>Das coisas que aprendi com a pré-temporada

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“Não tá valendo nada? Então eu enterro a bola!”

Estava eu, criança, numa aula entediante de soma ou subtração, essas coisas de primeira série. A monotonia me consumia, não havia nada a fazer, nada com o que se divertir. Foi então que, do mais puro e simples tédio, puxei a trancinha da garota da minha frente, que gritou de dor – e passou a saber quem eu era. Foi assim que descobri o sexo, as garotas e como fazer para que notem que nós, homens, existimos. E tudo isso sem ter um carro, veja bem.

O aprendizado mais profundo, no entanto, era que havia a possibilidade de descobrir algo, de compreender algo, mesmo na mais completa e absoluta chatisse. O que isso tem a ver com basquete? Simples: a pré-temporada é simplesmente uma das coisas mais chatas que existem no mundo e, portanto, o lugar ideal para colocar em prática minha teoria. O que somos capazes de aprender apesar do tédio desses jogos que não valem nada?

Bem, a primeira coisa que todos os que assistem à pré-temporada compreendem é que seus vícios foram longe demais. Ser maluco por NBA é compreensível, mas tente manter sua paixão pelo esporte no instante em que LeBron James senta no banco de reservas ainda no primeiro quarto, a quadra fica tomada por anônimos sem talento, e você sabe que LeBron não voltará mais porque tem coisas mais importantes para fazer, tipo cutucar o nariz ou aparar os pêlos do suvaco. Continuar acompanhando o jogo de seu time favorito quando todos os jogadores de verdade sentam é prova de que você está exagerando um pouco. Assistir a Bucks e Wizards sem torcer para nenhum dos dois é uma lição importante de que você foi completamente consumido por seu vício. Ou que precisa urgentemente de uma namorada ou de um peixinho dourado, o que estiver mais à mão.

Outra coisa que aprendemos com a pré-temporada é não confiar na pré-temporada. Os minutos são fajutos, as rotações absurdas e as atuações não valem coisa alguma. Ainda assim, alguns números revelam detalhes interessantes e é necessário saber filtrá-los. Se um jogador faz 40 pontos em um jogo de pré-temporada, o que isso significa? É preciso muita calma, tato, talento e vontade de chutar usando pouco fundamento para saber ler nas entrelinhas o que está acontecendo. Por isso, usarei minha experiência de muitos anos assistindo a esses jogos insuportáveis que não valem nada para separar os jogadores em alguns tipos mais comuns e, aproveitando, dar uma olhada em como estão se saindo alguns jogadores nessa pré-temporada que está rolando agora.

O jogador-máquina

Alguns jogadores são máquinas de precisões matemáticas: possuem a mesma produção não importa o que aconteça, pode ser na pré-temporada, na temporada regular, nos playoffs, nas férias, na festa de aniversário do sobrinho. Exemplos não faltam, mas são em geral jogadores de garrafão que vêm do banco de reservas mas quando são titulares na pré-temporada mantém os mesmos números. Ou seja, são eternos reservas mesmo quando são titulares.

Como exemplo, podemos citar o Brandon Bass, do Mavs, com seus 12 pontos e 5 rebotes por jogo, o Carl Landry, do Houston, com 12 pontos e 6 rebotes, o Paul Millsap, do Jazz, com 8 pontos e 6 rebotes, e o Leon Powe, do Celtics, com 11 pontos e 3 rebotes mas salvando o Celtics em praticamente todos os jogos até agora com cestas decisivas e lances livres nos segundos finais. Ou seja, igualzinho na temporada regular.


O astro de pré-temporada

Alguns jogadores só gostam de jogar pra valer quando não está valendo nada, o que é uma inversão bizarra de valores. É como se eles fossem muito tímidos e só pudessem mostrar o real talento quando ninguém está olhando (todos eles deveriam, então, ir jogar no Grizzlies – ninguém assiste uma partida sequer deles). Esses jogadores já são figurinhas carimbadas, todo mundo sabe com antecedência que eles vão destruir quando não servir pra nada.

