🔒[Clube do Livro] “Onde está minha mente”, por Ben Gordon

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Nesta edição resolvemos traduzir dois artigos diferentes, escritos por jogadores da NBA, a respeito de saúde mental. O primeiro foi lançado há poucos dias por Ben Gordon, ex-jogador que viveu o auge da sua carreira no Chicago Bulls. No texto, Ben Gordon admite sofrer de questões psiquiátricas desde jovem, ter canalizado seus problemas para o basquete e, após sua aposentadoria, ter tido passagens pela polícia e por hospitais psiquiátricos. Seu depoimento serve de alerta para que mais jogadores procurem ajuda adequada para tratar de sua saúde mental, de modo que decidimos resgatar e traduzir também um texto de 2018 de Kevin Love, em que o jogador do Cleveland Cavaliers fala sobre seus ataques de pânico e como procurar ajuda especializada foi a coisa mais importante que ele poderia ter feito.

Somados, acreditamos que os dois textos desenham um cenário sobre a saúde mental de atletas profissionais, a dificuldade de se falar sobre isso e a importância de se buscar ajuda. Por serem de grande valor para um debate que se torna cada vez mais urgente na NBA, achamos que os dois textos mereciam uma versão em português – e para isso dessa vez recebemos a ajuda de Thiago Waldhelm, responsável por trazer a tradução do texto de Ben Gordon para vocês.

Os dois artigos fazem parte do “The Players’ Tribune”, uma plataforma em inglês que tenta dar voz aos atletas interessados em transmitir suas mensagens, e podem ser lidos no original: “Where is my mind“, de Ben Gordon, e “Everyone is going throught something“, de Kevin Love.


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Escute nossa discussão sobre os textos de Ben Gordon e Kevin Love:

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Onde está minha mente?

por Ben Gordon (com tradução de Thiago Waldhelm)

Houve uma época em que pensei em me matar todo dia por umas seis semanas.

Eu estava na cobertura do prédio do meu apartamento às 4 da manhã, só andando até o limite da borda, olhando para baixo – indo e voltando, indo e voltando – só pensando “Eu vou fazer isso mesmo, B. Vou fugir dessa merda toda.”

Isso foi logo depois do meu último ano na liga, e eu estava morando em uma casa geminada no Harlem. Eu havia perdido minha carreira, minha identidade, minha família, tudo quase ao mesmo tempo. Eu estava maníaco-depressivo. Não estava comendo, nem dormindo. E quando digo que não estava dormindo, é um nível completamente diferente de insônia. Toda noite, eu acordava na mesma hora, que nem um alarme. E era aí que os demônios vinham me atormentar. Quando você está acordado a noite inteira e tudo está quieto e é só você sozinho com seus pensamentos mais profundos – é aí que a escuridão realmente começa a tomar conta de toda a sua psique.

É aí que a paranoia e ansiedade chegam.

Elas grudam, cara.

Comecei a ter ataques de pânico que eram tão intensos que tinham um peso neles. Sabe como foi a sensação? Como se tivesse uma capa preta literalmente jogada em cima de mim, me sufocando. Mas não só fisicamente, sufocando minha alma. Tudo o que eu podia fazer pra aliviar a pressão era sentar no chão e gritar a plenos pulmões.

Tô falando, tipo, AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHH!

A plenos pulmões, como um animal.

A essa altura, eu não me sentia vivo mais. Era como se estivesse vivendo no submundo, de verdade. Eu lembro que uma noite eu estava fora, tarde da noite, relaxando com meu amigo Felipe. Estávamos do lado da Ponte Williamsburg, e eu disse “Velho, sem brincadeira. Acho que estou morto.”

Ele ficou me olhando com uma cara de “Lá vai o BG de novo com essas reclamações estilo Kanye.”

Eu disse, “Não, sério. Isso não pode mais ser minha vida real. Isso tem que ser algum tipo de purgatório. Tipo, tô morto, mas estou indo pela inércia. Como se fosse um morto caminhando.”

