Por 6 temporadas, Chris Paul e Blake Griffin estiveram unidos no Los Angeles Clippers. Por 6 temporadas, não alcançaram nada além de fracasso. A empolgação inicial, com Blake Griffin e DeAndre Jordan comemorando a chegada de Chris Paul aos gritos de “lob city” (algo como a “cidade da ponte-aérea”) foi aos poucos esmorecendo conforme maldições das mais diversas acabavam com os sonhos de título da equipe.
Varrida pelo Spurs na primeira tentativa, eliminação para o Grizzlies com 4 derrotas seguidas depois de estar liderando a série por 2 a 0, escândalos contra o então dono Donald Sterling que levaram a jogos sob protesto por parte dos jogadores, eliminação pelo recém-relevante OKC Thunder, 3 derrotas seguidas para o Rockets depois de liderar a série por 3 a 1 (incluindo uma vantagem de 19 pontos desperdiçada no Jogo 6), lesões seguidas de Blake Griffin e Chris Paul em momentos decisivos (incluindo Griffin quebrando a mão ao socar um funcionário) e por fim, nessa última temporada, uma inexplicável derrota em casa para o jovem Jazz no Jogo 7 da primeira rodada. São desastres suficientes para justificar os ~boatos~ do time ser fundado em cima de um amaldiçoado cemitério indígena – e isso sem nem precisar voltar para os misteriosos fracassos que assolaram a franquia nos anos 80 e 90. Nenhum outro time conseguiu colocar tantos All-Star juntos na última década sem ao menos alcançar uma Final de Conferência.
Parte disso, claro, são os espíritos sedentos por vingança pela violação de seu lugar de descanso sagrado, mas parte disso se dá pelo fato de que o Clippers nunca encontrou as condições necessárias para tirar o melhor do elenco estelar que conseguiu compor. Quando Chris Paul chegou, ele seria o MAESTRO de um time em que Blake Griffin e DeAndre Jordan só teriam que pular e atacar a cesta. Mas acontece que Griffin acabou se mostrando MUITO MAIS do que apenas alguém que salta e enterra, desenvolvendo um excelente controle de bola, visão de quadra, capacidade de puxar contra-ataques e até de armar o jogo. Na ausência de Chris Paul, fora por lesão, Griffin assumiu o time e teve o melhor momento de sua carreira como um ala-armador de altíssimo nível. Com Chris Paul de volta, ficou um pouco relegado a espaçar a quadra, tendo que desenvolver um arremesso de média e longa distância consistente para se manter relevante, mas totalmente fora de sua zona de conforto. É claro que Chris Paul também fez concessões para jogar ao seu lado, abrindo mão de carregar todo o esquema ofensivo como fez em seus tempo épicos no Hornets, mas não restam dúvidas de que Griffin fez as concessões maiores e mais impactantes. Muito do que ele sabe fazer em quadra simplesmente não é necessário ou atrapalha o esquema desenhado para o armador principal. Defendi por muito tempo que mantê-lo na equipe era ter dinamite e usá-la para acender charutos, não fazia sentido algum especialmente levando em consideração a falta de profundidade crônica do banco de reservas do Clippers nos últimos anos. Mas entendo o argumento de que é preciso ter jogadores assim, pouco ou mal utilizados, disponíveis para horas de desespero na pós-temporada – é o caso de Kevin Love, por exemplo. O problema é que essa vantagem nunca se concretizou porque lesões nunca permitiram que Paul e Griffin se alternassem por necessidades táticas, o rodízio sempre se deu por necessidades médicas. Esse é um dos motivos para o Clippers passar longas temporadas sem encontrar um ritmo ou uma identidade de fato e, mesmo com times plenamente funcionais – e muitas vezes EMPOLGANTES – sempre parecia algo momentâneo, apenas esperando alguém voltar de contusão para ter que encaixá-lo novamente na equipe e construir toda uma nova química e inventar toda uma nova dinâmica no processo.
