🔒[Clube do Livro] “Encontrando Darko”, por Sam Borden

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Nesta edição escolhemos trazer um dos mais celebrados ensaios jornalísticos sobre NBA dos últimos anos, “Encontrando Darko”, do jornalista Sam Borden. A reportagem, escrita em 2017, faz parte do E:60, o projeto de jornalismo investigativo da ESPN dos Estados Unidos que rendeu inúmeros prêmios por lá. O sucesso do texto de Sam Borden foi tanto que acabou sendo transformado num mini-documentário e virou pauta de podcasts, matérias e debates nos últimos anos. “Encontrando Darko” narra o contato de Borden com Darko Milicic anos depois da aposentadoria do jogador, tentando ao mesmo tempo traçar as dificuldades de sua carreira – a imaturidade, a relação difícil com a cultura americana, os minutos limitados, os acessos de raiva – e compreender como, apesar da carreira frustrada, é possível encontrar novos propósitos e encarar o passado. Darko não é um personagem particularmente heroico ou mesmo agradável, mas sua história é contada de maneira fascinante e serve como exemplo para entendermos melhor as diversas histórias de fracasso na NBA e na vida – e como, muitas vezes, elas escondem mais sucesso do que conseguimos perceber.

O texto de Borden é dotado de um estilo incrível, com imagens vívidas e metáforas belíssimas, e achamos que já era hora dele estar disponível em português. Nesta tradução que realizamos do texto integral abaixo, dado o fato de que a história é fascinante mesmo para quem não acompanha basquete, optamos por manter o texto o mais acessível possível – “bust”, por exemplo, termo que indica um jogador draftado que nunca atingiu seu potencial, foi traduzido como “fracasso” para que vocês possam compartilhar essa história mesmo com pessoas não inteiramente familiarizadas com a terminologia da NBA. Espero que gostem da leitura, que aqueles que já conheciam o texto original possam ainda assim aproveitar essa versão em português, e que possamos discutir a fundo as várias questões que Borden levanta.


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Encontrando Darko

O mundo tem pressa em rotular Darko Milicic como um fracasso épico na NBA, mas aqui estão 10 motivos para ele ser um sucesso completo.

por Sam Borden (com tradução de Danilo Silvestre)

1. Ele não se importa de falar sobre ser um fracasso total.

Darko Milicic usa bastante a palavra “fracasso”, o que é surpreendente. Pensei que ele evitaria ou ao menos ficaria com uma expressão amarga na cara quando a palavra aparecesse, mas ele nem hesita, nem gagueja. A palavra não fica presa em sua garganta como catarro.

Não, Darko é objetivo. Ele é direto. Com 2,13m e quase 135 quilos, ele é praticamente do tamanho de um portão de garagem, mas, nos primeiros 10 minutos após me conhecer, ele usa a palavra “fracasso” meia dúzia de vezes de várias maneiras irônicas (“Isso aqui não é só sobre como eu sou um baita fracasso, né?”).

Ele brinca sobre ser memoravelmente ruim, lembrando do draft da NBA de 2003 quando ele foi a segunda escolha – logo antes de Carmelo Anthony, Chris Bosh e Dwyane Wade, e logo depois de LeBron James. Ele finge estar falando com esses jogadores, levantando suas mãos bem alto e dizendo a eles que, estatisticamente, alguém desse grupo estaria fadado a ser um pesadelo, então, beleza, “vocês sejam os melhores e eu serei o borrão na História”. Então ele ri com o corpo todo.

Durante nossa entrevista, que dura praticamente três horas, ele salpica a conversa com “fracasso”, de tempos em tempos substituindo por sinônimos apropriados, como “desastre”. Num momento, ele diz “fracasso” três vezes em cerca de 15 segundos e define sua carreira no basquete profissional carimbando um rótulo imaginário – dizendo FRACASSO, claro – na própria testa. A coisa toda parece parte performance artística, parte terapia.

A questão óbvia, então: ele era tão ruim assim?

A resposta curta: sim, bastante.

Existem muitas maneiras de quantificar como Darko foi decepcionante na NBA (começando com o fato de que ele tinha 6 pontos por jogo de média enquanto ganhava cerca de 52 milhões de dólares). A maneira mais fácil de entender isso, no entanto, é essa: o site Basketball-Reference.com tem uma maneira de combinar todas as estatísticas de um jogador e listar outros jogadores que tiveram carreiras semelhantes.

Para LeBron, jogadores similares incluem alguns dos melhores de todos os tempos como Julius Erving, Larry Bird e Charles Barkley. Para Bosh, a lista contém membros do Hall da Fama como Dominique Wilkins e Alex English. Wade é comparável a Clyde Drexler e Walt Frazier.

Darko? O jogador mais semelhante é alguém chamado Lee Nailon, seguido por Lou Amundson e Lorenzo Williams. E com todo respeito a esses senhores, digamos apenas que nenhum deles foi a segunda escolha do draft, nem tinha as expectativas de todo um país sobre os ombros. (Dois deles sequer foram draftados.)

Ainda assim, Darko parece tranquilo com tudo isso, tranquilo em ser um dos perdedores mais famosos da história da liga. De alguma maneira, ele lida bem com isso. E então, numa tarde de primavera enquanto estamos dirigindo por Novi Sad, a cidade natal de Darko na Sérvia, casualmente menciono que não esperava vê-lo tão confortável com a história calamitosa de sua carreira.

“O que você estava esperando?”, Darko pergunta. Hesito. Tento encontrar um modo de falar “vergonha descarrilhada” de uma maneira que não seja completamente ofensiva.