Eu não sabia o que raios estava errado comigo. Eu nunca tinha falado com um terapeuta na minha vida. A única explicação para a dor que eu estava sentindo era – Bíblica. Como se tivesse morrido de algum jeito, e estivesse preso entre o céu e o inferno.

Como você resolve essa merda só falando com alguém? Não dá, né?

Então a única coisa que dava pra fazer era sair do purgatório. Eu era obcecado com me matar. Era tudo o que eu pesquisava, tudo o que pensava. Uma noite meus ataques do pânico estavam tão ruins que tudo o que eu podia pensar era fugir. Cara, tô falando… você vira um animal. É instintivo.

Fugir, fugir, fugir fugir.

Eu peguei uma daquelas cordas de pular super pesadas – as grossas de borracha – e amarrei em volta do meu pescoço. Peguei uma cadeira. Me enforquei, de verdade.

Fugir. Simples assim.

Eu pude sentir os vasos sanguíneos da minha cabeça prestes a explodirem, e foi então que me veio esse pensamento, do nada. Eu nunca tinha pensado nisso antes.

Ei, BG.
Você vai morrer mesmo, cara.
Você não quer morrer.
Você não quer se matar de verdade.
Você só quer matar essa ansiedade.
Você quer viver, B.
Você quer VIVER, seu filho da puta idiota.
Melhor se salvar.

Espera. Volta.

Isso começou há muito tempo. Eu me lembro de estar numa escola dominical e do pastor explicar que Deus havia criado tudo no universo.

As plantas? Deus criou.
As pessoas? Deus criou.
O universo? Deus criou.

E me lembro desse pensamento me acometer, tipo, “Cara, se Deus criou tudo, então quem criou Deus?”

E foi aí que o ciclo começou. Fiquei preso. Minha mente começou a se encher com essas indagações, e é parecido com areia movediça. Você tenta sair, mas só se afunda mais e mais fundo.

Se Deus criou tudo, então quem criou Deus?

De repente, é como se não houvesse espaço, nem tempo, nem realidade. Você está meio enjaulado nesses pensamentos sem resposta. Essa é minha configuração básica. Mesmo quando estou num ambiente normal, eu nunca estou presente de fato. Eu noto tudo. Se estamos no mesmo cômodo, eu consigo ouvir o zumbido das lâmpadas fluorescentes, consigo ver o que as pessoas estão fazendo com as mãos, com a linguagem corporal. É como se minha sensibilidade e percepção estivessem ligadas no máximo.

Mas quando eu era criança, eu tinha um escape. Aprendi a canalizar toda aquela energia para o basquete.
No basquete, obsessão não é fraqueza.
O basquete recompensa a obsessão.

É engraçado porque minha reputação como jogador era totalmente diferente do que estava acontecendo aqui dentro.

Por fora, eu era uma página em branco. Não falava nada. Você podia me falar merda, podia esbarrar em mim, fazer o que quisesse, e eu ficava com um olhar vazio.

Mas por dentro, eu tinha mais de um milhão de pensamentos.

Era uma mentalidade de assassino em série. Eu estava processando todas as suas tendências e suas fraquezas, e pensando em te massacrar. Era violento. Era exagerado. Mas você tem que entender, eu tinha 1,84m. Eles sempre tentavam me listar como 1,90m, por toda a minha carreira, mas cara, deixa eu te contar um segredo: o desgraçado tinha 1,84. Eu estou na quadra com o Kobe e o Tony Allen me marcando. Você sabe quantos truques na manga precisa pra conseguir arremessar contra esses caras, tendo 1,84m? Você tem que ser tão absolutamente focado. Tão metódico, tão calculado, tão obcecado.

Na manhã antes de um jogo, eu sentava num lugar calmo, fechava meus olhos e simulava todos os 48 minutos na minha cabeça. Cada momento. A bola ao alto, os tempos comerciais, cada detalhezinho.

