Defesa, defesa!

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Como marcar um alemão, capítulo 1: chute sua canela

Existe uma dúvida que persegue os homens desde os velhos tempos de Shakespeare: “dobrar ou não dobrar, eis a questão”, já dizia o escritor inglês (ou algo do tipo, não me recordo muito bem). Em nosso tempo, em que a NBA permite praticamente qualquer tipo de defesa e não tem mais aquelas frescuras de proibir marcação por zona, por exemplo, as marcações duplas são cada vez mais agressivas e eficientes. Ainda assim, há sempre um certo receio em colocá-las em prática.

A partir da temporada 2001-02, a tal da “Defesa Ilegal” virou farofa. O termo se referia a um intricado conjunto de regras que delimitava a marcação por zona e o posicionamento de um marcador que estivesse no “lado fraco”, ou seja, no lado oposto da bola, impedindo a efetividade da marcação dupla e deixando o garrafão mais livre. Ainda tem muita gente por aí achando que essas regras ainda existem, defendendo que o basquete internacional marca por zona e na NBA isso não é permitido, ou alegando que as defesas na Europa são mais fortes porque podem dobrar em quaisquer condições. Pois bem, na NBA é a mesma merda faz quase 10 anos, com a única diferença de que um jogador que não esteja marcando ninguém não pode ficar mais de 3 segundos dentro do garrafão defensivo.

Bem, quando o Yao Ming tem dois sujeitos expremendo o coitado no garrafão, um empurrando suas costas enquanto o outro se mantém à frente do chinês, essa defesa é perfeitamente legal. Mas se o Yao abandonar o seu homem na defesa para ficar embaixo do garrafão dando toco em todo mundo, isso não vale. É simples e impede justamente esses postes gigantes de ficarem “guardando caixão”, já diria quem brincou de esconde-esconde alguma vez na vida. O garrafão continua mais aberto, permitindo mais infiltrações e garantindo que, fora o Warriors, a NBA não seja um grande e gordo campeonato de bolas de três pontos (como é o caso do nosso campeonato brasuca e até mesmo dos campeonatos europeus, conforme mostrado nos artigos do Rodrigo Alves, lá no Rebote).

Se pode marcar por zona, se pode dobrar a marcação quando todo mundo bem entender, então por que as práticas não são utilizadas à exaustão? Bem, perguntem para o Phoenix Suns. Em todas as séries de playoffs dos últimos anos, em que o Suns foi freguês do chato do Spurs, Tim Duncan provou que a dobra não é uma decisão fácil. Toda vez que dois marcadores apertavam o homem, seus músculos não se moviam mas um passe perfeito se dirigia para fora do garrafão, onde a bola então rodava para um homem livre encaixar uma bola de três pontos. O time inteiro do Spurs acertava as bolas, entrava no jogo, pegava ritmo e acabava carregando o piano sozinho. Sem a marcação dupla, no entanto, o Duncan parecia estar tirando um cochilo enquanto o placar acusava que ele acabara de fazer 40 pontos. A dúvida, então, sempre foi deixar o resto do Spurs livre e torcer para que errassem os arremessos, ou então se contentar com o Duncan fazendo chover e se concentrar em marcar o resto do elenco.

Nesses playoffs, o Dallas optou por não fazer a dobra da marcação no Duncan e simplesmente aceitar que ele e Tony Parker (que não pode ser marcado, porque atingiu o Sétimo Sentido e se movimenta na velocidade da luz) fizessem 500 pontos por jogo. Se o resto do elenco não conseguisse pontuar de jeito nenhum, o Spurs não seria capaz de sair com a vitória e, como bem sabemos, foi justamente o que aconteceu.

A mesma decisão foi tomada na partida de ontem, mas dessa vez pelos adversários do Dallas. O Denver Nuggets optou por não dobrar no Nowitzki, nunca, e simplesmente manter uma marcação simples, individual e muito, muito física. Como todos nós aprendemos quando o Warriors eliminou o Dallas, então primeiro colocado do Oeste, na primeira rodada dos playoffs uns anos atrás, o alemão não sabe jogar quando alguém mais baixo e mais forte gruda em seu cangote e joga fisicamente contra ele. Desacostumado a bater para dentro do garrafão, já que é um dos melhores arremessadores da NBA (talvez um dos melhor grandalhões a arremessar em toda a história?), foi duramente criticado por manter-se longe do aro na série contra o Warriors, nunca jogar de costas para a cesta, não cobrar lances livres e não conseguir jogar com Stephen Jackson apertando, empurrando e contestando. Foi um fracasso, uma vergonha, o Boris Casoy até ficou indignado em seu telejornal.