Os mais clássicos membros dessa categoria são o Louis Williams, do Sixers, que está com 16 pontos por jogo, o Belinelli, do Warriors, com 11 pontos por jogo, o Aaron Brooks, do Rockets, com 12 pontos e 4 assistências, e o Tony Allen, cestinha do Celtics com 15 pontos por jogo. Quando o negócio esquenta eles vão sempre esquentar o banco, mas na pré-temporada chutam traseiros. Aí fica todo mundo comentando como dessa vez eles vão explodir pra valer, fazer estrago, ganhar minutos. Rá, tem gente que não aprende, é tipo os manés que acham que o Gugu ainda vai roubar minutos do Silvio Santos.

O “Agora vai”

A diferença entre o “Astro de pré-temporada” e o “Agora vai” é uma questão de fé e de experiência. Da primeira vez que o Aaron Brooks destruiu, eu (como bom torcedor do Houston) gritei “aê, agora vai!”, só que não vou cair no mesmo truque duas vezes. Todo jogador com potencial e que mostre sinais de que pode ser bom mas nunca tenha feito nada se encaixa nessa categoria quando vai bem na pré-temporada.

O chinês Yi Jianlian, agora no Nets, está com média de 16 pontos por jogo, por exemplo. Além dele, David Lee está com absurdos 20 pontos e 12 rebotes por jogo no Knicks, o Mike Conley está finalmente armando alguma coisa no Grizzlies com 11 pontos, 5 rebotes e 4 assistências de média, e o Bargnani está com 14 pontos e 5 rebotes por jogo pelo Raptors. Até o Zach Randolph se encaixa aqui, mas não pelos 18 pontos e 11 rebotes por jogo, coisa que ele sempre fez. O nosso gordinho favorito cabe aqui porque está se saindo muito bem em quadra, correndo pra burro e se diz apaixonado pelo esquema de jogo do D’Antoni. Acho que agora vai!

Alguns parecem que finalmente vão mas não convencem tanto assim, tipo o Nenê com 10 pontos e 7 rebotes de média, o Sergio Rodriguez no Blazers com 9 pontos e 8 assistências por jogo e o Stuckey no Pistons com 11 pontos e quase 5 assistências de média. Os números são bons, o Nenê vai ser titular e o Stuckey deve ter minutos de titular, então parece que a coisa vai engrenar para os dois. O Rodriguez até pode se tornar o armador reserva, veja que honra. Mas o Nenê nunca ficou saudável, o Pistons fica completamente perdido com o Stuckey armando o jogo e o Blazers tem quinhentos jogadores por posição, fica difícil botar muita fé nos três.

O “Quem diabos é você?”

Na pré-temporada sempre surge uns carinhas aleatórios com atuações épicas, andando sobre a água, multiplicando pães, com números absurdos, mas você nunca ouviu falar nos sujeitos. Alguns têm nomes feitos para te enganar, tipo “B. Wallace”, e você só percebe que o “B” é de “Bruno” e não de “Ben” ao notar que o cara acertou vinte bolas de 3 pontos ao invés de dar 20 tocos. O mais engraçado sobre esses caras é que, não importa quão bem eles joguem, não vão arrumar espaço num time nunca. Acho que todo mundo pensa “se eu não conheço o cara, ele não deve ser bom o bastante” e então ficam todos desempregados, desmoralizados e indo de um lado para o outro em busca de gana – tipo a bunda da Gretchen.

Os casos mais recentes são o Von Wafer, com média de 12 pontos por jogo e que dia desses acertou meio milhão de bolas de 3 pontos num jogo, o Bobby Brown, com 15 pontos e 3 assistências por jogo mas que não foi nem draftado em 2007, e o Mike Taylor, a quinquagésima quinta escolha do draft desse ano, que está com incríveis 18 pontos e 5 assistências por jogo. O Mike Taylor foi assinado pelo Clippers e vai ter um emprego nessa temporada, mas como ninguém tinha ouvido falar dele até ontem, a lógica de pré-temporada é que ele desapareça em breve, talvez engolido por leões.