Minha cabeça estava a mil, mas eu tinha uma estrutura. Eu tinha algo pra canalizar toda aquela criatividade e energia. Então eu ia pra quadra, e é o último quarto, e o jogo está apertado, e estamos na roda de jogadores durante um tempo técnico, e eu estou inexpressivo.

Se olhasse pra mim, você pensaria “Esse cara é burro, ou está entediado, ou o quê?”

Mas por dentro, minha cabeça tá pegando fogo. Estou num ciclo sem fim. Pensando sobre pegar a bola nas minhas mãos, e pular, soltar, pura, suave, bum – certeira. Toda vez. Todo arremesso.

Te assassinando.

Ben, o Gentil. Ben, o Calmo.

Te assassinando.

Então, quero dizer, quando você vive com essa mentalidade por mais de 30 anos na sua vida, e de repente você está no fim da carreira, e não está jogando minutos, e tem toda essa raiva e dor e medo e arrependimento que está internalizando e compartimentalizando a porra da sua vida inteira?
O que você acha que vai acontecer?

Terapeuta? Nem fodendo que vou-”

Tá ligado? Típico homem negro. Meus problemas são meus problemas. Ninguém tem nada a ver com isso. Eu me garanto.

Durante minha carreira inteira, eu fui um lobo em pele de cordeiro. Mas agora que não tenho mais o basquete, o lobo está aparecendo. Agora não me importo mais em cortar meu cabelo, em me barbear. Não me importo com nada exceto os pensamentos na minha cabeça.

Parte do problema foi que eu não sabia nem que o que eu estava vivendo tinha um nome. Eu não sabia que estava tendo episódios. Alguma coisa servia de gatilho – geralmente quando eu lia algo sobre religião ou espiritualidade ou teorias da conspiração – e então eu ficava preso. Eu tinha uma curiosidade quase infantil sobre o inexplicável. O metafísico. O espiritual. O místico. E então entrava no ciclo.

Sem tempo. Sem espaço. Só mais de um milhão de pensamentos.

E agora eu estou chegando em todo mundo com minhas merdas de Kanye West. Soltando essas reclamações de fluxo de consciência em cima dos meus amigos porque isso é minha terapia. Estou num ciclo, e não conheço terapeutas, então meus amigos são meus terapeutas, certo?

Então os ciclos viram insônia.
A insônia vira paranoia.
A paranoia vira delírios de grandeza.

Agora estou sendo banido de hotéis por exigir estar no andar mais alto. Merdas de complexo de Deus.
Agora os delírios estão virando ataques de pânico completos.

Por exemplo, estava caminhando perto do termostato na minha casa. Eu tinha um desses mostradores que piscam o número quando você passa perto.

72 graus Farenheit.

72.
72.
72.
Não consigo desver.
72.
Agora estou na prisão dos meus pensamentos.
72.
BG, você vai morrer com 72 anos.
Não conseguia desver. Dias inteiros passavam.
72.
72.
72.

Agora sou bipolar. Não durmo, mas tenho picos de energia. Estou no meu mundo. Sou espontâneo. Faço o que eu quiser. Fico doidão.

Agora não durmo mais e minha cabeça está a mil e meu corpo e cérebro começam a se deteriorar. Estou alucinando, vendo coisas que não estão lá. Ouço vozes. Sinto como se talvez Deus estivesse falando comigo, tentando me dizer algo.

É aí que começo a apertar alarmes de incêndio e essas merdas.
É quando começo a ser preso.

A situação ficou tão ruim que me internaram num hospital psiquiátrico, e o problema foi que eu não conseguia nem entender o que estava acontecendo. Foi como nos filmes, estou num quarto branco e tem médicos e enfermeiros me amarrando em uma cama. Eles estão com aventais e luvas, e espetando agulhas nos meus braços, e cortando minhas calças na cintura.

Foi horripilante.

Só lembro de implorar que não me machucassem, e de realmente acreditar que aquilo estava acontecendo sem motivo. Acreditava piamente que era um mal entendido, e que tinham pegado a pessoa errada.

Algo a respeito daquela experiência meio que me quebrou.