“Sabe, uma vez escrevi um texto sobre Frederic Weis”, conto, lembrando de outra catástrofe basquetebolística da Europa – essa francesa, ao invés de sérvia – que foi draftado pelo New York Knicks em 1999 mas nunca jogou uma partida pelo time. O rosto de Darko se anima. Ele lembra de Weis.

“Como ele era?”

“Triste e deprimido”, digo. “Ele tinha vários outros problemas acontecendo, também, com a esposa e seu filho, mas ainda parecia bem bravo com como tudo que aconteceu e estava bravo com a vida, e acho que era um bravo meio velado, mas bravo.”

Estou tagarelando

“Na verdade, Weis tentou se matar uma vez”, acabo confessando.

Darko nem pisca.

“Sério?”

“Sim.”

Dirigimos em silêncio por um minuto. Não existem muitos semáforos aqui e a estrada é irregular e o rádio está ligado, com música sérvia tocando baixo. Parece que eu nocauteei a conversa com minha tagarelice.

Mas então, de repente, Darko diz, “Isso é estranho, sabe, sobre Weis, porque eu meio que sinto que o Velho Darko morreu. Tipo, quando penso sobre eu mesmo, ou sobre eu quando estava jogando, parece que estou meio que pensando sobre alguém que está morto.”

2. Ele não acredita mais que, por conta de uma combinação de pressão e costumes sociais, deveria mentir sobre seus sonhos.

Darko tinha 18 anos quando o Detroit Pistons escolheu ele no draft. Antes disso, ele viveu na Sérvia durante os anos 90, o que significa que viu seu país – e seu pai, que era uma soldado – lutar em diversas guerras na região dos Bálcãs. Ele também estava lá durante os bombardeios da OTAN que dizimaram sua cidade, forçando seus pais, sua irmã e ele a passar dias a fio em seu porão, ouvindo os barulhos e pancadas das explosões na superfície.

Uma vez, durante a guerra da Bósnia no começo dos anos 90, enquanto sua família assistia à televisão, uma reportagem informou sobre o assassinato de 15 ou 20 soldados sérvios naquele dia. Um dos nomes que o âncora do jornal leu era de Milorad Milicic. Darko, que ainda não tinha nem 10 anos, se lembra de olhar pra televisão e ver uma foto do seu pai na tela.

“Por que papai está na televisão?”, perguntou à sua mãe.

Sua mãe não respondeu. Apenas começou a chorar. Então Darko chorou também.

Mas cerca de 5 minutos depois, o âncora do jornal disse que tudo havia sido um engano. Alguns dos nomes estavam errados. “Nunca vou esquecer como me senti naquele momento”, diz Darko. “De repente ele tinha partido. De repente não tinha mais.”

Milorad voltou pra casa. E, dentre outras coisas, ensinou Darko a jogar basquete, mostrando técnicas de arremesso numa cesta embaixo do morro de sua casa. Não era porque pai ou filho tinham um amor particular pelo jogo, entretanto. Era basicamente biologia.

“Meu pai me ensinou porque pessoas na vila diziam ‘Você é alto – por que não tentar?'” Darko dá de ombros. “Não fui eu quem pediu para jogar basquete.”

Ainda assim, basquete acabou sendo uma coisa em que ele era bom. E por conta do encorajamento da família, e o mesmo tipo de inércia adolescente que faz os jovens continuarem com o trombone por seis anos mesmo estando só mais ou menos interessados em música, Darko continuou praticando. Ele se mudou para Hemofarm, um time profissional na cidade de Vrsac, quando tinha 14 anos. Basquete se tornou seu propósito mesmo que não fosse sua paixão.

Quando os olheiros começaram a aparecer, Darko viu na NBA uma rota de fuga – da insegurança econômica, dos tumultos constantes, da Sérvia – mais do que viu uma fantasia de infância se realizando. Ele gostava do jogo o suficiente. Todo mundo que conhecia estava torcendo para ele ir. Estava tudo logo ali na sua frente. E quem não entrou por uma porta apenas porque ela estava aberta?

O problema é que essa não é a narrativa que esperamos de jogadores internacionais. O que esperamos é que amem a NBA, tenham crescido assistindo a transmissão entrecortadas de internet ou de televisão por satélite, celebrem seus jogadores e sonhem em cair em suas armadilhas. Quando Yao Ming foi para a NBA vindo da China, ele não guardou segredo sobre sua adoração de uma vida inteira por Arvydas Sabonis e Hakeem Olajuwon; mais recentemente, Kristaps Porzingis, um letão, deixou bem claro que Dirk Nowitzki foi sua inspiração, e todo mundo entendeu.

Por isso, assim que Darko começou a receber atenção nos Estados Unidos, as perguntas esperadas começaram: “Quem era seu ídolo? Quem você amava assistir?”

Keving Garnett, respondeu Darko. Ele contou pra todo mundo que Garnett, um ala de força alto com uma envergadura mais comprida do que um ônibus escolar, era seu ídolo. Contou para televisões locais que gostava de Garnett. Contou para a USA Today que gostava de Garnett. Contou para a ESPN que gostava de Garnett.

Com o porém de que mal tinha visto Garnett jogar. “Eu meio que encontrei ele e decidi que seria o escolhido”, Darko conta agora. “Ele parecia ser o jogador que eu deveria gostar.”

