>Da arte de morder a língua

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“Oi, meu nome é LeBron e eu tenho um problema.”

Como as Finais da NBA entre Lakers e Magic só começam na quinta-feira e ninguém gosta de morder a língua e admitir que a equipe de Orlando existe de verdade (ao contrário do que diz o Padre Quevedo), deu pra se render àquela preguicinha gostosa e deixar o blog juntando moscas um pouquinho. Agora, voltamos à programação normal, retomando alguns assuntos que deixamos de lado nos últimos dias. Mas, antes de mais nada, é preciso tentar encarar uma verdade inconveniente: o Orlando Magic é o campeão do Leste.

Apesar das grandes atuações na temporada regular (e de, inclusive, ter chutado o traseiro gordo do Lakers), o Denis apostou o meu pé (que gentil) de que o Magic ia apenas ficar no “quase”. Quando analisamos nossos palpites feitos durante toda a temporada, ainda batemos o pé de que o Magic não tinha muitas chances de ir longe, mesmo que fosse apenas graças à contusão do Jameer Nelson. Parecia bastante seguro que aquele time limitado, tendo a armação comandada pelo panaca do Rafer Alston, iria morrer antes do que fama de participante de Big Brother. Acontece que, pelo jeito, o Magic é a Grazi e a gente não sabia.

Ando tendo problemas todas as manhãs quando acordo e penso que vivo num mundo em que o Rafer Alston está numa final de NBA. Alguma coisa deu muito errado e eu não percebi, estava muito ocupado assistindo basquete (perda de tempo). Quando jogava no meu Houston Rockets, ele era uma máquina de tomar más decisões, burocrático em grande parte do tempo mas excessivamente agressivo nos arremessos de três pontos, sem muito critério, quando ele achava que podia mudar a história do jogo. No Magic, Jameer Nelson tinha a função essencial de contar com o drible, penetrando no garrafão, quando as coisas não estavam dando certo e o time precisava de qualquer traço de criatividade. Alston, pelo contrário, tem os pés amarrados no perímetro, tipo o Rasheed Wallace e sua fobia de garrafão. Colocar mais um arremessador de três pontos num time em que até o faxineiro arremessa de fora parece não fazer muito sentido. Se a equipe tem falhas, não seria melhor tentar saná-las ao invés de conseguir alguém para fazer algo que já é feito direito por todo mundo no elenco?

A opção foi tornar o Magic um time bitolado em uma coisa só, ao invés de tentar equilibrá-lo. De certa forma, é uma abordagem meio Phoenix Suns dos velhos tempos: “nós não sabemos defender nem ponto de vista, então ao invés de conseguir alguém para defender e treinar os fundamentos da defesa, vamos contratar jogadores que ataquem ainda melhor e nos concentrar em pontuar”. O foco naquilo que o time faz de melhor dá à equipe identidade, uma arma certeira, e uma tremenda fragilidade. O Suns que o diga, não é mesmo? Parece uma coisa meio videogame, em que o personagem só dá porrada mas é lento e burro, ou o mago solta magias, é nerd, tem um iPhone, e não consegue nem levantar os próprios braços sem que o nariz comece a sangrar.

Todos nós conhecemos dois tipos diferentes de Orlando Magic: aquele quando as bolas de três estão caindo, e aquele quando as bolas de três não estão caindo. Como os arremessos de longa distância nunca são exatamente muito confiáveis, o time parece meio aleatório. Claro, vimos eles chutarem o traseiro de Cavs, Lakers, Celtics. Mas também vimos as coisas dando errado, a péssima movimentação de bola, a falta de variações ofensivas, e parece que os jogos ganhos foram apenas questão de “um dia bom”. Nos playoffs, quando as séries são decididas em melhor de 7 jogos, não dá pra contar com o acaso, tem que existir regularidade.

Pelo menos é o que a gente imaginava, mas esse mito foi pelo ralo. Irregular, incapaz de manter as vantagens que abria no placar (as bolas, questão de acaso, uma hora têm que parar de cair), limitado e com fraquezas óbvias, o Orlando Magic passeou pela Final do Leste e engoliu o Cavs com azeite e sal. Passei os playoffs inteiros esperando o momento em que o Magic iria feder, dar errado, virar farofa, se transformar de novo em abóbora. Mas, ao invés disso, vi LeBron James ser eliminado de forma vexaminosa. Como diria o Nelson, “ha-ha” pra eles.