Agora estou olhando no espelho e pensando “Por que essas pessoas não me reconhecem? Quem é esse cara no espelho?

Cadê o Ben, o Gentil?”

Esse cara com cabelo bagunçado, esse cara surtando, esse cara que estão amarrando na cama e injetando agulhas nele? Quero dizer, cara – a polícia nem mesmo o reconhece. Eles não sabem quem ele é. Esse não é o Ben Gordon.

Então devo ser duas pessoas diferentes, certo?
Quem era Ben, o Gentil?
Quem sou eu?

E foi aí que comecei a me dissociar completamente do Ben Gordon. Estava convencido de que eu era um clone. Que este corpo no qual estou não é meu corpo real. Não pode ser. Meu espírito está preso dentro do corpo desse clone que está dando pau agora.

Criei um nome totalmente diferente para essa pessoa. Tinha endereços de e-mail e números de telefone diferentes para ele. Mandava e-mails para as pessoas dizendo que eu tinha um outro nome, tipo, “Ei – sou eu mesmo. Não conta pra ninguém!”.

Eu estava compartimentalizando todo meu trauma e medo e dor como se ainda estivesse na NBA, mas a diferença é que agora não há mais jogo. Não há limites. Não há objetivo. Foi como se eu tivesse ido tão longe que meu corpo e minha alma tivessem literalmente se dividido e duplicado.

E sei que tem gente lendo isso e rindo, provavelmente. Eles acham que é quase engraçado.
Nunca poderia acontecer com você, certo?
Você é normal, né?

Você vê essas pessoas na rua que precisam de ajuda, que estão claramente sofrendo, e simplesmente passa por elas. É como se elas já saíssem assim do útero, né? Elas não são como você. Você é diferente. Você nunca acabaria assim.

Certo?

Não.

Não, cara.

Doenças mentais tocam todo mundo. Toda comunidade, todo ser. Ou você ou alguém que você ama será tocado por elas em algum momento. Não é como se em uma manhã eu fosse esse cara da NBA quieto e humilde que ninguém olhava duas vezes, e na manhã seguinte eu acordasse e estivesse surtando pra caralho no lobby do Waldorf Astoria em alguma merda de complexo de Deus.

Foi uma coisa gradual, devagar, que foi saindo do controle porque eu não sabia como conseguir ajuda. Eu sempre tive a semente dessa coisa dentro de mim, desde a primeira vez que me peguei nesse ciclo de “Bem, droga, quem criou Deus, então?”

Mas eu não sabia pelo que estava passando. Não sabia que havia um nome para aquilo. Não sabia que existiam pessoas que na verdade podiam me ajudar.

Só pensei que estava preso nesse purgatório para sempre. Estava procurando qualquer jeito de fugir, e foi assim que fui parar em um lugar tão escuro que pensei em me matar todo santo dia.

Foi assim que acabei com uma corda no pescoço, prestes a morrer de verdade.

E é como eu disse, eu não acho que eu queria morrer. Mas não conseguia mais aguentar a dor.

A única coisa que me salvou foi ser preso, por mais estranho que pareça. Fui preso quatro vezes em cinco meses. Estava fora de controle. Então o juiz me ordenou fazer terapia mandatada judicialmente – 18 meses.

Terapia, seu puto.

A princípio, pensei que era inútil. O que é que uma velha branca vai saber sobre o que eu estou passando? Como que ela vai me falar qualquer coisa? Ela não pode me falar NADA.

Bem… ela não falou.
Ela mal falou qualquer coisa, na verdade.
Mas eu pude sentar na minha poltrona e desabafar.

E quer saber? Me senti muito bem. Acabei fazendo seis meses extras de terapia, por vontade própria. Não porque fui obrigado. Mas porque pensei “Quer saber? Tô curtindo essa merda!”

Me ajudou a resolver umas coisas. Mas mais do que qualquer coisa, acho que me ajudou a abraçar o fato de que – tipo, “Ei, B, você é diferente. E tá tudo bem. Você não precisa ser perfeito. Estes hábitos que te levaram à NBA? Eles não valem na vida real.”