Times que nunca estão inteiramente saudáveis já possuem essa tendência de se manterem psicologicamente reféns dos jogadores ausentes, mas o Clippers teve essa situação exacerbada pela combinação infeliz de Doc Rivers e Chris Paul. De um lado um técnico totalmente dedicado à posição de armador, sempre reticente em assumir o sucesso da equipe quando vindo de outras frentes e pouco afeito a um basquete verdadeiramente organizado; do outro, um armador extremamente sistemático e controlador, racional e exigente, incapaz de aceitar variações e constantemente incomodado com qualquer mudança no padrão que seus companheiros – ou a lesão de seus companheiros – causavam à equipe. Relatos recentes de jogadores que passaram pela franquia descrevem um clima TENEBROSO nos vestiários, com jogadores que NÃO SUPORTAM as cobranças de Chris Paul com relação a treino e posicionamento, uma obrigação desesperada de vencer conforme o tempo desse elenco chegava ao fim, um constante empurrar de responsabilidades na hora das derrotas incompreensíveis e um amadorismo por parte da comissão técnica, incapaz de criar qualquer sensação de “grupo”. Se algum jogador cogitou continuar no Clippers foi só porque encontrar tanto talento nos vestiários deve passar a sensação de que a vitória, derradeira e REDENTORA, pode surgir a qualquer momento. Dizem que foi apenas esse horizonte de uma vitória final para apagar todos os anos de fracasso que manteve Chris Paul e Blake Griffin juntos nos momentos de conflito, tanto táticos quanto de entre suas personalidades.
Mesmo com a derrota para o Jazz nos últimos Playoffs, o Clippers poderia tentar de novo. Aliás, poderia tentar de novo PARA SEMPRE. Há um eterno asterisco, sempre uma lesão ou um deslize ou algo inexplicável qualquer, para nos fazer crer que a derrota foi algo fora do comum. Contra o Jazz, foi a lesão do Blake Griffin que abriu mais uma vez essa porta para os múltiplos universos paralelos em que, “caso Griffin estivesse saudável, tudo teria dado certo”. E essa especulação pode até mesmo ser verdadeira, afinal aquilo que não aconteceu fatualmente continua acontecendo, em potência, dentro de nossas mentes férteis. Atualizar essa potência pode sempre estar à distância de apenas mais uma tentativa. Mas eventualmente alguém nesse elenco simplesmente traçaria a linha para delimitar onde é longe demais. Uma hora alguém iria verdadeiramente cansar de tentar.
Ao fim dessa última temporada, chegou o momento de Chris Paul tomar uma decisão: como seu último ano de contrato com o Clippers era opcional, o armador poderia simplesmente escolher deixar a equipe imediatamente e abandoná-los com absolutamente nada em mãos, ou então tentar uma última e CERTAMENTE AMALDIÇOADA vez. Optou por sair. Boatos de que sentiu-se traído quando Doc Rivers se negou a incluir o filho numa negociação para trazer Carmelo Anthony, de que sentia que tentar de novo com o mesmo time não traria resultados diferentes. Ainda assim, encontrou uma maneira de não deixar o Clippers totalmente desamparado – e ainda, porque não é bobo, descolar um contrato mais proveitoso para si próprio.
Chris Paul avisou a diretoria de que estaria indo embora e a única chance deles receberem qualquer coisa em troca seria enviá-lo para o Houston Rockets, o time de sua preferência. Assim, aceitou aquele último ano de contrato com o Clippers e foi, como combinado, trocado imediatamente. Com o Rockets já está tudo combinado: assim que chegar assinará um contrato novo por 6 anos, um ano a mais do que lhe seria possível se tivesse simplesmente se desligado do Clippers e ido para Houston sozinho. O ano a mais deve fazer muita diferença porque certamente esse será o último grande contrato de sua carreira. Com a troca, Chris Paul garantiu os 7 anos melhor remunerados que lhe eram possíveis e o Clippers conseguiu ao menos algumas peças com as quais pensar seu futuro: Patrick Beverley, Lou Williams, Sam Dekker, Montrezl Harrell, três outros jogadores aleatórios e uma escolha de draft de 2018 (desde que não seja uma das três primeiras).
