>Desastre anunciado

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Pois é, foi daí que o Manu acertou o arremesso dele

Foi por pouco, por muito pouco. O Memphis Grizzlies estava a 1.7 segundo de eliminar o San Antonio Spurs, vencer sua primeira série de playoff na história, causar uma zebra do tamanho de um elefante (só pra ficar no mundo animal) e tudo isso, é sempre bom lembrar, sem o Rudy Gay! Ficou no quase porque o técnico Gregg Popovich resolveu colocar o trabalho de um ano inteiro nas mãos de um novato. Ele desenhou uma jogada para Gary Neal, que meteu a bola de três pontos que levou o jogo para a prorrogação e salvou o Spurs das férias indesejadas. Não que vocês não saibam disso tudo, devem ter visto o jogo ou visto o resumo hoje cedo, mas estou colocando tudo isso no papel (ou na tela) para ver se acredito. Alguém alguns meses atrás imaginaria que esse parágrafo pudesse ser escrito de maneira séria?

São muitas coisas estranhas acontecendo e a primeira a gente já alertou durante a temporada regular. Nesse post sobre o Spurs eu disse que eles estavam se parecendo mais com os times que estavam acostumados a vencer, ofensivos, velozes, baseados nas bolas de 3, do que com o “clássico” Spurs defensivo, pragmático e entediante. Acabaram o ano com o segundo melhor ataque da NBA e 11ª melhor defesa, números parecidos com o Phoenix Suns de alguns anos atrás que eles enjoaram de vencer. A fragilidade defensiva era ainda maior quando o Popovich, por falta de opção provavelmente, usava formações que favoreciam as bolas de três pontos ao invés do poder defensivo, foi o aproveitamento insano nas bolas de longe que fizeram o Matt Bonner ser mais usado que o Tiago Splitter durante todo o ano, por exemplo.

O discurso do Popovich e dos jogadores nunca mudou, eles sempre disseram que queriam voltar a ser um time defensivo, mas na prática não mudaram muita coisa, preferiram seguir com esse plano estranho que estava garantindo uma vitória atrás da outra na temporada regular. Eles falharam em perceber alguns sinais importantes, porém, como alguns jogos contra o Lakers e o próprio Grizzlies em que foram engolidos vivos pelos fortes garrafões das duas equipes. Claro que venceram jogos contra eles também, mas ficou bem claro que quando eles enfrentavam um garrafão alto e em boa forma, não sabiam como responder defensivamente e precisavam de dias inspirados nas bolas de três para vencer. E, como todo mundo no mundo do basquete sabe, nada é tão perigoso quanto depender dessas bolas de longa distância, é a bola mais irregular e imprevisível do basquete, uma temporada pode ir para o ralo em um dia ruim.

O Grizzlies provavelmente sabia disso. Perdeu alguns jogos bobos no final da temporada regular quando poderia avançar até a 6ª posição no Oeste e deu a impressão (que eles negam) de que estavam escolhendo enfrentar o Spurs. Verdade ou não a gente nunca vai saber, mas se foi intencional, foi inteligente. Na temporada regular eles fizeram jogo duro para o Spurs e têm as qualidades que mais os incomodam, a começar pela dupla de garrafão mais entrosada da NBA com Zach Randolph e Marc Gasol. Sim, o outro Gasol e o Andrew Bynum são do caralho e Serge Ibaka e Kendrick Perkins são a perfeita combinação na defesa, mas atualmente ninguém é páreo para o entrosamento da dupla do Memphis. Eles executam muitas jogadas um com o outro, ambos passam bem a bola e ainda são potências nos rebotes de ataque.

Como o Spurs usa muito o Tim Duncan no ataque, principalmente fazendo a maioria dos bloqueios e corta-luzes dos pick-and-rolls, que são responsáveis por 27% das ações ofensivas do Spurs (disparado a jogada mais usada por eles), eles liberaram o TD do fardo físico e perigoso, pelas faltas, que é marcar o Zach Randolph. Isso resultou num banho do Z-Bo para cima do Antonio McDyess e, principalmente, do Matt Bonner. Aliás, parece uma ordem bem clara do técnico Lionel Hollins para os seus jogadores: se Bonner está em quadra a jogada é simplesmente acionar quem está sendo marcado por ele, sucesso garantido.