Deveria – essa era a existência do Velho Darko, não era? Era alto, então jogou basquete. Era bom, então foi pra Hemofarm. Foi notado, então foi para os Estados Unidos. Precisava de um ídolo, então inventou um. Ele seguiu os trilhos para onde eles guiavam. Não existia nenhuma vaga imagem de grandeza na sua mente, nenhum momento doce de faz-de-conta espreguiçando em seu cérebro. Ele estava sonhando com as luzes acesas.

Isso mudou, no entanto, agora que o basquete acabou. Agora, ele tem fantasias a respeito de uma paixão. Agora, ele tem pra valer uma imagem de algo que o faz sorrir.

Cerejas.

Sim, Darko entrou no mundo comercial das fazendas depois do basquete. Alguns atletas vão para o ramo imobiliário ou para o da moda – Darko foi para o de frutas. Mas não se confunda: sua fazenda está mais para Monsanto do que para o sítio do Cocoricó. Ele tem 125 acres repletos de macieiras e exporta maçãs para Dubai, Rússia e países da África.

Cerejas, no entanto, são sua grande visão. O retorno financeiro de se plantar cerejas é gigantesco, conta Darko, e o mercado é bem aberto. Quando Darko fala sobre cerejas, seus olhos se escancaram. Age apaixonadamente. Fica animado.

“Quero plantar essas cerejas”, ele conta no único momento juntos em que ele soa ansioso. “Acho que já é hora.”

3. Sua rotina típica às noites não inclui mais destruir sua própria casa.

Darko não soca paredes mais. Ele soca sacos de pancada ocasionalmente para se exercitar, e uma vez socou um cavalo na cara (mais sobre isso depois), mas seus dias de infligir regularmente punição às paredes acabaram.

Essa é uma mudança importante. Quando Darko jogava na NBA – bem, não exatamente jogava – ele com frequência voltava para casa depois de ficar cozinhando no banco de reservas por mais um jogo e canalizava sua raiva contra as tradicionalmente finas paredes de drywall americanas.

O pior aconteceu em Memphis. A esposa de Darko, Zorana, que naquele momento vivia com ele, chama a época de seu “período de crise”. O time estava perdendo. Darko estava possesso. E as paredes do apartamento pareciam queijo suíço, uma bagunça de calombos e caroços.

A rotina era sempre a mesma. Ele chegava em casa, esmurrava as paredes e ia dormir. Na maioria das cidades ele passou a conhecer as empreiteiras locais que tinham disponibilidade para tacar rapidamente uma argamassa e cobrir tudo com uma mão da tinta que tivessem disponível.

“Sabe quando a gente tem aquele branco perfeito, e aí um outro branco, e aí cinza?”, conta Darko sobre suas paredes remendadas. “Minha casa era assim.”

Darko sempre teve explosões. Ele as chamava de “dar uma enlouquecida”. Mile Ilic, que conheceu Darko quando os dois eram adolescentes, diz que Darko era às vezes inexplicavelmente irritável – ele parava de treinar ou não queria fazer algum circuito ou achava que não deveria ter que ajudar a limpar o ginásio – e o técnico acabava punindo o resto do time.

“Nesses momentos, você acabava odiando ele por ter que sofrer pelo que ele fez”, Ilic conta. “Durava por cinco ou dez minutos e então ele voltava a ser uma pessoa totalmente normal.”

No período em que chegou na NBA, no entanto, suas emoções eram mais complexas. Pra começar, ele era apenas um adolescente, a um oceano de distância de casa em uma cultura que ele não compreendia. Por exemplo, Darko voltava pra casa pra tomar banho depois dos treinos ou jogos ao invés de ficar no vestiário para se lavar; ele não sabia que nos Estados Unidos, os jogadores tomam banho juntos.

“Então eu tive que ensinar para o Darko”, conta Chauncey Billups, que jogou em Detroit entre 2002 e 2008, “tipo, não, quando acabamos de jogar, quando acabamos de treinar, você coloca sua toalha na cintura e vai pro chuveiro. É o que fazemos aqui.”

Não demorou muito, entretanto, para a ingenuidade se misturar com raiva. O técnico do Pistons, Larry Brown, não tinha muito interesse em colocar Darko para jogar porque Detroit tinha recebido a segunda escolha numa troca e tinha uma vasta gama de veteranos talentosos na época. Além disso, quando Brown colocava Darko em quadra, queria que ele ficasse próximo ao aro ao invés de passando e arremessando de longe como Darko preferia. Darko rapidamente afundou numa birra praticamente eterna.

Eram socos nas paredes. Mas era também bebida, e Darko começou a aparecer para treinar ainda embriagado da bebedeira da noite anterior. “Eu simplesmente não dormia”, ele conta. Era um comportamento clássico de Ensino Médio. Ele não podia ser a estrela, então decidiu ser o rebelde bad boy.

“Não me arrependo da maneira que tratamos Darko”, Brown afirma hoje em dia. “O único arrependimento é ele não ter sido mais maduro e paciente.”

A mesma coisa aconteceu em Orlando. E em Memphis, também, período em que Darko estava tão infeliz que acabou xingando os árbitros depois de um jogo internacional de uma maneira que acabou imortalizada no YouTube. (Darko usou palavrões tão gráficos que até mesmo os repórteres entrevistando ele tentaram acalmá-lo.) “Pra onde eu fosse, eram sempre as menores coisas que me irritavam e me faziam pirar”, afirma Darko.