Para o Clippers essa troca abriu um universo de possibilidades de recomeço. Beverley foi candidato a Melhor Defensor do Ano e tem um contrato obscenamente baixo de apenas 5 milhões de dólares por ano; Lou Williams foi candidato a Melhor Sexto Homem do Ano, é ótimo arremessador e consegue criar o próprio arremesso; Dekker e Harrell são jovens, promissores e se saíram melhor do que o esperado na última campanha do Rockets. Todos eles possuem real valor de troca caso o Clippers queira somar outras escolhas de draft àquela já recebida ou então montar pacotes maiores para trocas mais ousadas. Mas todos eles são versáteis o bastante para o Clippers considerar duas outras alternativas polêmicas: uma é deixar Blake Griffin ir embora, liberar espaço salarial e caçar agressivamente dois outros jogadores livres buscando contratos máximos e uma estrutura mínima de jogadores já prontos para compor o elenco; a outra é entregar as rédeas da equipe para Blake Griffin, deixar que ele seja o jogador completo que ele sempre indicou ser capaz de ser, assumir a armação da equipe e ter Patrick Beverley ao seu lado não para levar a bola, mas para defender como nunca ao seu lado. Com o espaço salarial o Clippers pode buscar outras peças para cercar Griffin, que podem variar de jogadores já estabelecidos até apenas compor um banco incrivelmente forte.
Blake Griffin acabou de encerrar seu contrato e está completamente livre para fugir da MALDIÇÃO e testar o mercado, mas alguns elementos pesam contra essa busca por liberdade: primeiro, o Clippers pode lhe oferecer aquele ano a mais de contrato, com valores maiores do que os outros times, que Chris Paul fez questão de dar um jeito de manter; segundo, Griffin é assumidamente um apaixonado por Los Angeles e toda sua badalação; e, por fim, não consigo pensar em nenhuma outra franquia da NBA disposto a dar em suas mãos o controle total e o protagonismo inquestionável de alguma equipe. Se Blake Griffin acreditar que seu verdadeiro potencial ainda não foi sequer arranhado mesmo após as inevitáveis limitações por lesão, se ele acredita que tem muito mais a mostrar para os torcedores e para a própria NBA, então ficar no Clippers – por mais contra-intuitivo que possa parecer – pode ser a melhor escolha. Pessoalmente, torço muito para que isso aconteça. Griffin nunca terá outra chance dessas num time que não esteja completamente implodido e acredito que os resultados com o atual elenco de apoio seriam muito surpreendentes.
De todo modo, a troca deu ao Clippers possibilidades DIGNAS de pensar no futuro, uma situação bem diferente de um certo time de Chicago recentemente. Mas para o Houston Rockets, a troca dá possibilidades de sonhar com um futuro ainda mais brilhante do que uma derrota nas Semi-Finais da Conferência Oeste.
A coisa mais chocante nessa troca é QUÃO BARATA ela saiu para o Rockets. Tudo porque o time tinha um conjunto interessante de jogadores disponíveis, pouco ou nada essenciais ao modelo tático, e uma estrutura convincentemente boa para atrair Chris Paul. Parte importante dessa estrutura é o técnico Mike D’Antoni: o arco de transformação de James Harden, de um jogador malignizado por ser “muito fominha” e “péssimo defensor” para um aplaudido candidato a MVP com números impressionantes e liderança real em quadra é pra deixar qualquer armador babando de inveja. Pode acreditar: jogadores se conversam, eles espiam os resultados uns dos outros. A breve passagem de D’Antoni pela seleção de basquete dos Estados Unidos apresentou seus esquemas orgânicos, eficientes e divertidos para uma vasta gama de jogadores que, assim como Chris Paul, dizem-se “ansiosos” para trabalhar com ele novamente. Carmelo Anthony e até LeBron James confessaram ter experimentado “o melhor momento de suas vidas” dentro de esquemas táticos de D’Antoni. E se James Harden liderou a NBA em assistências sem nunca ter sido reconhecido como um passador acima da média, o que será que Chris Paul, considerado por muitos o melhores passador do basquete atual, seria capaz de fazer nas mesmas circunstâncias?
