, por exemplo, em um pirralho: Rajon Rondo.
Lembra quando o Celtics era uma merda? Paul Pierce era titular junto com Delonte West na armação, Al Jefferson criança como ala e Marc Blount cocô como pivô. Os três foram trocados, então o Celtics viu dois reservas se tornarem titulares para tapar buraco: Rajon Rondo e Kendrick Perkins. Agora, é fácil ver os dois formando a dupla mais importante em quadra, um no ataque e outro na defesa. O trio de estrelas sabe ser coadjuvante. Como bom grupo de pagode, eles sabem como é tomar na orelha e estão dispostos a colocar a lealdade nesse time, seja quem for.
Quando o Lakers formou o lendário Fab Four com Shaq, Kobe, Malone e Gary Payton (e o time é lendário por ter perdido, claro), o Devean George fechava o quinteto titular e disse se contentar em ser apenas “uma pergunta pegadinha” em questionários de basquete no futuro. Se o Celtics é tão bom é porque ninguém faz parte de questionário-pegadinha do Mallandro, o Rajon Rondo é a estrela da equipe e ninguém tem vergonha de admitir. Garnett disse que foi super natural, ainda durante a temporada, aceitar que o ataque era colocar a bola nas mãos do Rondo e deixar que ele decida o que fazer. E na defesa, Perkins faz o trabalho que antes se louvava ser do Garnett – só que faz melhor.
O Celtics é tão ruim, mas tão ruim, que o Glen Davis precisa entrar para segurar o garrafão na defesa e acertar os arremessos que o Garnett muitas vezes nem tenta no ataque. Tony Allen precisa entrar para defender o perímetro quando o Pierce tá com os pulmões pra fora. Nate Robinson precisa entrar e armar o jogo quando o Rondo toma um capote e se arrebenta (e se o Celtics campeão podia jogar fácil sem armador nenhum, já que não tinha jogadas de ataque, dessa vez eles passam para o Rondo e assistem, então não rola ficar sem armador). Esses caras mais-ou-menos terem papéis importantes é o que torna o Celtics incrível. Todo mundo está disposto a receber ajuda seja de onde ela vier, nas condições em que ela vier. Todo mundo dá o máximo, durante os jogos e fora deles, para fugir do risco de não ser lembrado pela história por ter gastado os melhores anos em franquias horríveis.
Se o Celtics enfrentou uma crise no meio da temporada, despencando na tabela e dando fria digna de quinta série do ginásio no Rasheed Wallace, é porque nem todo mundo tem essa sensação de “água batendo na bunda” que assola Garnett, Pierce e Allen. Eles são velhos e se dedicaram, treinaram como loucos, dão espaço para quem quiser se destacar se a vitória vier, e aí o Glen Davis só faz merda e chora, o Rasheed Wallace aparece gordo, destreinado e desinteressado, e o Nate Robinson queima arremessos como se fosse pelada de domingo? Me dói muito dizer, mas o grande trio que entrará no “Hall da Fama” agora é apenas um conjunto de três jogadores normais, nada espetaculares. Mas aquilo que eles representam, aquilo que eles significam, faz Rasheed Wallace ter que entrar em forma, Glen Davis ter que segurar o choro, Nate Robinsonter que jogar como se fosse o Rondo. Ninguém quer estragar a última chance que esses três tem de deixar um legado. Eles exigem isso, obrigam isso, e assim que todo mundo entendeu (ao invés de achar que era implicância, chateação, motivo de choro), a crise do Celtics virou farofa. Os três jogadores “normais” fazem com que todos os outros tenham que ser espetaculares. Nem que seja na base do grito.
Allen Iverson também representa algo enorme, também poderia levar um time ao limite para salvar seu legado. Um reserva qualquer entenderia que precisa jogar demais se for a última chance do Iverson na carreira. Mas Iverson simplesmente não aceitaria a ajuda necessária, não teria a consciência de que está velho, com joelhos frágeis, mira descalibrada, e não teria a humildade de colocar o time nas mãos de Rondo, Perkins e Glen Davis. A grande vantagem do Celtics em cima do Lakers, maior do que qualquer mando de quadra, é o relógio: o tempo está passando e essa pode ser a última chance desse Celtics ganhar outro anel. Todo mundo em Boston está consciente da passagem do tempo. Enquanto o Lakers de Kobe sabe que pode vencer bastante nos próximos anos, para o Celtics a temporada tem gosto de última chance. Por isso, independente de quais jogadores estejam em quadra, qual tipo de defesa e qual a qualidade técnica do confronto, o Celtics é pra mim favorito. Quanto mais velho e acabado Garnett parecer em quadra, melhor e mais motivado essa equipe será. A ajuda virá de todos os lados.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.