Quer saber a coisa mais maluca? Todos aqueles socos nas paredes… e as duas vezes em que ele quebrou a mão foram quando estava em quadra, na verdade. Em Memphis, ele quebrou um osso da mão direita contra a equipe de Indiana. E na sua primeira temporada, quando Detroit estava prestes a ganhar um título da NBA contra o Lakers, Brown finalmente colocou Darko no jogo, um adversário acertou ele enquanto Darko arremessava e sua mão estilhaçou.

“Fiquei tentando mostrar minha mão para Larry Brown porque ela continuava tremendo”, Darko conta. “Ele apenas me empurrou de volta pro jogo.”

Darko revira os olhos quando fala sobre isso hoje em dia. Faz um tempo que não soca paredes, segundo ele, e Zorana confirma. Darko brinca que o motivo para isso é que as casas sérvias são feitas de alvenaria, com papel de parede texturizado cobrindo as pedras. As paredes da Sérvia não cedem.

Zorana acredita que retirar da vida de Darko a intensidade do basquete foi a chave, como afastar um isqueiro de uma churrasqueira a gás. Agora, ela conta, a rotina noturna é a seguinte: Darko chega, janta com a família e assiste à televisão antes de (volta e meia) capotar no sofá.

Além disso, não é basquete que Darko assiste na televisão. Na verdade, ele mal acompanha a NBA, e não é mentira: encontrei Darko pela primeira vez em junho, só alguns dias depois do Golden State Warriors abrir uma vantagem de 2 a 0 em cima do Cleveland Cavaliers (comandado por LeBron) nas Finais da NBA. Qualquer um com um mínimo de interesse pelo esporte sabe sobre o confronto entre LeBron e Stephen Curry.

Mas quando pergunto ao Darko sobre essa série, ele parece genuinamente surpreso. Estamos sentados em sua fazenda, e Darko encara o campo. “As Finais estão rolando?”, ele pergunta. “Quem está na frente?”

4. Ele soube quando parar.

No dia 17 de novembro de 2012, o Celtics teve um jogo contra o Toronto Raptors. Naquele dia, enquanto os jogadores estavam adentrando o vestiário, Darko bateu na porta do escritório de Doc Rivers. Como a maioria dos técnicos de Darko antes dele, Rivers não imaginava Darko desempenhando um papel significativo em seu time. Naquele ponto, após nove jogos, Darko havia jogado um total de cinco minutos.

Mas Rivers gostava de Darko, gostava de tê-lo nos treinos. Então ele recebeu Darko no seu escritório e ouviu Darko dizer que havia aparecido para dizer adeus.

“Na posição de pivô, se algo der errado com o time, você tem [Jason] Collins, você tem [Fab] Melo”, Darko explicou. “Então fiz as malas e estou voltando pra casa.”

Darko lembra de Rivers ficar chocado. “Darko, do que você está falando? Pra onde está indo? Você vai jogar hoje.”

Darko não tinha receios. “Doc, é isso. Não vou jogar hoje, não vou jogar nunca mais na vida.

Obrigado por tentarem, pessoal. Não deu certo. Estou indo embora.”

Quando Darko foi para o vestiário avisar seus colegas de time, vários não pareciam entender. Ele estava partindo? Tipo, pra valer? Pra valer, ele contou pra todos. Era o fim.

Publicamente, o Celtics disse que Darko havia pedido para ser liberado para voltar para casa e ficar com sua mãe, que estava doente. Na verdade, a mãe de Darko tinha uma doença simples – e se recuperou perfeitamente bem – e Darko estava planejando sua saída já há algum tempo.

A princípio ele pensou em ir embora em Orlando, segundo ele, quando não renovaram seu contrato. Mas Memphis lhe deu um contrato de 21 milhões de dólares porque o Grizzlies achou que poderia consertá-lo. E então, quando isso não funcionou, ele quase foi embora de novo, mas o Timberwolves – mesmo depois de Darko aconselhar o time de Minessota a não trocar por ele – fez uma troca para tê-lo mesmo assim e ofereceu um contrato de 20 milhões de dólares, convencidos de que eles, na verdade, eram aqueles que conseguiriam desabrochar um talento que tinham certeza de que Darko possuía. (Eles não conseguiram.)

Por fim Boston resolveu tentar a sorte, avançando como o último de uma fila de crianças tentando acertar uma pinhata com um bastão.

“Todo mundo estava tentando encontrar uma maneira de ficar comigo”, Darko conta. Ir embora, portanto, mesmo da maneira que ele fez, foi o momento em que ele retomou o controle.

Darko é um arregão? Parece um rótulo fácil demais. Na cabeça de Darko, Boston foi simplesmente o momento em que ele decidiu parar de achar que tudo iria mudar de repente. Havia um instinto de sobrevivência nisso, também; depois de nove anos, a água havia subido tantas vezes ao nível do seu queixo que fica fácil entender seus motivos para achar que estava prestes a se afogar.

“Eu estava tão perdido”, Darko conta. “Eu realmente acabei odiando basquete, sabe? Eu só queria voltar pra casa e viver uma vida diferente.”

Zorana empacotou tudo e a família voou de volta para a Sérvia um dia depois da conversa com Rivers. Por um tempo, ele se sentiu aliviado. Depois, se sentiu inquieto e ocioso. Então caiu na gandaia. E então passou a considerar a ideia de jogar novamente, quase retornando às quadras por um time sérvio. E então ele teve uma amplamente divulgada crise de meia idade (que não é absurda aos 29 anos quando alguém se torna profissional aos 14 anos de idade), quando acabou se tornando um lutador de kickboxe.

Ele lutou uma única vez. Na noite do combate, Darko subiu na balança para a pesagem antes da luta e quebrou a balança. Ela literalmente quebrou.