Isso obriga Popovich a usar menos o Bonner e no lugar dele não pode colocar uma escalação mais baixa, que também seria explorada do mesmo jeito pelo garrafão forte do Grizzlies, então tem que colocar o McDyess e, nos últimos jogos, Tiago Splitter. O DeJuan Blair, titular durante muito tempo, é solenemente ignorado e não me pergunte o motivo. Todas essas opções, mesmo quando McDyess e Splitter jogam decentemente, não são o bastante para vencer a disputa no garrafão e ainda tiram as bolas de três do Spurs. O Spurs não tem opção, é na defesa que o Grizzlies está vencendo essa série.

O ótimo site NBA Playbook fez um post só para explicar como o Grizzlies está parando o ataque do time de Popovich. A principal estratégia está em limitar as bolas de três pontos ao mesmo tempo que não abrem um corredor para infiltrações. Na jogada que ele dá de exemplo abaixo, a ajuda fecha a infiltração de Parker mas sem que ele tenha espaço para tocar para Bonner nos três pontos, resta um arremesso longo de dois para Tim Duncan. E nem é da posição onde ele pode usar a tabelinha.

Vale reforçar também o empenho com que todo mundo no Grizzlies está correndo em toda santa posse de bola para cobrir as opções mais óbvias de passe depois de cada corta que o Spurs faz. É um trabalho digno de defesa do Celtics. Em muitas vezes eles sabem onde dobrar, onde ajudar e o cara que fica livre é sempre o mais distante da bola, obrigando o Spurs a passes complicados, longos ou infiltrações em um garrafão congestionado. Outra decisão importante está em tirar o arremesso da zona morta; se deixam alguém livre de três, não é lá. É o arremesso favorito do Spurs, tentavam 8 desses por jogo na temporada regular, e agora estão tentando só metade e sempre marcados. A bola na zona morta era a válvula de escape deles e não está funcionando. Para compensar o Spurs precisa  passar mais a bola no perímetro e forçar jogadas individuais, deixando aparecer ainda mais as qualidades defensivas de Shane Battier, Tony Allen e as mãos rápidas do Mike Conley para interceptar passes. É simplesmente um massacre! Pode-se dizer que o Lionel Hollins era um stalker do Spurs e sabe todas as qualidades, defeitos, desejos, medos e comida favorita do seu adversário.

Se essa série já não está morta e enterrada é porque o Spurs tem a mão certeira de Gary Neal e o Grizzlies também tem os seus defeitos. Quando Zach Randolph está no banco eles não tem alguém que pode criar o seu próprio arremesso do nada diante de uma defesa mais forte, Tony Allen é um dos piores arremessadores da NBA e OJ Mayo compromete na defesa. E embora o Randolph esteja dando conta do recado na hora de arremessar bolas decisivas, às vezes é difícil passar a bola lá pra dentro do garrafão, nessas horas faz falta o Rudy Gay para receber a bola mais longe da cesta e criar alguma jogada.

Mas defeitos a parte, o Grizzlies é o melhor time da série e quem dominou todos os jogos. Se tiverem a cabeça no lugar e não ficarem lamentando a classificação que escorregou por entre os dedos devem fechar a série já na próxima partida. Não dá pra cravar isso porque séries longas de playoff são interessantes pelos ajustes que cada técnico faz para resolver os problemas, mas o negócio é que tenho a pequena impressão de que o Popovich não sabe mais o que tentar para sair das armadilhas do Grizzlies.

Abaixo, o arremesso insano em uma jogada desastrada do Manu Ginobili, que cortou a diferença para um ponto, e depois a bola de três salvadora do Gary Neal. E vale uma nota para algo impressionante: Foi dito pelo próprio elenco do Spurs depois do jogo que a jogada final foi mesmo desenhada para o Neal, não era segunda ou terceira opção. O novato disse que a sensação foi ótima de ouvir as instruções e ver que ninguém nem por um segundo questionou a decisão do treinador de colocar toda a temporada nas mãos de um novato que nem foi draftado. Sangue frio e obediência ao treinador, talvez o Spurs ainda tenha um pouco do velho Spurs escondido lá no fundo.

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