Grandes jogadores aprendem com seus erros, e foi exatamente o que o Dirk fez. Com aquela coordenação de pernas de um nerd bailarino, o alemão começou a atacar mais a cesta e não fugir do contato físico. As críticas da série contra o Warriors quase acabaram com sua carreira, quase não se fala mais dele por aí, mas a verdade é que ele tornou-se um jogador melhor, mais completo. Contra o Spurs, recebeu marcações duplas incessantes mas, alto e esperto que é, encontrou sempre seus companheiros livres com passes rápidos. O Dallas venceu a série no perímetro, na infinidade de arremessos de três pontos convertidos, o que era algo de se esperar de um time que é um dos líderes em pontos de contra-ataque mas que tem fobia de garrafão. Dobrando em Dirk, o Spurs cavou sua cova.

O Nuggets escolheu a abordagem Warriors, ou seja, marcar individualmente e com toda agressividade possível. O bizarro é que, se eu tivesse que escolher o que seria mais provável de acontecer entre o Nuggets defender agressivamente e a Britney Spears ficar gostosa de novo, teria escolhido o primeiro. Incrível como o mundo nos engana e a Britney fica cocotinha de maquiagem, enquanto o Nuggets tem uma defesa esforçada e intimidante. Na partida de ontem, a torcida berrava a plenos pulmões o mantra “Defesa, defesa” sem cair na risada, o que teria acontecido apenas uma temporada atrás. Debaixo de gritos, Chris Andersen desviou trocentos arremessos (foram 6 tocos), todos os passes eram contestados e até o porcaria do Anthony Carter desviava assistências como se fosse o King Kong dando petelecos nos aviõezinhos. Jogadores do Mavs foram duramente atirados no chão ainda no primeiro quarto, com o Dirk recebendo uns bons “chega-pra-lás”. Mas o Nowitzki ainda assim tentou atacar a cesta, bateu para dentro, enterrou, tomou e deu um par de ombradas. Acabou esfriando no jogo, depois de um começo espetacular, cobrou apenas 5 lances livres e foi meio inútil apesar dos 28 pontos. O resto do time não ficou livre para os arremessos de três como estavam acostumados.

Quando o Dirk começou o jogo acertando vários arremessos, a tentação era dobrar a marcação nele imediatamente, usar uma marcação por zona ou qualquer outra coisa. Mas o técnico George Karl manteve o plano, sabia que cedo ou tarde o alemão iria odiar a marcação física e individual que estava recebendo e seu rendimento iria cair horrores. Foi uma decisão ousada, criticada nos primeiros minutos mas louvada ao fim do jogo. Cada um tem sua resposta para a pergunta ancestral de dobrar ou não dobrar, mas George Karl agora parece um gênio defensivo, inteligente, meticuloso e focado, depois de parecer um burro completo nas temporadas anteriores. O que diabos aconteceu? Teria sido tudo isso obra de Billups, será que Iverson fede tanto assim na defesa, ou seria Marcus Camby e seus quinhentos tocos por jogo os responsáveis por uma equipe sem padrão defensivo ou vontade de defender? O garrafão agora é melhor sem ele, mais forte e atlético, e conta com as assustadoras recuperações de Kenyon Martin (sempre contundido), Nenê (depois de ter até câncer no testículo) e Chris Andersen (depois de ouvir o “pó pará com o pó“), mas isso não pode ser o real motivo para um time tão empolgado e defensivo.

Num intervalo do jogo, o Geroge Karl gritava com seus jogadores que eles haviam chegado até ali defendendo, que o resto vinha apenas como resultado, e que era para eles manterem o esforço defensivo. Diabos, parece que acordei no Mundo Bizarro, é como se o Don Nelson falasse para o Warriors defender por que foi assim que conseguiram tudo que alcançaram. Tem algo errado nesse Nuggets, uma defesa desse nível não surge do nada, mas o que importa é que ela está aí e uma pessoa definitivamente sofrerá com ela: Dirk Nowitzki. Seu amiguinho Josh Howard já saiu do primeiro jogo mancando, com um pé torcido, e muito mais disso virá. Num momento crucial do jogo, em 13 posses de bola seguidas o Dallas cometeu 7 desperdícios e errou 6 arremessos, ou seja, enfiaram o pé no cocô graças à pressão defensiva adversária.

Vale, claro, lembrar que o Nenê chutou traseiros: marcou seu recorde de pontos em playoffs ainda no primeiro tempo, com 18, e acabou o jogo com 24. Não tem ninguém no Dallas forte o bastante ou alto o bastante para impedir que Nenê e Kenyon Martin batam para dentro como touros. No primeiro tempo, Nenê foi um buraco negro, forçou o jogo e provou que o Dallas tem um monte de meninas de trancinha no garrafão. No segundo tempo, recebendo dobra de marcação, achou companheiros livres que terminaram o serviço. Ou seja, a velha dúvida de novo. Mas o Nuggets parece, definitivamente, saber o que está fazendo.

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