“Levou uma hora para encontrar outra balança”, conta Darko Popivoda, o organizador da luta. “Darko subiu na nova balança, e aquela balança também quebrou.” Naquele ponto, Popivoda apenas perguntou ao Darko quanto ele pesava. Mais de 135 quilos, Darko confessou timidamente.

As coisas não melhoraram no ringue. Darko tinha uma joelhada forte mas diz que se “esqueceu” de usá-la. Ele tinha um bom chute alto com a esquerda mas chutou prioritariamente com sua perna direita. “Eu quero matar o cara, sabe, mas simplesmente não sei como”, Darko conta. Seu oponente, muito menor, sabia como: ele golpeou Darko com toda a força até que suas pernas estavam sangrando tanto que não conseguia mais ficar de pé.

A família de Darko “não ficou muito feliz” com sua decisão de lutar, ele conta, e em certa noite, quando estamos conversando baixinho, Zorana descreve a coisa toda pra mim como “estupidez estupidamente estúpida”. Sua opinião (somada com a facilidade com que Darko foi desmantelado) afastaram Darko de um segundo combate no kickboxe em direção a uma rápida aposentadoria em seu segundo esporte. Pareceu uma sábia decisão.

Ao invés disso, ele ficou intrigado com agricultura. Alguns amigos eram fazendeiros, o que parecia interessante, mas o elemento que atraiu Darko foi a ideia de que ele conseguiria dominar aquilo. Esperava-se que ele fosse um mago do basquete; mas isso não funcionou muito bem. Plantar era uma nova chance.

Darko rapidamente ficou fascinado. Viajou para a Itália para visitar pomares famosos. Aprendeu sobre o solo e padrões de crescimento e altura das árvores. Considerou outros tipos de frutas, mas após decidir por maçãs, repassou todas as variedades.

Essa justaposição das coisas é gritante: um ex-jogador de basquete não sabe que as Finais da NBA estão sequer acontecendo, mas quando pergunto sobre como ele monitora a qualidade dos pomares, ele me leva para uma cerca e oferece uma longa e sinuosa explicação sobre a distância ideal que cada maçã deve manter do tronco da árvore. (Um resumo: quanto mais perto do troco, melhor.)

A paixão de Darko é real. Quando uma nevasca inesperada danificou 10 acres de maçãs nessa primavera, ele saiu com os trabalhadores para tentar salvar a colheita. E no ano passado, quando andou pelo pomar durante a primeira temporada de colheita, experimentou uma sensação que, segundo ele, lhe era alienígena: orgulho.

“Fiquei apenas muito feliz”, ele conta. “Estávamos colhendo nossas maçãs, sabe? Nossas.”

5. Quando ele sai pra beber agora, usa suas mãos (na maior parte do tempo).

Em abril de 2015, Darko e seus amigos estavam numa festa. Tinha cerveja. Tinha cantoria. Tinha montes de gritos e risadas e homens jogando as mãos pro céu. O de sempre.

Mas em um determinado momento, Darko foi parar na frente da multidão e, sem camisa, inseriu uma garrafa em sua boca. Ele então retirou sua mão da lateral da garrafa e inclinou sua cabeça para trás, como se estivesse ingerindo um comprimido. Se manteve nessa posição até a garrafa estar vazia.

Foi um momento memorável de agilidade bebum – imortalizado num vídeo bastante visto na internet – ainda que a maior parte da cerveja tenha ido parar em seu pescoço e rosto e ombros. Darko pegou então outra garrafa de cerveja mas, ao invés de beber tudo de uma vez, inclinou-se para oferecer goles gentis para os dois comandantes Chetnik que ele tem tatuados no tronco, basicamente despejando cerveja em sua própria barriga de propósito.

Quando menciono esse vídeo para Darko, ele sorri e gargalha. E então diz, “Isso foi há muito tempo atrás.” (Cerca de 27 meses haviam passado.)

Para mim, duas coisas se destacam nessa demonstração. A primeira é a proeminência das tatuagens de Darko. Os Chetniks foram um grupo de nacionalistas sérvios durante a Segunda Guerra Mundial, e a História não concorda exatamente a respeito de quão combativos ou amigáveis eles foram com as forças do Eixo durante a guerra. Num esforço por clareza, peço a Darko para se descrever politicamente – por exemplo, por que ele tem esses homens tatuados em seu estômago? – e Darko afirma ser um nacionalista mas acrescenta que a definição não significa na Europa Oriental a mesma coisa que significaria nos Estados Unidos.

Os sentimentos de Darko pela Sérvia são complicados – as guerras, os confrontos, a instabilidade durante sua infância – mas podem, no fim das contas, se resumir a isso: ele diz sobre seu país “eu amo o meu, e respeito o dos outros”. É um dos principais motivos para ele ter voltado à Sérvia ao invés de permanecer nos Estados Unidos após ter parado de jogar, como tantos atletas estrangeiros fazem. A Sérvia é seu lar.

A segunda coisa que se destaca no vídeo é quão solitário Darko parece estar apesar de se encontrar no meio de uma festa lotada de gente. Seu rosto é vazio e sem expressão. Seus olhos estão vidrados para além do estupor normal de alguém caindo de bêbado. Ele está em seu próprio mundo. E a coisa das mãos-longe-da-garrafa, ainda que seja algo fisicamente extraordinário, é em última instância um espetáculo solo: não depende de nada – nem mesmo de seus próprios dedos como companhia – para ser realizado.