O que diabos aconteceu? Primeiramente, do mesmo modo que o Houston Rockets era um time porcaria que por sorte tinha o perfil ideal para vencer o Lakers (e, mesmo assim, fedia demais e não foi o suficiente), o Magic também tinha todos os traços certos para pisar nos calos do Cavs. O garrafão da equipe de Cleveland é forte e bom em rebotes ofensivos, mas nem um pouco atlético ou veloz. Ou seja, não tinha ninguém pra pegar o Rashard Lewis na corrida (diz a lenda que se ele chegar muito perto da cesta, um terrorista matará sua mãe) e ninguém pra pegar o Dwight Howard no muque. Até o desfalcado Boston Celtics tinha o Kendrick Perkins, ruim mas ideal para segurar o Dwight e deixar clara sua falta de habilidade ao redor da cesta. Com Ilgauskas e Varejão, Dwight só tinha que conseguir sair do chão. Nenhum dos dois sabe pular, basta que o Dwight seja agressivo para passar o dia cobrando lances livres.

Além disso, o Cavs não tem uma defesa muito forte no perímetro e o elenco não é profundo o bastante para lidar com o número de arremessadores do Magic. Para piorar, os arremessadores do Cavs são defensores terríveis, então quando a equipe de Cleveland começa a ficar atrás no placar graças às bolas de três pontos do Magic e quer devolver na mesma moeda, acaba colocando em quadra jogadores incapazes de defender. O resultado são mais bolas de três pontos do Magic, o que prova que não dá pra vencer o time de Orlando tentando ser melhor do que eles na única coisa que eles fazem bem.

Chamar o Magic de limitado é obviamente um desdém da nossa parte, é como chamar uma mulher de “siliconada” ao invés de chamar de “gostosa”. O Magic é, na verdade, um time especialista. Empolgados com os outros times especialistas da NBA, como o Warriors e o Knicks, e desdenhando esse basquete focado na linha de três pontos que nos lembra do nosso basquete brasileiro e nos dá arrepios, esquecemos que estamos diante do time especialista de mais sucesso dos últimos anos. Quando a gente achava que tinha aprendido que times que não são equilibrados vão necessariamente ter seus traseiros chutados, o improvável Magic vem e carrega a tocha dos times desequilibrados. De certo modo meio bizarro, eles são os sucessores do Phoenix Suns, enquanto antítese do basquete completo e cadenciado do Spurs da última década. O Orlando Magic é mais do que um azarão, do que um time menosprezado: a equipe está remando contra a maré da NBA, e chegando mais longe do que qualquer outro time ruim chegou em muito tempo. Na Dime, lembraram do Houston Rockets campeão em 1994 com Hakeem Olajuwon no garrafão e uma tonelada de arremessadores de três pontos em volta como os únicos a terem chegado ao campeonato sendo especialistas em arremessos de fora. Esse Orlando é mais assustador porque o Dwight não é nenhum Olajuwon, e porque o time arremessou duas vezes mais bolas de três do que aquele Rockets durante a temporada. Então, estamos vendo algo único e que, talvez, mostre novas possibilidades na hora de montar elencos na NBA. Quem sabe, apesar do que o Suns nos ensinou, seja possível ser campeão fazendo algo muito bem feito e atendo-se somente a isso.

Mas é claro que o Dwight Howard tem uma importância fundamental no título do Leste, não dá pra esquecer. A ideia sempre havia sido cercar o jovem pivô com grandes arremessadores, mas virou fetiche e eles nunca souberam quando parar de colecionar. O Rashard Lewis, tido como “a peça que faltava”, ganha 17 milhões de dólares e vai terminar seu contrato ganhando 23 milhões, facilmente um dos salários mais altos da NBA. Nitidamente é um preço exagerado, mas às vezes gasta-se demais numa figurinha que vai completar sua coleção. Ah, esses colecionadores – uns com selos, outros com arremessadores de três pontos. A gente sempre vai criticar o salário dele, o exagero do Magic, mas Rashard Lewis e seus amigos permitem que Dwight não tenha que ser um monstro no garrafão todas as noites, principalmente porque ele tem problemas com fundamentos e uma clara dificuldade em finalizar ao redor da cesta. Mas quando o titio Dwight Howard é, de fato, um monstro, as bolas de três pontos tornam-se apenas o golpe final. E um golpe final bastante cruel, por sinal.

No último jogo entre Cavs e Magic, toda vez que LeBron e seus amigos pareciam diminuir a diferença alcançada com o jogo de garrafão do Dwight, as bolas de três pontos começavam a entrar e a diferença voltava a crescer. Podia ter dado errado, as bolas poderiam não cair, ou elas poderiam apenas servir para tentar alcançar o Cavs. Mas quando o Magic já está na frente do placar, as bolas de três podem servir para definir por completo a partida e LeBron se vê obrigado a começar a arremessar de fora, no desespero de cortar a diferença. Ou seja, entra no jogo do Magic, onde eles não podem ser vencidos. Caiu uma bola atrás da outra de três pontos por parte do Orlando, beirou o videogame, e não foi como se o Cavs estivesse cometendo um erro muito brutal na marcação. Na verdade, optaram pela defesa individual no Dwight justamente para se focar na marcação dos arremessos de três, mas o Dwight fez estrago e os arremessos continuaram caindo mesmo assim – não dava pra vencer. É de encher os olhos de lágrimas a perfeição com que o Magic, agora, roda a bola para achar arremessadores livres. É meio obsessivo, exagerado e quando dá errado o plano B é sentar e chorar, mas ainda assim é muito bonito.

