>Como a temporada 11/12 está indo pelo ralo

>

“Nos reunimos e decidimos por meio deste atirar o excremento naquele grande ventilador”

A tentação é começar a tacar merda em todos os responsáveis por essa temporada prestes a ser perdida da NBA, mas antes disso precisamos explicar o que realmente está acontecendo, como chegamos até aqui e o que deverá acontecer a seguir. Essa última parte posso adiantar um pouco: provavelmente não teremos basquete.

Ontem aconteceu a esperada reunião da NBAPA, o sindicato dos jogadores que está lidando com as negociações desde sempre. Nesse encontro eles iriam discutir e votar a proposta feita pelos donos na última sexta-feira. Segundo David Stern, era a última oferta feita com uma divisão do BRI (soma de tudo ganho pela liga) em 50% pra cada lado. Em caso de recusa, a próxima já começaria com 47% para os jogadores, 53% para os donos. Estavam presentes na reunião os representantes dos 30 times da NBA e mais alguns jogadores que foram acompanhar as conversas, dessa vez, finalmente, gente de mais nome como Kobe Bryant, Elton Brand, Russel Westbrook, Paul Pierce e Tyson Chandler. 

Após uma reunião não muito longa, a desastrosa entrevista coletiva. Lá anunciaram que os jogadores haviam votado não só por recusar a proposta, mas também por rebaixar a NBAPA de um sindicato para uma “trade association”, ou seja, uma entidade não mais capaz de representar os atletas nas mesas de negociação com os donos. O próximo passo, disse o presidente Derek Fisher ao lado do representante da NBAPA Billy Hunter, seria processar a NBA dentro da lei anti-truste. Lembrando que, como explicado nesse post, a NBAPA não poderia entrar na justiça se continuasse como sindicato. No mesmo post chamamos essa atitude de “a opção nuclear”.

Quer dizer, a chamada opção nuclear era a decertificação, e no fim das contas eles deram uma volta legal para cair num lugar parecido, mas de uma maneira mais rápida e contornável. A decertificação do sindicato precisaria de mais votos (que, dizem, eles tem) e o caminho legal seria mais demorado e certamente irreversível: tudo iria para a Justiça. Com o rebaixamento para trade association os jogadores ainda podem receber propostas dos donos antes de entrar na Justiça, com a diferença que não será mais Derek Fisher e David Stern lá na frente, mas advogados falando com advogados. A NBAPA afirmou que os processos contra a NBA devem ser enviados nos próximos dois dias e a partir daí é difícil prever o que ou quando as coisas vão começar a acontecer. Alguma liminar pode, por exemplo, liberar os jogadores de negociarem com times ou de voltarem a treinar nas dependências das esquipes. Outros estão dizendo que o foco dos processos serão os novatos, que não estão oficialmente na NBAPA e estão sendo impedidos de jogar pela NBA.

Esse rebaixamento foi a estratégia que a NFLPA, o sindicato dos jogadores da NFL, liga de futebol americano, fez durante o seu locaute, que foi resolvido antes da temporada começar. A singela diferença é que essa atitude foi tomada em março, antes mesmo do contrato entre jogadores e liga expirar. A NBAPA está tomando a atitude 5 meses depois do começo do locaute, quando a temporada já deveria estar rolando. Seria esperança de que nas negociações normais os donos teriam o bom senso de oferecer uma oferta decente? Ingenuidade ou excesso de confiança nos talentos de negociação de Billy Hunter e do advogado Jeffrey Kessler? Não sei, mas deu errado.

É bem fácil culpar os donos por forçar a barra nessas negociações, mas todos tem parcelas de culpa e saem como perdedores caso a temporada seja cancelada, o que é muito provável. Vamos por partes:

Jogadores



Os atletas já estão perdendo salários hoje, com o fim da temporada correm o risco de passar um ano inteiro sem receber um tostão. Muitos devem correr para a Europa e China (não vejo ninguém além de Varejão ou Splitter com alma de caridade vindo ao Brasil) atrás de dinheiro, mas provavelmente a maioria irá receber bem menos do que na NBA. Sem contar que muitos nem tem o desejo de sair dos EUA e deixar a família para trás, ou seja, mesmo com o lado financeiro recebendo uma compensação, não estão onde querem e nem disputando o campeonato que desejam.