O objetivo não precisa ser a perfeição. Pode ser simplesmente paz e autoaceitação.

Eu sei que, principalmente para atletas, isso vai soar como baboseira. Vai soar mole. Somos treinados a pensar desse jeito. É quase uma lavagem cerebral. Mas a única razão pela qual estou contando a minha história é porque sei – eu sei – que há jogadores por aí que precisam de ajuda.

E para esses jogadores, eu vou dizer só, “Não se preocupe.”

Não, cara, na real. Não esquenta. Vai procurar ajuda. Ache um terapeuta e sente numa cadeira e desabafe, irmão.

Não se preocupe com o que vão dizer. Não se preocupe com a reação dos seus amigos, ou com o que vão dizer nas redes sociais.

Mano… eu ouvi de tudo.

“Ficou sabendo do Ben Gordon? O cara pirou.”

É, seu puto. Talvez eu tenha pirado mesmo.

Mas não sou pirado o tempo todo. Eu tive um momento. Eu tive ajuda para aquele momento. Pude me conhecer a partir daquele momento. E ainda estou resolvendo algumas coisas, sem dúvida. Ainda há traumas com os quais lidei que não estou preparado para contar ao mundo.

Mas para mim, é um começo.
Espero que ajude alguém aí fora. Se você está curtindo essa história, não faça o que eu fiz. Procure ajuda.

Porque você não é louco, cara.

Você não está estragado.

Você só é humano como o resto de nós.


KLove

Todo mundo está passando por algo

por Kevin Love (com tradução de Danilo Silvestre)

Dia 5 de novembro, logo após o intervalo contra o Hawks, tive um ataque de pânico.

Veio do nada. Nunca havia tido um antes. Sequer sabia se eles eram reais. Mas foi real – tão real quanto uma mão quebrada ou um tornozelo torcido. Desde então, quase tudo a respeito da maneira com que penso em minha saúde mental mudou.

Nunca estive confortável compartilhando muitas coisas sobre mim mesmo. Fiz 29 anos em setembro e praticamente em todos esses 29 anos da minha vida resguardei todas as coisas de minha vida pessoal. Ficava confortável ao falar de basquete – mas isso me ocorria naturalmente. Era muito mais difícil compartilhar coisas pessoais, e agora olhando para trás percebo que eu poderia realmente ter me beneficiado de ter alguém com quem conversar durante esses anos. Mas eu não dividi isso – nem com minha família, nem com meus melhores amigos, com o público. Hoje, percebi que preciso mudar isso. Quero dividir alguns dos meus pensamentos sobre meu ataque de pânico e o que ocorreu desde então. Se você está sofrendo silenciosamente como eu estava, então sabe como pode parecer que ninguém te entende de verdade. Em parte, quero fazer isso por mim, mas mais do que isso, quero fazer porque as pessoas não falam o bastante sobre saúde mental. E homens e garotos provavelmente estão ainda mais atrasados nisso.

Falo por experiência própria. Crescendo, se percebe bem rápido de que maneira espera-se que um garoto aja. Você aprende o que é preciso para “ser um homem”. É como um guia ensinando as jogadas de um time: “Seja forte. Não fale sobre seus sentimentos. Passe por isso sozinho”. Assim, por 29 anos de minha vida, segui esse livro de jogadas. E vejam, provavelmente não estou te contando nada de novo aqui. Esses valores sobre homens e sobre serem durões são tão banais que estão em todo lugar… e ao mesmo tempo invisíveis, nos cercando como ar ou água. São muito parecidos com depressão e ansiedade, portanto.

Então por 29 anos, pensei em saúde mental como um problema das outras pessoas. Claro, eu sabia em algum nível que algumas pessoas se beneficiavam de pedir ajuda ou se abrir. Apenas nunca pensei que fosse para mim. Me parecia um tipo de fraqueza que poderia me fazer descarrilar dos rumos do sucesso nos esportes ou me fazer parecer esquisito ou diferente.