Alguns dias depois de ter encontrado Darko pela primeira vez, ele faz uma festa em sua casa. É um churrasco no fim da tarde, e seus amigos trazem suas esposas e filhos. As crianças pulam no trampolim. Os homens jogam (de maneira consideravelmente ruim) basquete de meia quadra. Então temos o jantar, e Darko – como manda a tradição sérvia – circunda a mesa carregando uma garrafa de rakia, um conhaque frutado, servindo uma dose para cada convidado e se mantendo de pé ao lado de cada um enquanto experimentam o conhaque antes de prosseguir para a próxima pessoa.

Darko não tira sua camisa. Não tira as mãos do copo. Não rega suas tatuagens. Não fica sozinho em momento nenhum.

6. Ele manteve os carros.

Além de ensinar Darko como tomar banho, Billups ensinou Darko a dirigir.

Não foi sempre fácil. Mais especificamente, Darko pelo jeito se desentendeu com Billups a respeito da maneira apropriada de passar de uma estrada para outra.

“Eu dizia, ‘Não, Darko, calma, você tem que diminuir a velocidade quando está mudando”, conta Billups. “Ele acelerava quando estava virando, e eu ficava tipo, ‘ Não, não pode fazer isso.’ Era assustador.”

Felizmente, Billups sobreviveu. Darko conseguiu sua carteira de motorista. E, logo após isso, começou a montar uma coleção bem considerável de carros.

Nas nove temporadas seguintes, Darko passou algum tempo com o Pistons, o Orlando Magic, o Memphis Grizzlies, o New York Knicks, o Minnesota Timberwolves e o Boston Celtics. Graças à cabeça dura de um número impressionante de executivos de times de basquete e à maravilha dos contratos garantidos da NBA, ele ganhou 52.323.642 dólares e comprou um carro novo praticamente em todas as suas paradas.

Agora, se aproximando da garagem da mansão de Darko em Novi Sad (onde seus 52 milhões de dólares durarão “cerca de 200 anos”, segundo Darko), é impossível não perceber os carros de luxo amontoados como se fossem arbustos.

Aqui temos um Porsche Panamera com uma placa de Minnesota ainda nele. Ali temos uma Range Rover com uma placa de New York. A Mercedes S600 no cantinho? Tem uma placa de Tennesse vinda da bagunça que foi sua passagem por Memphis.

Não é perfeitamente claro o motivo dos carros ainda terem as placas dos Estados Unidos – Darko faz um gesto obsceno (porém engraçado) quando perguntado a respeito que parece indicar que o registro dos carros na Sérvia é, em sua opinião, opcional – mas lá estão elas, símbolos cintilantes das desaventuras de Darko nos Estados Unidos presentes bem na frente da sua casa.

Por que ele mantém os carros? Parte disso pode ser um vestígio do modo de vida de super-estrela de antigamente e, mais provavelmente, parte disso é que não existem muitos carros confortáveis para homens tão altos. Mas tem alguma coisa além disso, também.

Darko deixou pra trás tanta coisa da NBA, até mesmo vendendo seu anel de campeão pelo Pistons e doando o dinheiro para a caridade. Os carros, entretanto, ele manteve.

A caminhonete Ford F-350 tem uma lataria verde escura com uma lona verde clara esticada sobre a caçamba e luzes enormes sobre o teto. Darko diz que a caminhonete não está mais rodando porque quebrou num acidente de trânsito envolvendo Darko, uma estrada escura, uma curva fechada, neblina e um rebanho de vacas que não eram tão visíveis quanto se imagina. (Todo mundo ficou bem, incluindo as vacas.)

“Já fiz um orçamento algumas vezes, mas me disseram que mesmo um conserto simples para uma caminhonete dos Estados Unidos fica na casa dos milhares”, Darko afirma. “Eles tentam me enfiar a faca.”

“Você precisa dela?”, pergunto. Darko nega com a cabeça.

“Então por que não se livrar dela?”

Estamos a uns 5 metros de distância da caminhonete, e Darko fica olhando para ela. “Nunca”, ele afirma. E olha para mim como se eu fosse maluco.

7. Ele não faliu.

A propriedade de Darko em Novi Sad tem uma cerca gigantesca ao redor dela. São três estruturas principais – a casa, a casa de hóspedes e a piscina coberta. Há também uma piscina descoberta, um playground, a quadra de basquete e um salão aberto recheado com mobília externa. A sala de jantar na casa de hóspedes – ou, pra deixar mais claro, a sala de jantar reserva – tem 18 lugares. O porão da casa principal é a sala de caça de Darko, onde as cabeças empalhadas de tudo quanto é animal, de veados a alces e ursos, espreitam com seus olhos esvaziados.

Nos fundos da casa de hóspedes fica uma academia com um rack de agachamento, leg press, bancos, um voador e halteres de 45 quilos. Uma lareira fica do lado de fora. Catorze bicicletas, triciclos e motos ficam alinhadas numa parede. Ao invés de um hall de entrada típico, temos uma área que parece um pedaço de um vestiário da NBA, com armários que poderiam pertencer ao Madison Square Garden e, nas paredes, uma fotografia gigantesca de Darko enterrando (na sua época de Knicks) além de uma camiseta emoldurada do Darko da sua passagem pelo Timberwolves.

Menciono tudo isso para lembrar que Darko se aposentou em 2012. De acordo com um estudo de 2009, cerca de 60 por cento dos jogadores da NBA alegam falência dentro de 5 anos após sair da liga, enquanto Darko – apesar dos seus fracassos enquanto esteve nos Estados Unidos – ainda é rico.

