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A situação do Turkoglu no Suns era a maior furada. Tudo que ele sabia fazer era redundante na equipe, e tudo aquilo de que a equipe precisava era justamente o que o turco não podia fazer. O Turkoglu não é nenhum gênio, mas ele é um baita de um jogador se você colocar a bola em suas mãos e deixar que ele arme o jogo, distribua a bola quando quiser, infiltre para criar o próprio arremesso e fuja do garrafão para arremessar de três. No Suns, apenas a parte dos arremessos de três poderia ser utilizada, porque o responsável por segurar a bola e armar o jogo é o soberano Nash, e o time precisava desesperadamente de uma presença no garrafão – nem que fosse apenas na defesa, vai. O turco simplesmente não se encaixava no Suns, assim como não tinha se encaixado no Raptors. Quando postei sobre o jogador um tempo atrás, disse que ele não tinha esperanças de encontrar um lar já que parecia combinar apenas com o estilo de jogo do seu ex-time, o Magic, de onde havia saído para entupir as orelhas de dinheiro.
Mas como diz o filósofo Badauí, “o mundo dá voltas” e eis que o Turkoglu voltou para o Magic em uma troca gigante, que comentamos bastante aqui. Apesar da bagunça, de tanta gente nova, de perder dois titulares e de não conseguir treinar com o novo elenco, o Magic ganhou 11 de suas últimas 16 partidas desde a troca. Todo mundo esperava que os novos jogadores batessem cabeça, que o Arenas apontasse uma arma para alguém ou trocasse a água de todo mundo por xixi, que demorasse para o técnico Stan Van Gundy encontrar um novo padrão de jogo e uma rotação definida. Mas foi tudo mais simples do que parecia, em parte porque o técnico com cara de pizzaiolo foi bastante conservador e tentou manter tudo o mais próximo possível de como era, mas também em parte porque o Turkoglu se sentiu novamente em casa.
As médias do turco não lembram as dos seus antigos momentos no Magic, agora o time é forrado de pontuadores e Turkoglu não tem mais que segurar o ataque nas costas com 20 pontos por jogo, mas só de ter a bola nas mãos e voltar a armar já podemos ver seus olhinhos brilhando. E a melhora da equipe ao colocar a armação nas mãos do turco é gigante simplesmente por um motivo: ele consegue acionar o Dwight Howard embaixo da cesta. Quando a armação cabe ao Jameer Nelson, por exemplo, a impressão é sempre de que a prioridade é o arremesso. De fato, sobra espaço para arremessar (especialmente após algum corta-luz do Dwight) e, quando a marcação aperta no armador, em geral isso significa que outro arremessador está livre para receber a bola. Quando a equipe precisa de agressividade, o que se cobra é que Jameer Nelson ataque mais a cesta, segurando mais a bola e assumindo a responsabilidade. Dwight Howard só é acionado então no início das jogadas quase como um plano secundário, em geral com apenas um pé dentro do garrafão, de costas para a cesta. Quando o jogo se aproxima do final, sequer é acionado porque – como eu insisto em dizer, enchendo o saco do pivô – não consegue converter lances livres, sofre faltas constantemente, e tende a perder a bola tentando infiltrar no garrafão. Não tenho nenhuma dúvida de que, no final dos jogos, o Magic é um time melhor sem Dwight em quadra. Mas o Turkoglu mudou tudo isso com sua capacidade de colocar a bola nas mãos do Dwight embaixo da cesta (ou em cima dela, numa quantidade enorme de pontes-aéreas). Num elenco de arremessadores e pontuadores que não confiam em seu pivô para definir jogos, o Turkoglu surpreende com passes longos, altos, que colocam Dwight de frente para a cesta sempre em possibilidade de finalização. Não é à toa que o Turkoglu tem agora a melhor média de assistências da carreira, e que a média de pontos do Dwight tem subido cada vez mais (é de quase 30 pontos nós últimos 5 jogos).