Quando o Dwight virou para o Super Mario (também conhecido entre os que não tem senso de humor como “técnico Stan Van Gundy“) e disse que queria receber mais a bola, deu medo. Focar o jogo no garrafão seria fugir da principal característica do time e colocar responsabilidade nas mãos de um fedelho que não consegue dar um ganchinho com a mão esquerda. Mas é um modo de proteger, de fininho, os arremessadores da equipe. O Dwight não precisa ficar sabendo que ele é secundário, coloca a bola na mão dele, deixa ele pensar que é o foco do time, e os arremessadores continuam ganhando tudo. Seu papel principal é na defesa (embora ele seja um defensor bem meia-boca na marcação individual), mas no ataque é bacana deixar ele feliz e, nos dias em que seus lances livres estão caindo, o Magic é um time que arremessa ainda melhor de fora, porque os marcadores ganham novas coisas com as quais se preocupar.

O Cavs não teve as armas necessárias para correr atrás quando o Magic abriu vantagem no placar simplesmente porque, às vezes, todas as bolas do time de Orlando estão caindo. E, com o Dwight dominando o garrafão de um modo que raras vezes tínhamos visto, eventualmente o Cavs teve que dobrar a marcação e deixar o Magic chutar ainda mais. Um time tão limitado acabou fazendo a defesa do Cavs se tornar um cobertor curto demais, que não sabia se defendia dentro ou fora. Os dias em que não é preciso defender nem dentro nem fora ficaram em Boston, em que o Magic teve problemas sérios para vencer o Celtics. Com o perfil certo, a movimentação bem executada de quem faz isso desde o começo da temporada sempre do mesmo modo, e as bolas simplesmente caindo nas horas certas, o Magic sequer teve que depender de bolas decisivas do Turkoglu (tão confiáveis quanto as pilhas “Durabell”) ou da criatividade do Jameer Nelson. O Rafer Alston, que fedeu bastante, teve um bom jogo 4 e isso bastou, de tanto que o Magic sobrou na série.

Destaque também para o Mickael Pietrus, claro, que encheu o saco do LeBron sem, no entanto, deixar a desejar na parte ofensiva. O problema do Magic na temporada passada era que ou eles usavam o Keith Bogans, que só defendia, ou o JJ Redick, que só ataca (na verdade, ataca coisa nenhuma, retiro o que eu disse). O Pietrus, que já tinha pedido para ser trocado do Warriors alegando que ele era o único lá interessado em defender (e em vencer), é uma mistura dos dois, amálgama em laboratório: arremessa de três pontos, sabe pontuar, e defende muito bem. Manteve a característica do Magic inteiro, que é chutar de fora, mas mostrou que defende melhor do que qualquer um no elenco. Manda o Pietrus passar na casa do Dwight Howard e pegar pra ele aquele troféu de “Melhor Defensor do Ano”, que todo mundo sabe quem é que merece mais.

Aliás, um pensamento aleatório me veio à cabeça agora: lembra quando o Magic trocou o Trevor Ariza pelo Brian Cook porque, bem, ele era um cara alto de garrafão que arremessava de três pontos? Alguém na franquia levou o ato de colecionar longe demais e achou que o Cook era um Rashard Lewis mais barato. O problema é que o Rashard Lewis, por si, já não é grandes coisas, a versão mais barata, então, não ficou no elenco nem por duas semanas. Imagina o Trevor Ariza nesse time, defendendo e girando bem a bola. Verdade que ele se encaixa muito melhor no Lakers, onde pode usar melhor suas capacidades, mas no Magic ele seria muito útil e teria marcado o LeBron quando o Pietrus fosse sentar pra tomar suflê. Dá pra aplaudir e dizer que os engravatados de Orlando montaram o Magic muito bem, de um jeito estranho mas eficiente, mas não dá pra dizer que eles não fizeram sua cota de cagadas. Como nas bolas de três e na vida de qualquer time azarão e remando contra a maré da NBA, há uma bela fatia de sorte nesse bolo.

Agora, cabe analisar a posição do Cavs, que se mostrou um time chulé e corre o risco de perder LeBron James, e as chances do Magic enfrentando o Lakers, sem esquecer de comentar sobre a vitória da equipe do Denis em cima do Nuggets e o que esperar deles na grande Final. Teremos muito tempo para tudo isso até o primeiro jogo da Final que começa na quinta-feira, mas desde já podemos confirmar uma coisa: esses playoffs estão legais demais, mas todo mundo fede. Não há favoritos, não há dominância, e estamos vendo os melhores piores times de todos os tempos chegarem a uma final. Vai ser divertido, vai ser emocionante, mas nem sempre vai ser muito bonito: o Rafer Alston está jogando.

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