E pior, não é nem que seja um passo para trás para dar dois para frente. No meio da década passada a NHL, liga de hóquei, passou por situação semelhante, perdendo uma temporada inteira, e nunca se recuperou direito. O acordo seguinte conseguido pelos jogadores foi horrível, eles passaram a ganhar muito menos e a popularidade do esporte despencou, com os rendimentos junto, claro. Ou seja, toda essa batalha, mesmo que eles vençam na Justiça, pode render um acordo pior do que eles recusaram ontem.

Donos

Muitos donos devem estar felizes. Caras como Michael Jordan (Bobcats) e Mikhail Prokhorov (Nets) já deixaram bem claro que preferem perder uma temporada com um acordo que não os agrada do que aceitar o atual. A situação ruim é para caras como Micky Arison (Heat, foto) que queria ver seu time sendo campeão na próxima temporada e não assistir ao seu Dwyane Wade arrasando com tudo na China.

Por outro lado, mesmo os donos que queriam ver o circo pegar fogo podem acabar perdendo mais do que imaginam. Tudo bem que eles podem conseguir mais de 50% do BRI no ano que vem, mas qual será o valor do BRI depois de um ano de recesso? O desinteresse dos fãs vai acontecer, os contratos de TV vão diminuir, a publicidade vai cair, a venda do League Pass no exterior deve virar uma piada. Estamos trabalhando com especulações, claro, mas será que 50% do BRI atual não é mais do que 53% do BRI de uma NBA sem credibilidade e atenção daqui um ano? Não seria a hora de, pela primeira vez desde que as negociações começaram, ceder pelo menos um pouco?

David Stern



Já que no basquete americano se fala tanto em legado, qual vai ser o que David Stern deixará ao final de sua carreira como comissário da NBA? Certamente ele não quer ficar para a história somente como o cara responsável por dois locautes. Também não quer que a liga que ele trabalha deixe de existir, então por que não se esforçou mais para impedir tudo isso? Bom, ele é funcionário dos donos, pago por eles, que são os únicos que, unidos, podem tirá-lo do cargo. Mas obedeceu tanto, fez tanto a vontade dos donos mais extremistas que pode acabar desagradando a todos. A imagem manchada do egocêntrico Stern entre os donos, fãs e jogadores pode acabar custando o seu emprego. Improvável, mas possível.

Curioso que David Stern também pode deixar um legado como o cara que fez da NBA uma liga global, a melhor e mais importante do mundo, que atraiu bilhões de dólares e fãs de todos os cantos e transformou uma liga que lutava por atenção em um grande espetáculo admirado em todo o planeta. E depois acabou com tudo isso. Do jeito que a coisa vai, acho que David Stern afunda com uma fama de Roberto Baggio: Carregou o time nas costas com maestria até a final, aí perdeu o pênalti decisivo.

Ah, outra coisa. Muita gente por aí diz, com bons argumentos, que David Stern não deve apoiar o que esses donos mais casca grossa pensam. Mas é o próprio Stern quem aprova a compra e venda dos times, ele não é obrigado a dar uma franquia para quem oferece a grana. Deveria saber onde estava se metendo ao deixar Dan Gilbert, Robert Sarver, Mikhail Prokhorov, Michael Jordan e cia. entrarem no seu negócio. Agora eles que mandam.

Torcedores

Tem alguma categoria da NBA que se sentiu mais imbecil durante esse locaute do que os torcedores? Alguns, mais casuais, podem não ter ligado tanto, mas a NBA tem uma base de fãs muito hardcore que está arrasada. Somos nós, que gastamos dinheiro com League Pass, produtos, escrevemos blogs sobre a liga (de graça!) por 5 anos, passamos madrugadas acordados, fazemos provas sem ter dormido só porque estávamos assistindo Blazers x Warriors até às 5 da manhã.