O problema não é bem o tipo de jogador que o Dwight Howard é, mas que tipo de jogador ele e seus companheiros pensam que ele é. Se continuarem achando que ele pode jogar de costas para a cesta fora do garrafão, acertando arremessos longos usando a tabela e ganchos em movimento, batendo bola para cima da marcação, teremos apenas a constatação de suas dificuldades, da falta de evolução em seu jogo e de como ele compromete uma equipe no ataque nos momentos importantes de um jogo apertado. Admitir os problemas do jogo do Dwight é o primeiro passo para explorar suas qualidades e saber usá-lo de forma correta, algo que o Turkoglu parece perceber agora. O Dwight tem que receber mais a bola, mas no alto, dentro do garrafão, nas costas dos defensores – e não fora do garrafão pra tentar imitar o Duncan.
Esse Magic que aciona o Dwight Howard em melhores situações de arremesso é muito mais eficiente. Quanto mais a defesa adversária se preocupa com o miolo do garrafão, mais difícil é dobrar a marcação no pivô com eficiência e mais espaço sobra para os arremessadores. Jameer Nelson agora tem carta branca para arremessar o quanto quiser, especialmente quando o Turkoglu assume a armação, e Jason Richardson já nasceu arremessando a placenta na lata de lixo, para ele o esquema tático do Magic é muito natural. A única coisa mais diferente nesse grupo é a entrada do Brandon Bass como titular no garrafão, algo de que eu gosto bastante mas que muda o desenho do Magic em quadra mais do que o Van Gundy acha saudável. Seu forte é o jogo de meia distância, algo que falta no Magic e que o técnico abomina, mas que funciona muito bem especialmente com o turco cuidando da armação. Mas o time sempre pode voltar para o esquema tático antigo simplesmente colocando o Ryan Anderson em quadra, que sempre foi um clone do Rashard Lewis e agora com mais minutos conseguiu provar que pode manter os mesmos números do seu sósia mais famoso (e mais caro). O Ryan Anderson também é um especialista em três pontos que alarga a marcação e abre mais espaço para o Dwight, não demanda a bola e quebra um galho na defesa. Com a falta de treinos e as mudanças tantas no elenco, toda vez que o Stan Van Gundy quer voltar a um ar retrô, à segurança dos bons e velhos tempos, coloca o Ryan Anderson na quadra. É uma espécie de estabilidade nostálgica que tem funcionado bem e ainda joga na cara do Rashard Lewis o quanto ele era desnecessário pra esse Magic que pode colocar qualquer outro arremessador de três mais altinho para ocupar seu lugar.
Quem ainda não se encaixou no grupo foi o Arenas, mas o Van Gundy também não está muito disposto a arriscar a estabilidade do elenco para dar mais minutos ao armador. A prioridade é não colocar Jameer Nelson e Arenas juntos em quadra, para assim garantir a armação do Turkoglu que vem dando resultado e os minutos do JJ Redick, que finalmente ganhou a confiança do técnico nos arremessos e na defesa. Uma escalação mais baixa, que colocaria Arenas em quadra junto com os outros tantos armadores, é cada vez mais deixada de lado para que o Ryan Anderson possa jogar mais e mais minutos e manter o padrão tático do Magic de uns tempos atrás. Resta ao Arenas, então, aproveitar os minutos limitados e decidir se ele será armador ou arremessador, porque a dúvida tem tornado seu jogo bastante inseguro e inconsistente. Com mais tempo de time tudo deve ficar mais confortável para ele, mas nunca chegará ao nível de conforto que o Turkoglu experimenta ao estar em um esquema tático que se aproveita de todas as suas qualidades e camufla todas as suas dificuldades. Esse é o tipo de coisa que faz a carreira de um jogador, que lhe garante contratos milionários, que faz a gente achar o jogador espetacular, até que de repente mude de time para uma situação diferente e todos os seus defeitos sejam expostos e nos deixem com cara de otário. Toda essa bobagem de “que jogador é melhor, Deron Williams ou Chris Paul” nunca leva em conta que os esquemas táticos são, em geral, os grandes responsáveis pelo rendimento de um jogador. Coloque o Deron no Hornets e o Chris Paul no Jazz e subitamente teremos dois jogadores muito piores do que estamos acostumados a ver.