E então veio o ataque de pânico.

Aconteceu durante um jogo.

Era 5 de novembro, dois meses e três dias depois de eu completar 29 anos. Estávamos jogando em casa contra o Hawks – o décimo jogo da temporada. Uma tempestade perfeita de coisas estava prestes a me atingir. Estava estressado com problemas que andava tendo com minha família. Não estava dormindo bem. Nas quadras, acho que as expectativas com a temporada, associadas ao nosso início com quatro vitórias e cinco derrotas, estavam me causando alguma pressão.

Eu sabia que algo estava errado praticamente após a bola ao alto inicial.

Fiquei sem fôlego ainda nas primeiras posses de bola. Aquilo foi estranho. E minhas jogadas simplesmente não funcionavam. Joguei 15 minutos no primeiro tempo e fiz uma cesta e dois lances livres.

Após o intervalo, foi tudo privada abaixo. O técnico Lue pediu um tempo no terceiro período. Quando fui para o banco, senti meu coração batendo mais rápido do que o normal. Então comecei a ter problemas em retomar o fôlego. É difícil descrever, mas tudo estava girando, como se meu cérebro estivesse tentando escalar para fora da minha cabeça. Era como se o ar estivesse espesso e pesado. Minha boca parecia giz. Me lembro de nosso assistente técnico gritando algo sobre uma movimentação defensiva. Gesticulei de modo afirmativo, mas não escutei muito do que ele disse. Naquele ponto, já estava pirando. Quando me levantei para sair da roda de conversas no banco de reservas, sabia que não conseguiria voltar para o jogo – tipo, que eu literalmente não conseguiria fazer isso fisicamente.

O técnico Lue se aproximou de mim. Acho que ele conseguia perceber que alguma coisa estava errada. Falei de supetão alguma coisa como “volto já”, e corri de volta para o vestiário. Fiquei correndo de sala em sala, como se estivesse procurando alguma coisa que não conseguia encontrar. De verdade eu só tinha a esperança de que meu coração parasse de bater tão rápido. Era como se meu corpo estivesse tentando me dizer “você está prestes a morrer”. Acabei indo parar no chão da sala de treinamento, deitado de costas, tentando arranjar ar suficiente para respirar.

Depois disso foi tudo embaçado. Alguém do Cavs me acompanhou até a Clínica de Cleveland. Fizeram um amontoado de testes. Tudo parecia indicar que eu estava bem, o que foi um alívio. Mas me lembro de deixar o hospital pensando “Espera… então o que diabos acabou de acontecer?”

Voltei para o nosso próximo jogo contra o Bucks dois dias depois. Ganhamos, e eu fiz 32 pontos. Lembro de quão aliviado eu fiquei de voltar para as quadras e me sentir mais como eu mesmo. Mas me lembro particularmente de estar mais aliviado do que qualquer outra coisa pelo fato de ninguém ter descoberto o motivo de eu ter abandonado o jogo contra o Atlanta. Algumas poucas pessoas na organização sabiam, claro, mas a maioria não sabia e ninguém havia escrito nada a respeito.

Mais uns dias se passaram. As coisas estavam indo muito bem em quadra, mas algo estava me pressionando.

“Por que eu estava tão preocupado que as pessoas descobrissem?”

Foi um alerta, aquele momento. Havia pensado que a parte mais difícil acabara depois do ataque de pânico. Era o contrário. Agora me havia sobrado perguntar o motivo dele ter acontecido – e de eu não querer falar sobre ele.

Pode chamar de estigma ou de medo ou de insegurança – pode chamar de várias coisas – mas o que me preocupava não eram somente meus conflitos internos, mas sim quão difícil era falar sobre eles. Não queria que as pessoas me vissem como um companheiro de equipe menos confiável de alguma maneira, e tudo isso remetia ao guia de jogadas que aprendi a seguir enquanto crescia.

