>Dos arremessos de três

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Kobe Bryant resolveu ser o melhor pivô do Oeste, só porque ele pode

A pirralhada resolveu, nessa temporada, provar que sabe arremessar de três pontos. É uma série de caras novas, a maioria ainda cheia de espinhas, ganhando a vida bem longe do garrafão. O Danilo Gallinari, por exemplo, que é o líder em bolas de três convertidas por partida, tenta mais de 7 bolas de longa distância por jogo. Dois terços dos arremessos que ele deu até agora foram bolas de três, o que constitui uma fobia de garrafão tão grande que o Rasheed Wallace fica até parecendo um sujeito normal. Sorte do Gallinari que ele joga no Knicks, onde fazer uma bandeja dá prisão perpétua (no Warriors dá cadeira elétrica), porque se ele jogasse no Spurs já estaria esquentando banco.

A lista de bolas de três pontos convertidas por jogo tem, além do Danilo liderando a parada, uma renca de outros garotinhos sem pêlos no saco, como Channing Frye, Brandon Jennings (o novato dos 55 pontos), Eric Gordon e o Ryan Anderson, que substituiu o Rashard Lewis (suspenso no exame anti-doping) tão bem, mas tão bem, que já já vão ter que obrigar ele a mijar num potinho.

Na lista de bolas de três pontos convertidas na temporada, o líder é o Channing Frye, seguido pelo Gallinari. Ou seja, a criançada está realmente convertendo os arremessos de fora. As duas listas se complementam para afirmar essas caras novas, mas também para indicar quais times estão mais focados nos arremessos de três.

Além do Frye, o Jason Richardson aparece entre os que mais convertem arremessos de três por partida. O resultado é que o Suns é o time que mais chuta de longe e tem o melhor aproveitamento. É uma volta aos bons e velhos tempos de correria, pontuação alta, bilhões de assistências e bolas de três pontos. Talvez o plano do Suns tenha sido fingir que estavam enterrando a tática do “run and gun” até o Spurs começar a feder, para só então retomar a estratégia e tentar ganhar um anel. Pode até dar certo, e nós que acreditamos no Papai Noel e na virgindade da Sandy botamos uma fé no Suns, mas se eles passarem de uma defesa como a do Celtics eu sou um mico de circo. Ainda assim, esse Suns parece um tanto mais voltado para os arremessos de fora do que aquele que conhecíamos. Se não bastasse até jogador da safra “figurante do Chaves no episódio do suco de tamarindo” acertar as bolas de três, como é o caso do Jared Dudley, o pivô da equipe agora também chuta de longe e está no topo das listas que citamos. Ninguém acreditava muito no Frye, alertamos aqui antes da temporada começar que essa seria sua última chance na NBA, mas ele alterou seu estilo de jogo para casar perfeitamente com o Suns e está sendo uma grata surpresa. Se ele for pro campeonato de três pontos do All-Star Game vai ser hilário e poderemos acrescentar o rapaz para a lista de jogadores bons que o Knicks tinha mas trocou por pipoca.

Continuando na lista de bolas de três pontos convertidas na temporada, o terceiro lugar pertence ao Trevor Ariza, enquanto o sexto lugar é do Aaron Brooks. A sensacional lógica matemática do “Instituto 8 ou 80 de Estatísticas Bola Presa” aponta, então, que o Houston arremessa de três pra caralho. Nenhum dos dois está tendo uma temporada espetacular, são muito inconsistentes, as bolas volta e meia não caem, mas o trabalho em conjunto da equipe segura as pontas quando alguém está fedendo e isso permite que todo mundo possa continuar chutando de fora sempre que surgir a oportunidade. Isso é acreditar no sistema, saber que você faz o seu papel mesmo quando não funciona, e que os companheiros de equipe fazem o papel deles e concertam se tudo o mais der errado.