Um exemplo ótimo para isso é o Tracy McGrady. Já foi um dos melhores jogadores do planeta nos seus tempos de Magic e de Houston, até que durante uma de suas trilhões de lesões o Houston se tornou um time veloz, de contra-ataques, de jogo coletivo, sem ninguém segurando a bola, e aí a simples ideia de que o T-Mac pudesse voltar às quadras dava calafrios na espinha do técnico Rick Adelman. Nas poucas vezes em que pisou na quadra após a lesão, T-Mac ainda parecia um bom jogador, mas lento, sem explosão, com a bola nas mãos – incapaz de acompanhar o ritmo da equipe ou de manter o jogo fluindo. Parecia um velhinho caquético tomando purê de maçã na veia. Quando foi mandado para o Knicks, parecia ainda mais lento no esquema do Mike D’Antoni, e a tendência da equipe em arremessar de três apenas expôs seus problemas com o arremesso de média distância. Era um jogador acabado. Mas floresceu meio sem querer no esquema tático como um excelente passador.
É praticamente impossível julgar tudo aquilo que um jogador sabe e não sabe fazer fora de um esquema tático que não favoreça cada coisa em especial. Um jogador pode parecer um bom arremessador de três, mas num esquema que foque nisso podemos descobrir que ele estava limitado a um tipo específico de arremesso, apenas em contra-ataques, por exemplo. Agora está na moda dizer que o Carmelo Anthony é “unidimensional”, ou seja, que só sabe fazer uma única coisa: pontuar. Como saber que ele não seria diferente em um esquema que lhe pedisse para passar a bola ou jogar mais dentro do garrafão? Tracy McGrady já foi chamado constantemente de “fominha” e agora vê a carreira dando novamente sinais de vida justamente porque está jogando como armador no Pistons. T-Mac está mais lento, não tem mais a impulsão que tinha nos arremessos e nem a potência para invadir o garrafão e cravar na cabeça de todo mundo, mas ele é um jogador inteligente e sabe colocar a bola onde quer. Em qualquer equipe ele seria usado como um pontuador e então sua lentidão seria exposta, tornando-o imprestável. No Pistons, em que nenhum dos armadores tem como foco passar a bola (Rodney Stuckey e Will Bynum atacam a cesta, Ben Gordon arremessa até a mãe), Tracy McGrady é o mais perto que se pode conseguir de um armador puro, e aí não precisa de velocidade ou de potência – o Nash não nos ensinou que dá pra ser o melhor armador da NBA sem sequer sair do chão? O que vemos no McGrady agora é sua inteligência, sua visão de jogo, seus macetes de jogador velho que sabe como encontrar espaços, forçar contato, cavar faltas. Sua carreira só não foi para a privada porque o Pistons não faz sentido e é um time em reconstrução disposto a dar 30 minutos por noite para um jogador lesionado de mais de 30 anos, e numa posição em que ele ainda pode brilhar apenas porque o elenco inteiro não tem um único armador capaz de armar o jogo.
O que não faltou nos últimos tempos foi gente metendo o pau no Turkoglu, dizendo que ele fedia. Não é o caso. Seus únicos grandes momentos no Raptors foram quando deixaram que ele jogasse como jogava no Magic, e aí vimos que ele pode render um bocado. Para o Raptors não valia a pena desmontar o esquema tático por um único jogador, e fazer o mesmo no Suns seria podar o jogo do Nash, que é a grande estrela. Se o carinha chegou na NBA, se assinou um contrato milionário, é porque é capaz de render em alto nível em alguma situação, em algum esquema tático. Cabe às equipes ter a noção de que o cara não vai ser bom em qualquer time, é preciso saber ler exatamente quais são as qualidades maximizadas pelo esquema. Se isso não for feito, vai ter ainda muito time contratando o Turkoglu e descobrindo, de um dia para o outro, que ele é apenas um turco que se movimenta em câmera lenta. Do mesmo jeito que vai ter gente insistindo que o Dwight tem que aprender a arremessar de fora, usando a tabela.