Era um território novo para mim, e bastante confuso. Mas estava certo de uma coisa: não podia enterrar o que acontecera e tentar seguir adiante. Por mais que uma parte de mim quisesse, não conseguia me permitir desconsiderar o ataque de pânico e tudo o que havia por baixo dele. Não queria ter que lidar com tudo isso em algum momento do futuro, quando poderia ser pior. Isso eu conseguia saber.

Então fiz algo aparentemente pequeno que acabou se mostrando algo enorme. O Cavs me ajudou a achar um terapeuta, e marquei uma consulta. Preciso fazer uma pausa aqui e apenas admitir: sou a última pessoa que acreditaria que eu acabaria indo ver um terapeuta. Lembro de estar dois ou três anos na liga, um amigo me perguntou por que jogadores da NBA não frequentavam terapeutas. Eu tirei sarro da ideia. “De jeito nenhum um de nós vai falar com alguém.” Tinha 20 ou 21 anos, e havia crescido rodeado por basquete. E em times de basquete? Ninguém falava sobre suas dificuldades internas. Me lembro de pensar, “Quais são os meus problemas? Estou saudável. Jogo basquete como profissão. O que há para me preocupar?” Nunca tinha ouvido falar de um atleta profissional falando sobre saúde mental, e eu não queria ser o único. Não queria parecer fraco. Pra ser sincero, eu não achava que fosse necessário. É como o guia de jogadas dizia – resolva tudo você mesmo, como todos ao meu redor sempre fizeram.

Mas é meio estranho quando você pensa a respeito. Na NBA, você tem profissionais treinados para afinar sua vida em tantas áreas diferentes. Técnicos, treinadores e nutricionistas tem sido uma presença em minha vida por anos a fio. Mas nenhuma dessas pessoas conseguiu me ajudar da maneira que eu precisava quando estava deitado no chão com dificuldades para respirar.

Ainda assim, fui para a minha primeira consulta com o terapeuta com algum ceticismo. Fiquei com um pé atrás. Mas ele me surpreendeu. Pra começar, porque basquete não foi o foco principal. Ele tinha a impressão de que a NBA não era a razão principal para eu estar lá naquele dia, o que acabou se mostrando renovador. Em vez disso, nós falamos de uma vasta gama de coisas não relacionadas a basquete, e percebi quantos problemas vem de lugares que você talvez não perceba até encará-los de verdade. Acho que é fácil assumir que nos conhecemos, mas assim que descascamos as camadas é fascinante o quanto ainda resta a descobrir.

Desde então, nos encontramos toda vez que volto pra casa, provavelmente algumas vezes todo mês. Uma das descobertas mais importantes aconteceu em um dia em dezembro quando acabamos conversando sobre minha avó Carol. Ela era o pilar da nossa família. Na infância, ela morava com a gente, e em muitas maneiras ela era uma outra mãe para meu irmão, irmã e eu. Ela era a mulher com um altar para cada um dos netos em seu quarto – fotos, prêmios, cartas presas na parede. E ela era alguém com valores simples que eu admirava. Era engraçado, certa vez dei a ela um par qualquer de Nikes novinhos, e ela ficou tão mexida que me ligou para agradecer um punhado de vezes durante todo aquele ano que se seguiu.

Quando consegui chegar na NBA, ela estava bem mais velha, e não a vi tanto quanto costumava ver. Durante meu sexto ano com o Timberwolves, vovó Carol fez planos de me visitar em Minnesota para o Dia de Ação de Graças. Mas aí, pouco antes da viagem, ela foi hospitalizada por conta de um problema nas artérias. Ela teve que cancelar a viagem. Então sua condição piorou muito rápido, e ela entrou em coma. Alguns dias depois, ela partiu.

Fiquei arrasado por um bom tempo. Mas nunca havia falado sobre isso pra valer. Contar sobre minha avó para um estranho me fez perceber quanta dor aquilo ainda me causava. Destrinchando isso, percebi que o que mais me machucou foi não ter conseguido uma despedida adequada. Nunca tive uma chance de ficar realmente de luto, e me senti péssimo por não ter estado mais em contato com ela durante seus últimos anos. Mas tinha enterrado essas emoções desde seu falecimento e disse a mim mesmo, “Preciso me focar em basquete. Lido com isso depois. Seja um homem.”