O casamento entre Chris Paul e Mike D’Antoni parece coisa de sonho: embora Paul seja conhecido por ter um ritmo mais controlado e cadenciado de jogo, as possibilidades de passe que o esquema de D’Antoni criam naturalmente elevará a velocidade de seu jogo de transição. D’Antoni fez adequações táticas na última temporada porque Harden prefere correr só depois de passar para a quadra de ataque e esses ajustes parecem casar perfeitamente com aquilo que Chris Paul tende a fazer. Além disso, Chris Paul foi o terceiro jogador nessa temporada a mais executar jogadas de pick-and-roll e o jogador que mais pontuou ao iniciar essas jogadas. Colocá-lo com D’Antoni, cujo Rockets liderou a NBA com 44% de suas jogadas de meia quadra acontecendo através do pick-and-roll, parece uma decisão óbvia. A vontade de Chris Paul de tomar decisões próprias em quadra será respeitada num modelo em que todos os jogadores criam constantemente opções de passe e seu jogo de meia distância será muito bem-vindo quando os times adversários protegerem bem demais o aro e o perímetro, como foi o caso do San Antonio Spurs nos últimos Playoffs, que deixou o Rockets sem saber o que fazer ao deixar disponível apenas os arremessos da cabeça do garrafão. É claro que ajustes terão que ser feitos, o espaçamento terá que ser levemente alterado porque Paul prefere a meia distância ao ataque constante ao aro, mas é justamente por implementar essas pequenas alterações de maneira simples e imediata que D’Antoni faz tanto sucesso nos bastidores entre armadores e pontuadores natos. A simples ideia desses dois juntos deveria fazer com que qualquer torcedor do Rockets CORRESSE NU NA RUA COM A CUECA NA CABEÇA (não nos responsabilizamos pelas consequências jurídicas desse ato de descontrole justificado, por favor).
Mas a preocupação que essa troca traz, claro, não é sobre a união de Chris Paul e seu novo técnico, mas sim sobre a união de Chris Paul e o atual armador da equipe, James Harden. No Clippers, o controle da bola e do ritmo do ataque de Paul comprometeu a capacidade de Blake Griffin de criar as próprias jogadas e tomar as próprias decisões; no Rockets, quase dois terços das jogadas da equipe saem das mãos de James Harden. Conciliar esses dois jogadores acostumados a ter tanto centralizado em suas mãos será, sem nenhuma dúvida, o grande desafio para esse time funcionar.
Chris Paul parece ter admitido que um dos pontos mais interessantes em Houston era a chance de passar a jogar mais sem a bola; James Harden já jogou com menos protagonismo em OKC, inclusive numa estranha época em que, participando menos do ataque, era considerado um defensor acima da média. Mike D’Antoni, por sua vez, disse que duas estrelas tão capazes e inteligentes não terão nenhuma dificuldade em ajustarem-se um ao outro. De fato os dois inventarão maneiras de se tornarem eficientes sem a bola, descansarão em mais posses de bola, poderão revezar-se no banco de reservas de modo a ter sempre um dos dois em quadra a todo momento. Mas por baixo dessa inebriante euforia de ver dois jogadores desse calibre juntos, há sempre aquela estranha sensação que assolava o Clippers de que nenhum deles permitirá que o outro seja o máximo que pode ser. Sob comando de Doc Rivers, Paul e Griffin sempre pareceram versões capadas de si próprios, com as concessões necessárias tornando ambos piores. No entanto, sob comando de Mike D’Antoni, tantos jogadores diferentes fizeram concessões que os tornavam as melhores versões de si próprios – basta pensar em Amar’e Stoudemire, Steve Nash e Joe Johnson como os principais exemplos. Não precisamos nem ir tão longe: sob comando de Erik Spoelstra, LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh fizeram concessões que tornaram o time maior do que a soma de suas partes e dominaram a NBA por um curto mas marcante período.
Chris Paul e D’Antoni foram feitos um para o outro e seria criminoso recusar uma troca que saiu tão incrivelmente barata para os bolsos e para o elenco do Houston Rockets só porque ter dois armadores desse estilo talvez não fizesse sentido óbvio imediatamente. De fato, as concessões que inevitavelmente terão que ser feitas por todas as partes podem acabar limitando todo esse talento – ou podem acabar extraindo o que há de melhor em cada um deles, escondendo suas limitações. É cedo para descobrir, até porque o elenco do Rockets não está inteiramente formado ainda, mas confio que Mike D’Antoni seja a pessoa com mais chances de fazer essa mistura funcionar. Por enquanto, podem me encontrar nu correndo pelas ruas. Ainda é momento de acreditar.