O “Eu fedo até na pré-temporada”

Alguns jogadores mostram a verdadeira face na pré-temporada. Na temporada regular o cara parece bom e você acha que ele pode até ser genial um dia, mas aí quando enfrenta um monte de adversários meia-boca na pré-temporada, fede. Isso significa que o cara não consegue ser genial nem contra os melhores jogadores nem contra os piores, e aí a coisa começa a ficar feia.

Apesar de adorar o Luol Deng e dele ter chutado traseiros jogando pela Inglaterra nas férias, seus 11 pontos e 5 rebotes de média em exorbitantes 33 minutos por jogo (deve ser recorde de pré-temporada) mostram que ele não será um jogador dominante e que o contrato do Bulls foi, no mínimo, exagerado (evitei usar uma palavra escatológica aqui). Além dele, tem o Mo Williams mostrando que ele arremessa como um débil mental não importa quem sejam os adversários, e seu aproveitamento está em 30%. Ou seja, não dou nem 5 jogos quando estiver valendo para o LeBron dar umas porradas nelel. E tem também o Granny Danger (muito mais legal do que Danny Granger e algo que o Chapolim “não priemos cânico” adoraria dizer) acertando 15% dos seus arremessos, mostrando que o futuro do Pacers está em boas mãos mas em péssima mira. Mesmo caso do Ramon Sessions, que fez tanto sucesso no final da temporada passada dando milhares de assistências pelo Bucks, mas que na pré-temporada está acertando 21% dos arremessos e vai perder a vaga para o Ridnour, que fede mas que está com 9 pontos e 8 assistências de média, uma boa enganada.

O “Eu engano bem”

Pré-temporada é o momento em que uns malucos recebem carta branca para fazer o que quiser. O Mike James, por exemplo, está chutando o quanto quer e anda com 15 pontos de média. O JR Smith, por sua vez, é o cestinha do Nuggets com 18 pontos por jogo. Quem não conhece os dois acha até que eles são sujeitos bacanas e quer chamar os dois para uma cerveja, sem saber que assim que chegarem no bar eles vão tentar arremessar você dentro dos copos. Quando são as estrelas do time, se saem muito bem, mas na hora de jogar num time de verdade, ainda acham que são as estrelas – é um tipo de altismo. Para eles, a vida é uma eterna pré-temporada, hora de chutar muito e pensar pouco. O JR está acertando 21% de seus arremessos de 3 pontos, justo algo que deveria ser sua especialidade.

A cobaia

Alguns jogadores são colocados no meio de uma experiência bizarra e precisam usar a pré-temporada para se acostumarem com seus papéis. Não dá pra saber se o cara vai ser um bom jogador ou não através desses jogos, mas dá pra ter uma idéia se o cara está se acostumando com sua função.

O Devin Harris, por exemplo, está tendo que manter a bola nas mãos como um armador de verdade no Nets, o que não anda dando muito certo – são 4 desperdícios de bola por jogo. O Duhon está sendo obrigado a tornar-se o novo Nash, e apesar dos 12 pontos e quase 6 assistências, está perdendo a bola quase 5 vezes por jogo, inaceitável. O Bynum teve que tentar jogar ao lado de Gasol, e depois jogar vindo no banco, e depois sozinho, e depois com um anão de biquini, e com 10 pontos, 7 rebotes e 1 toco de média, parece que está tudo bem. Matt Barnes, que pra mim foi uma bela sacada do Suns, se encaixou muito bem no estilo do time e tem 11 pontos, 7 rebotes e 3 assistências por jogo. Outro que se deu bem é o Turiaf tendo que correr a quadra toda, até assistências o francês começou a dar. O único problema é que, com 3.3 assistências por jogo, ele é o líder da equipe no quesito. Ou seja, o negócio tá ruim.