E aí quando chega essa hora a gente nem sabe direito o que está acontecendo. Os dois lados, donos e atletas, usam a mídia para passar a sua mensagem deturpada, para manipular a opinião pública, e nós ficamos aqui desinformados apenas cruzando os dedos para que não tirem nosso vício. Uma prova do tratamento horrível aos fãs foi a chamada Twittrevista realizada pela NBA no fim de semana. Eles toparam receber perguntas na conta oficial deles, a @NBA, onde David Stern e Adam Silver estariam para responder. Não só ignoraram todas as perguntas relevantes como só deram respostas copiadas de algum release de imprensa bem xoxo. Foi uma afronta à inteligência a ao bom senso de qualquer torcedor que revoltou a todos os presentes. Um desastre de relações públicas, no mínimo.

É uma situação patética. Dois lados discutindo quem fica com os 4 bilhões que os fãs pagam e estes não tem representante e nem informação, que seria o mínimo. Ficamos apenas assistindo de longe, analisando informações conflitantes para tentar deduzir o que pode estar acontecendo. Torcendo (somos torcedores, afinal) para que os dois lados deixem de babaquice e fechem um negócio. Mas no fim os babacas somos nós. A gente que fica de fora batendo palma, vaiando, criticando e assim que tudo se acertar entre quatro paredes e o Blake Griffin começar a enterrar, a gente vai aplaudir e esquecer tudo. O que a gente mais quer é esquecer tudo, não é?

Trabalhadores da NBA

Aqui no Brasil temos um pequeno grupo de blogueiros que trabalham de graça, mas nos EUA a NBA movimenta um mercado paralelo de trabalhadores: gente que fatura dinheiro nos ginásios, funcionários das franquias (muitos já foram mandados embora há meses, inclusive) e uma caralhada de blogueiros profissionais, revistas e sites especializados em cobrir só a NBA. E como dá pra ver por aqui, é difícil falar de basquete se não tem basquete rolando.

E não é que eles vão à falência sem a NBA, mas muitos canais de televisão e jornais contavam com a NBA (especialmente na época dos playoffs) para vender anúncios e ganhar um bom dinheiro. É muita gente se ferrando por fora nessa história e que a liga terá que reconquistar quando tudo voltar ao normal (se voltar ao normal).


E sabe o que é mais triste disso tudo? O negócio estava realmente próximo de ser fechado. Depois de meses de negociações e provocações, os donos e jogadores concordaram em dividir o BRI em 50%. Claro que ninguém estava radiante com a decisão, mas o momento em que os dois lados não estão satisfeitos mas também não estão reclamando é quando você percebe que chegou no meio termo. Era a hora de fechar o acordo.

Com o BRI resolvido, ficou tudo entre as questões menores de sistema. Os donos queriam diminuir em muito o valor do mid-level exception, ou simplesmente não permitir que times acima do luxury-tax os usassem. Também havia conflitos em relação ao sign-and-trade envolvendo times acima do limite salarial. Os jogadores tentaram convencer os donos a mudar, para compensar as perdas dos atletas no BRI. Os donos não aceitaram e, ao invés de mandar mais uma contra-proposta, os jogadores resolveram apertar o botão do apocalipse.

Não foi uma atitude inteligente na minha opinião, mas também não foi aleatória. Foi sim inspirada por atitudes de David Stern e dos donos, que ao invés de simplesmente negociar, passaram a dar ultimatos (“essa é a última proposta, vocês tem até quarta-feira para aceitar”) e ameaças (“se negarem, a próxima será mais baixa”). Não precisa de muito para perceber que isso mexeu com o ego dos jogadores, com seu orgulho, e que eles passaram a ver os donos não como o outro lado do negócio, mas como inimigos. Preferiram ver o apocalipse, o medo nos olhos dos inimigos, a tomar a atitude mais razoável.