O motivo de eu estar contando sobre minha avó não é sequer sobre ela. Ainda sinto falta dela pra caramba e provavelmente ainda estou em luto de alguma maneira, mas eu quis compartilhar essa história por conta de quão revelador foi falar sobre ela. No curto período em que me encontrei com o terapeuta, vi o poder de falar as coisas em voz alta num ambiente como esse. E não é nenhum processo mágico. É assustador e estranho e difícil, pelo menos na minha experiência até aqui. Eu sei que você não se livra dos problemas simplesmente falando sobre eles, mas aprendi que com o tempo talvez você possa entendê-los melhor e torná-los mais gerenciáveis. Vejam, não estou afirmando “Todo mundo deve ir a um terapeuta.” A maior lição para mim desde novembro não foi sobre um terapeuta – foi sobre encarar o fato de que eu precisava de ajuda.

Uma das razões para eu querer escrever isso vem de ter lido os comentários de DeMar na semana passada sobre depressão. Joguei contra DeMar por anos, mas nunca poderia imaginar que ele estivesse sofrendo com algo assim. Isso realmente faz você pensar sobre como estamos todos andando por aí com experiências e sofrimentos – todos os tipos de coisas – e às vezes pensamos ser os únicos passando por isso. A realidade é que provavelmente temos muito em comum com aquilo que nossos amigos, colegas e vizinhos estão enfrentando. Então não estou dizendo que todo mundo deveria compartilhar seus segredos mais profundos – nem tudo deveria ser público e trata-se de uma escolha pessoal. Mas criar um ambiente melhor para conversarmos sobre saúde mental… é nisso que precisamos chegar.

Porque só de compartilhar o que ele compartilhou, DeMar provavelmente ajudou algumas pessoas – e talvez muito mais pessoas do que tenhamos conhecimento – a sentirem que não são doidas ou estranhas por estarem lutando contra a depressão. Seus comentários ajudaram a retirar algum poder desse estigma, e acredito que aí é que mora a esperança.

Quero deixar claro que eu ainda não resolvi todas as questões relacionadas a isso. Apenas comecei a fazer o trabalho duro de conhecer a mim mesmo. Durante 29 anos, evitei isso. Agora, estou tentando ser sincero comigo. Estou tentando ser bom para as pessoas na minha vida. Estou tentando encarar as coisas desconfortáveis da vida enquanto também aproveito, e sou grato, pelas coisas boas. Estou tentando abraçar tudo, o que há de bom, de mau e de feio.

Gostaria de terminar com algo que tenho tentado me lembrar durante esses dias: Todo mundo está passando por algo que não podemos ver.

Quero escrever isso de novo: Todo mundo está passando por algo que não podemos ver.

O lance é que, por não podermos ver, nós não sabemos quem está passando por essas coisas, nem sabemos quando e nem sempre sabemos o porquê. Saúde mental é uma coisa invisível, mas nos toca a todos em algum momento. É parte da vida. Como DeMar disse, “Você nunca sabe pelo que aquela pessoa está passando”.

Saúde mental não é só algo de atletas. O que você faz da vida não tem que definir quem você é. Isso é algo de todo mundo. Não importam quais as nossas circunstâncias, todos nós estamos carregando coisas que machucam – e que podem nos machucar se as mantemos enterradas por dentro. Não falar sobre nossas vidas interiores nos furta de conhecermos a nós mesmos de verdade e nos furta da chance de estender a mão àqueles que precisam. Então se você está lendo isso e passando por um momento difícil, não importa quão grande ou pequeno lhe pareça, quero te relembrar que você não é estranho ou diferente por dividir aquilo pelo que estiver passando.

É o contrário, na verdade. Pode acabar sendo a coisa mais importante que você fez. Foi para mim.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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