Na superfície, a vida de Darko é boa: ele investiu por volta de 8 milhões de dólares em seu pomar de maçãs, e o crescimento tem sido constante.

Ele tem cerca de 125 acres agora, visando mais (além das cerejas). Seus filhos vão para uma escola privada de elite. Zorana começou sua própria linha de roupas e comanda algumas butiques. Seu núcleo familiar mantém empregados que cuidam da lavagem de roupas, louça e das crianças.

Mas Darko é desconfiado. Ele tem pensamentos conflituosos sobre dar a seus filhos uma vida tão generosa e fácil por temer que eles ganhem com isso a mesma coisa que ele ganhou ao ser um prodígio do basquete: arrogância.

É por isso que quando o filho de Darko, Lazar, pergunta sobre basquete, Darko é honesto. Ele não conta histórias dos seus dias de glória (não existem muitas, afinal). Ao invés disso, ele conta para Lazar sobre as piores partes. Ele conta sobre não jogar, sobre ofender os técnicos, sobre não se dedicar como deveria. Ele conta sobre seus próprios erros, sua tolice. Fala sobre desperdiçar a oportunidade que teve, ainda que não tenha desperdiçado o dinheiro.

“Eu não tenho medo de contar para eles”, Darko afirma numa tarde. Mas às vezes Lazar fica confuso com o que ouve.

“Quando eu disse pra ele ‘Não faça tudo que eu fiz caso você queira ser bom’”, Darko conta, “ele soltou um ‘Por quê? Você é meu pai.’”

Darko encolhe os ombros. “É, sou seu pai”, ele disse para Lazar, “mas seu pai cometeu erros para que você não tenha que cometê-los.”

Darko balança a cabeça em negação.

“Dá pra ver, ele ainda não entende”, ele conta. “Mas vai entender eventualmente.”

8. Ele consegue dizer “essa é uma história engraçada” (ao invés de ver a história como uma metáfora para sua vida inteira).

Existe um lago no meio da fazenda de Darko. Foi Darko que quis ele ali. Ele funciona em conjunto com um sistema de tratamento de água que recolhe água da chuva e irriga o pomar. Sobre o lago fica uma doca elevada que inclui uma pequena sala de estar (mas com ar-condicionado) e uma varanda onde Darko pode admirar suas terras e sua água.

São mais de 10 mil peixes no lago, na maioria carpas. Darko comprou todos e encheu o lago com eles porque “o cocô e o xixi são bons para as maçãs”, Darko conta.

Os peixes são agressivos. Quando Darko joga comida para eles na doca, há um frenesi de nados e agitações e barulhos que faz a água parecer como se o lago tivesse jatos de hidromassagem (o que, pra falar a verdade, não teria me surpreendido).

Certo dia, Lazar diz a Darko que quer ir pescar. Lazar é adorável, uma criança precoce de 8 anos de idade com um rosto suave e braços esbeltos e pequenas covinhas. Ele tem mãos grandes, como Darko, mas um sorriso pequeno e determinado. Às vezes, quando Darko está conversando com alguém, Lazar simplesmente aparece e apoia todo o peso do corpo nas pernas de Darko, se aconchegando em seu pai gigante.

Darko diz pra Lazar que pescar não é problema algum já que há um barco no lago. Ele leva Lazar e sua irmã de 5 anos, Lara, até a água (o irmão menor, Luca, 4 anos, fica em casa). Darko está animado – ele sabe como os peixes reagem quando ele joga comida no lago, e mal pode esperar para ver a cara de Lazar quando ele pescar dúzias de peixes.

Darko e as crianças sobem no barco. Eles boiam pra longe da terra. Colocam iscas nos anzóis e lançam pra dentro da água. Nada acontece.

Eles vão para outra parte do lago. Ainda assim, nada. Darko não pode acreditar. São literalmente 10 mil peixes na água. Ele sabe, já que pagou por eles. Mas nenhum está mordendo a isca.

“Pai, vamos embora”, diz Lazar.

“O quê?” Darko está desconcertado com a situação toda.

“Vamos embora”, Lazar repete. “Não tem peixe nenhum aqui.”

9. Ele admite sua responsabilidade.

Pois bem, a história do cavalo.

Certa vez, quando Lazar tinha 5 ou 6 anos, Darko o levou para cavalgar num cavalo enorme. Cavalos sempre foram parte da vida da família de Darko – seus pais tinham uma fazenda, com animais por todos os lados – e, mesmo hoje, apesar de ter o tamanho de um SUV pequeno, Darko ainda gosta de cavalgar. Ele gosta do fato de que Lazar se interessa por algo que seu pai aprecia.

Hoje em dia, Darko cavalga um cavalo chamado Astor, um “cavalo muito, muito grande” de 12 anos que o estábulo de Novi Sad encontrou pra ele. Darko acha cavalgar tranquilizador.

Mas naquele dia, era Lazar sobre a sela, e enquanto Darko assistia da cerca, o cavalo disparou. Estava tudo bem, até que o cavalo começou a pular e Lazar começou a tremer um pouco e de repente o garoto tombou de lado para fora da sela, ficando pendurado de cabeça para baixo contra o corpo do cavalo.

Darko gritou. Uma das pernas de Lazar ficou presa no estribo. Seu corpo balançava sem força, trombando contra a lateral do cavalo. Sua cabecinha estava suspensa perto dos cascos do cavalo enquanto o animal galopava. Se Lazar caísse, ele seria pisoteado.