Mas nada se compara com o Cavs. Assim como o Suns, o time de LeBron está acertando acima de 46% dos seus arremessos de três pontos na temporada, o que é débil mental. O bizarro é que na lista de arremessos de fora convertidos na temporada, o Mo Williams figura em quarto e o Anthony Parker em sexto, o que significa que eles arremessam pra burro. Como dá pra manter uma porcentagem tão grande de aproveitamento se os dois arremessam tanto? Ainda mais quando sabemos que o Mo Williams não tem qualquer critério para arremessar e que para ele o conceito de “estar livre” significa estar sendo marcado por menos de 7 pessoas. O motivo para o alto aproveitamento da equipe está justamente nas mãos desses dois: Mo Williams está convertendo 51% das bolas de fora, enquanto o Anthony Parker acerta surreais 57%! Tudo bem, o Cavs está meio capenga, o Shaq pode não ter casado muito bem com a equipe, mas o Anthony Parker foi uma sacada de mestre! Com o Delonte West fora com seus problemas de depressão, Parker está convertendo os arremessos, abusando do espaço que surge das marcações duplas no LeBron e até fingindo que defende. E quando o Mo Williams está acertando os arremessos, o Cavs é simplesmente imbatível porque o LeBron pode deitar e rolar com o espaço criado no perímetro. Mesmo que contratar o Shaq tenha sido uma decisão um pouco “água na Carol“, o perímetro do Cavs tem tudo para fazer o mundo esquecer do garrafão, basta manter esse ritmo. O engraçado é que o ritmo é tão bizarro que o Mo Williams está acertando mais as suas bolas de três do que as suas bolas de dois pontos, então não tem motivo para parar de arremessar. É bem capaz dele ficar livre no garrafão e preferir dar um passinho para trás antes da tentativa.

Mas há um jogador na NBA fazendo o caminho contrário. Enquanto a pirralhada arremessa cada vez mais de três pontos, enquanto vários times passam a se focar nesse aspecto do jogo depois que o Orlando Magic provou na temporada passada que era possível chegar longe nos playoffs assim, um jogador está aos poucos abandonando os arremessos de três que sempre lhe foram tão úteis. Trata-se de Kobe Bryant.

Foi assim, sem alarde, sem aviso, tipo a Britney Spears ficando gorda. De uma temporada para a outra, Kobe simplesmente decidiu que seu jogo no perímetro era coisa do passado e que a moda agora era namorar pelado. Nos 19 jogos até agora, contando também os de pré-temporada, Kobe passou quatro partidas sem arremessar uma única bolinha de três. Em outras duas ocasiões, arremessou apenas uma bola.

Pode parecer pouco, foram apenas seis partidas, mas se a gente comparar com o Kobe de antes, vemos o quanto isso é absurdo. Durante toda a temporada passada e mais os playoffs, não houve um único jogo em que Kobe não chutasse de três pontos. Na verdade, durante todas essas partidas ele arremessou apenas uma bolinha de três durante um jogo em 8 partidas apenas, mantendo uma média de mais de 4 arremessos de três pontos na temporada. Esse ano o número caiu pela metade e em algumas ocasiões ele nem se dá ao trabalho de tentar qualquer coisa no perímetro. Gregor Sansa acordou um dia depois de sonhos intranquilos, no livro “Metamorfose”, e havia se tornado um enorme inseto. O Kobe Bryant acordou um dia depois de sonhos intranquilos e tinha se tornado o melhor jogador de garrafão do planeta. É como se ele simplesmente tivesse decidido, de uma hora para a outra, que seria um ala de força. O único indicio que tínhamos disso está no vídeo abaixo, em que Kobe treina com Hakeem Olajuwon durante suas férias:

Foram apenas duas horas de treino com um dos melhores pivôs de todos os tempos aprendendo uns macetes, que o próprio Hakeem disse que se encaixariam perfeitamente bem no jogo do armador do Lakers. A gente sabe que o Kobe é um nerd de basquete que estuda o jogo profundamente e que aprende muito rápido os movimentos que ele disseca nos treinos, mas virar um jogador monstruoso de garrafão nessa velocidade é débil mental. O LeBron James pode evoluir mais rápido do que Pokémon, mas ninguém estuda o jogo e evoluiu tecnicamente tão rápido quanto Kobe Bryant. Fico imaginando ele na Matrix dizendo “operador, me carrega um programa de pilotar helicópteros”, porque pela velocidade que ele aprende parece que é exatamente assim que funciona.