E embora seja bem fácil odiar os donos nessa brincadeira, afinal são os mais ricos, os mais poderosos e os que querem criar regras para impedir os prejuízos causados pela própria incompetência, não dá pra deixar os jogadores fora dessa. Eles perderam a chance de usar a estratégia da decertificação (ou do rebaixamento) antes de novembro e, pior, a maioria dos jogadores nem estava tão envolvida assim.

Cada equipe vota em um representante, este participa das reuniões da NBAPA e, eventualmente, como foi o caso de ontem, tem poder de voto em nome dos jogadores do seu time. Porém, o que se diz na NBA é que ninguém quer ser o representante do time. Isso é muitas vezes resultado de punição, tiração de sarro, perda de aposta ou coisas do tipo. Ninguém quer estar ocupado nas horas vagas para ficar lidando com os advogados, por isso tantos jogadores sem expressão são escolhidos para esse cargo. Ser capitão para ir lá no centro da quadra conversar com o juiz antes do jogo é legal, votar em questões burocráticas não é legal.

A falta de jogadores expressivos na mesa de negociação facilitou muito o trabalho de Billy Hunter, que não teve que lidar com ninguém questionando suas atitudes (como fez, por exemplo, Shane Battier durante o começo do locaute, antes de sumir do mapa das negociações). Também, sem dúvida, foi mais fácil de manipular a decisão de ontem. Afinal a NBAPA poderia ter aberto a proposta dos donos para a votação dos 450 jogadores-membros do sindicato, mas preferiu ficar só com os 30 votos dos representantes. Não podemos esquecer que a decertificação acabaria com a NBAPA e, logo, com o emprego de Billy Hunter e seu salário de alguns milhões de dólares. O rebaixamento para uma trade association mantém Hunter no cargo, mesmo que agora ele tenha menos relevância.

A ausência de estrelas é prejudicial também porque, por mais injusto que isso pareça ou seja, o que LeBron James diz tem mais impacto para os fãs, imprensa e donos do que as declarações de Maurice Evans ou Etan Thomas, por mais ilustrados que sejam.  A única coisa que uniu os jogadores foram as ameaças dos donos, ou seja, se uniram na irracionalidade do ódio e o resultado foi o que vimos ontem. Como disse um agente que não quis se identificar, “só a raiva para juntar esses caras que normalmente se odeiam mais do que Israel e Palestina”.

Depois do anúncio do rebaixamento da NBAPA e do possível processo, o pivô Andrew Bogut do Bucks chamou a atitude dos jogadores de “apenas um blefe”. Já David Stern, visivelmente irritado em uma entrevista à ESPN em que não assumiu nenhuma culpa e jogou tudo nas costas de Billy Hunter, chamou a atitude de uma “tática de negociação”. Seja o que for, ainda não é definitivo e, acreditem, até temporada ainda podemos ter. Um professor especialista em legislação esportiva, Gabe Feldman, disse ao Orlando Sentinel que ainda há uma chance da temporada acontecer:

“Acho que uma temporada bem menor que a prevista é inevitável, mas ela ainda pode acontecer. Se o processo começar rapidamente os donos e jogadores podem perceber logo o quanto tem de chances de vencer e a questão não precisaria ser julgada até o fim. Um acordo poderia ser feito antes. As preliminares podem começar a acontecer em semanas e tudo pode ser resolvido em tempo de termos uma parte da temporada regular”.

Pois é. Esse foi a fala mais otimista escutada desde ontem à tarde. Quando isso é o mais positivo dá pra imaginar o inferno que um simples realista pode prever. Os nossos leitores advogados já podem começar a estudar o caso para nos ajudar com os próximos posts, a coisa tem tudo pra ficar mais feia e mais chata nas próximas semanas.

Um último dado para a gente ter vontade de pular do abismo: Apenas 9 jogadores assinaram contratos usando o valor total do mid-level exception nos últimos 6 anos. A média de sign-and-trades envolvendo times que pagam multas não deve ser de mais de um ou dois por temporada. E foram os dois grandes impasses que os donos se recusaram a liberar e os jogadores a engolir na etapa final de negociação. Vocês podem ficar do lado que quiserem, mas foram os dois juntos que jogaram essa temporada no lixo.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.