O novato

Vamos ser sinceros, a gente aguenta os jogos chatos de pré-temporada porque fica morrendo de vontade de ver os novatos jogarem um pouquinho e ter alguma noção de como serão quando a coisa estiver valendo. Alguns novatos chutam traseiros mas nunca mais vão entrar em quadra porque não terão espaço, jogarão poucos minutos ou simplesmente vão desaprender a jogar. É difícil encaixar novatos nos outros grupos anteriores, então é melhor falar deles aqui, vendo cada caso.

O pivô Brook Lopes, do Nets, está com médias de 8 pontos, 11 rebotes, 2 roubos e 2 tocos. Os roubos são surpreendentes, o resto é mais do que sólido, e se ele não for titular é porque o técnico Lawrence Frank come meleca. Seu irmão, o Robin Lopez, está mostrando a veia defensiva com quase 3 tocos por jogo, mas está se mostrando um estabanado em quadra e comprometendo um pouco o Suns no ataque. Já o OJ Mayo, do Grizzlies, está com 14 pontos por jogo, o que era esperado, mas os dois roubos de bola por partida são um brinde extra. Seu companheiro de equipe, o Marc Gasol (também conhecido como “o Gasol que comeu demais”), até que não está fedendo tanto quanto eu imaginava, com 9 pontos e 5 rebotes. Já o Derrick Rose está fedendo como eu imaginava, embora mesmo assim seja espetacular: são 10 pontos e 6 assistências por jogo, mas quase 5 desperdícios de bola também. O Chalmers também tá fedendo um pouco, são apenas 3 assistências por jogo e a vaga de titular já era, deve ficar nas mãos do Marcus Banks. Com 10 pontos e 4 assistências, o Banks é candidato a “agora vai” mas está mais para “eu engano bem”. Ele deve armar para o Beasley, que vai vir do banco porque não sabe defender mas que deve manter uma produção alta como na pré-temporada, em que tem 16 pontos e 8 rebotes de média, tudo enquanto boceja e coça as costas.

Dos que realmente surpreenderam tem o Roy Hibbert, pivô do Pacers com 12 pontos e 2 tocos de média, algo que ele deve ser capaz de manter porque em Indiana ninguém levanta os braços, a não ser em assalto. Outro pivô, o JaVale McGee, também deve ter muitos minutos porque o titular do Wizards, o Brendon Haywood, deve ficar de fora da temporada com uma contusão (sim, eles são mesmo o novo Clippers). Por enquanto ele foi muito bem, com 12 pontos e 6 rebotes por jogo.

E por falar em contusões, o Nicolas Batum, um dos cem alas disputando minutos no Blazers, deve ser o titular depois de atuações sólidas na pré-temporada e uma ajudinha do destino, que contundiu o Martell Webster. Quando eu analisei as possíveis escalações do Blazers, nem sonhei com o Batum, que supostamente deveria estar cru demais. Mas com 8 pontos por jogo, acertando mais da metade de seus arremessos, além de 1 roubo e quase 2 tocos por jogo, ele tem tudo para ser o ala defensivo que começa o jogo e senta logo para o Rudy Fernandez entrar.

Dá pra acreditar nos números? Não. Dá pra acreditar na virgindade da Sandy? Não. Mas dá pra ter uma noção de quem pode produzir, quais serão os papéis, quem deve se tornar titular e quem arrumará um lugar na rotação, mesmo que vindo do banco de reservas. Dá pra ver quem não consegue dominar nem quando a competição é fraca, quem tenta mostrar serviço, quem preferia ir ver o filme do Pelé. Dá pra ver que se você assiste demais essas partidas com gosto de chuchu, tem problemas. E se você vai atrás dos números dos jogadores da pré-temporada para fazer um post para o seu blog, precisa de ajuda médica. Urgente.

Mas, em breve, começa a temporada de verdade. Dê uma olhada nos jogadores acima e desista de assistir esses jogos porcarias, leve a namorada para sair, assista a uma peça de teatro, solte pipa e estude grego, porque em breve a coisa começa de verdade e você não terá tempo para essas coisas de gente normal. Arrume desde já um jeito de ler o Bola Presa até mesmo no banheiro. Eu avisei.

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