Cada vez mais dentro do garrafão, jogando de costas para a cesta, Kobe está desfilando um arsenal de giros, ganchos, bandejas fáceis. Está dando dor de cabeça para os marcadores gigantes, cobrando mais lances livres do que nunca, pontuando mais. E o mais importante: se antes ele criava o próprio arremesso, mantendo a bola nas mãos por muito tempo, agora mais da metade de seus pontos saem de assistências dos outros jogadores do Lakers, porque ele está no garrafão pedindo a bola para finalizar. O time está mais envolvido no ataque e assim não percebe a falta de Pau Gasol no garrafão. Aliás, o líder em pontos no garrafão nessa temporada é exatamente Kobe Bryant. O segundo colocado? É Andrew Bynum, que aos pouquinhos está se tornando o melhor pivô do Oeste – se a gente não contar o Kobe, claro. Algumas derrotas aparecem, mas ninguém está percebendo que o Gasol ainda está fora. Ron Artest está jogando mais no perímetro, iniciando as jogadas, mas ele também pode jogar no garrafão se quiser (onde ele até rende melhor) e o Lakers pode virar uma máquina embaixo da cesta.

Muito se fala sobre a evolução do jogo de Michael Jordan, que com o passar dos anos foi marcando cada vez menos pontos no garrafão, cobrando menos lances livres, e arremessando mais de longa distância. Foi uma evolução inteligente que protegeu o corpo de Jordan e que foi tornando-se mais praticável conforme seus arremessos foram ficando mais e mais mortais. Kobe parece estar fazendo o caminho inverso, afastando-se da rota estabelecida pelo seu ídolo. Já faz um tempo que o Kobe está na elite dos arremessadores da NBA, convertendo arremessos de qualquer lugar da quadra. A decisão de se aproximar da cesta parece simplesmente primar pelo aproveitamento, pela vantagem que ele pode tirar de seus defensores maiores e mais lentos. É a conclusão de alguém que estudou, tentou, assistiu, praticou, e parece ter percebido que sua contribuição é maior quando pertinho do aro. A marcação que ele exige abre o perímetro para os companheiros da equipe, ele troca de função no triângulo tático do Lakers garantindo que o esquema não fique batido, não precisa trazer a bola para o ataque e armar as jogadas, e tira proveito de uma técnica primorosa que nenhum outro jogador de garrafão da atualidade parece ter. É como se ele percebesse que todo mundo nesse trabalho fede e que, então, ele pode fazer melhor e ganhar uma vantagem. Em terra de cego, o Kobe tem os dois olhos e pode passar a mão em quem quiser.

Quando Gasol voltar à equipe, talvez Kobe passe a variar mais seu posicionamente em quadra, para não criar uma redundância no triângulo ofensivo. Ainda assim, sua decisão pela eficiência apresentada pelo jogo de garrafão deve perdurar um bocado. Não há sequer sinal de que esteja sendo prejudicial para seu físico, já que tanto do que ele faz é baseado em habilidade, movimentos precisos e inteligência. Quando ele começar a apanhar demais, quando virar um saco de pancadas tipo o Allen Iverson nos tempos de Sixers (vamos esperar para ver se o Iverson ainda vai ser um saco de pancadas em algum outro time, agora que o Grizzlies e ele romperam o contrato), então Kobe poderá voltar ao perímetro como sempre fez.

Esse passo para longe de Michael Jordan, essa decisão oposta ao jogo do maior de todos os tempos, me deixa simplesmente eufórico. Num esporte em que há tanta comparação, em que os caminhos parecem já ditados e os jogadores têm pouco espaço para suas vozes particulares, Kobe encontrou sua própria trilha e está tendo um sucesso absurdo com ela. Ele não é uma cópia, um jogador genérico. Ele é nerd, estudioso, criativo, inovador e corajoso. Seu passo para longe de Michael Jordan, portanto, está fazendo justamente o contrário: trazendo Kobe para perto de Jordan – não no estilo de jogo, mas no palco dos maiores de todos os tempos.

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