Darko e outro homem correram para dentro do cerco, gritando. Conseguiram controlar o cavalo após alguns segundos, mas mesmo depois que o cavalo foi dominado Darko continuava tremendo. Ele recolheu Lazar e o segurou bem perto. Lazar estava chorando. Darko estava tão assustado pelo seu filho e tão bravo que se virou e deu um murro na cara do cavalo. (Eu chequei com Radoslav Bursac, que toma conta do estábulo – o cavalo ficou bem.)

Quando Darko conta essa história, um dia enquanto come um prato de almoço sérvio tradicional cheio de carne, ele ri nervosamente. Acho que porque nada ali – seu trabalho como pai, seu medo horrível, a violência contra animais – soa bem. Mas Darko conta a história porque ele vê uma lição nela.

Quando jogava basquete, Darko conta, ele nunca achava ter feito nada de errado. Tudo era sempre culpa de outra pessoa, culpa dos problemas de outra pessoa. Larry Brown não colocou ele pra jogar logo de cara. Seus companheiros de time não perceberam o quanto ele poderia tê-los ajudado. Os árbitros sacanearam ele.

Agora, ao contrário, Darko vê as coisas diferente. “Eu culpo a mim mesmo”, ele diz sobre o que aconteceu com Lazar (e com o cavalo). Pra começar, ele não deveria ter deixado Lazar subir naquele cavalo, e ele sabe que dar um gancho no cavalo depois também não foi razoável.

“Eu não treinei meu filho”, Darko admite. “A culpa é minha.”

Ele faz uma pausa, comendo uma linguiça e olhando pela janela do restaurante em que estamos comendo. Seu rosto muda de rígido para doce.

“Depois disso, perguntei se Lazar queria cavalgar de novo”, Darko conta. “Achei que ele nunca mais iria querer. Sabe o que ele me disse? ‘Eu quero montar um cavalo maior ainda.’”

10. Um monge sérvio disse que ele é.

Em um dos meus últimos dias em Novi Sad, fui para o monastério que Darko frequenta, um recanto verde no meio da montanha Fruska Gora, a uns 25 minutos de distância da casa de Darko. O monastério Novo Hopovo é impressionante. Amontoados de rosas profundamente vermelhas criam um caminho até a entrada tortuosa. A igreja se ergue com a cúpula imponente se projetando acima do topo das árvores em direção aos céus.

Os monges conhecem Darko. Ele frequenta bastante. Um deles, Padre Joanikije, conta que um dos elementos mais importantes do ritual Ortodoxo Sérvio é a noção de reza comunal. Não é suficiente apenas realizar a liturgia; ela deve ser feita coletivamente e, depois, as pessoas se reúnem nesse local sereno e conversam. Não apenas sobre religião ou fé ou as escrituras, mas sobre a vida. Elas compartilham.

Darko nunca sai mais cedo. É aqui que ele vem para refletir e confessar e expiar, e toda vez, ele se pega pensando sobre algo que deveria ter feito diferente enquanto jogava basquete. Ele revive os piores momentos. “Você precisa falar”, Darko afirma. “Quando você tem alguma coisa interna que está te matando, te comendo por dentro, você tem que falar sobre isso para alguém. É a única maneira de colocar para fora.”

Os monges veem Darko de uma maneira diferente das outras pessoas. Quando pergunto ao Padre Joanikije o que ele pensa de Darko como pessoa, ele faz uma pausa por um segundo ou dois e diz, “Um homem bem sucedido. Um homem que alcançou seu objetivo.”

As palavras soam estranhas. De todas as conversas que tive sobre Darko (incluindo as com o próprio Darko), Padre Joanikije foi a única pessoa a usar esse tipo de expressão. Todas as outras falaram sobre potencial perdido ou desperdiçado, oportunidades que não foram de fato agarradas. Darko não estava pronto. Darko não usava a cabeça. Darko não era maduro o suficiente. Darko não deu conta. Darko se revoltou. Até Darko carimbou sua mão na testa dizendo que foi um fracasso.

Mas os monges não veem nada disso. Apenas veem um homem com uma esposa e filhos e um negócio e uma vida confortável e um lugar na comunidade de sua cidade natal. Eles veem um homem que alcançou seu objetivo ou, na pior das hipóteses, está tentando. Então por que eles não podem ter razão?

Naquela noite, durante a festa na casa de Darko, assisto a ele jogar basquete com seus amigos. Ele ri e faz piada, até mesmo quando os arremessos ricocheteiam no aro. Ninguém se lembra do placar. No meio do jogo, Darko corre para o fogo para se certificar de que suas batatas estão cozinhando direito. Ele fica arremessando com Lazar enquanto os outros jogadores vão beber água.

O sol se põe. Os jogadores vão se movendo mais devagar. Darko enterra mas se retrai na sequência, massageando o próprio ombro. O pequeno Luca anda numa moto de brinquedo ao redor da quadra. Lazar pula no trampolim. Zorana brinca com Lara no escorregador.

O jogo termina. Os homens retornam ao pátio. Darko checa novamente as batatas. Ele diz, “Está uma noite linda, né?” e coloca uma música sérvia pra tocar. Serve bebidas para todo mundo e uma para ele mesmo.

E então, se senta na cabeceira da mesa. Seus amigos brindam ao amor que sentem uns pelos outros e pela Sérvia. Darko abre seus braços e canta. A NBA parece muito distante, e ele não é um fracasso essa noite. Não aqui. Os copos tilintam, e a bola de basquete rola pra longe na grama.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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