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Nessa série de artigos sobre os draftados em 2003 estamos analisando jogador a jogador em busca dos erros e dos acertos de cada time, vendo como cada um se saiu e rindo descaradamente de algumas equipes que nunca sabem o que estão fazendo.
Se você não acompanhou os posts anteriores porque tinha algo melhor pra fazer da vida, ou se acompanhou mas tem menos memória do que time que contrata o Marbury, leia a primeira parte, em que vimos LeBron, Carmelo e Wade chutando uns traseirois; e depois a segunda parte, em que Reece Gaines e Troy Bell formam uma das piores duplas da história dos drafts.
Agora, na sequência, veremos as últimas escolhas do primeiro round. Prepara-se para um certo brasileiro que deixou muito time arrependido…
21 – Boris Diaw (Atlanta Hawks)
Taí um dos jogadores, pra mim, mais misteriosos da NBA. Foi draftado para ser armador principal no Hawks. Mostrou sinais de talento mas nunca nada muito espetacular. Lembro de ler um punhado de videntes dizendo que o Diaw ainda seria um belo jogador, que ele tinha muito potencial e seria um grande armador. No Hawks não deu certo mas também, até uns dois meses atrás, coisa nenhuma dava certo por lá. Quem salvou a carreira do Diaw, portanto, foi o Joe Johnson. Ele era um arremessador carregador-de-piano buxa-de-canhão no esquema do Suns que acabou acertando mais arremessos do que se esperava. Jogou bem demais, deixou muita gente impressionada, aprendeu até a armar o jogo quando o Nash sentava, e aí de repente ele decidiu que com o fim do contrato queria ir liderar alguma equipe. Algum maluco obviamente ia apostar no garoto mas o Hawks chutou o balde acertando com ele um contrato surrealmente enorme. Para não sair de mãos abanando, o Suns arrumou um sign-and-trade e aí, em troca do JJ, recebeu o potencial mal aproveitado do Diaw (e mais duas futuras escolhas de draft).
O Suns tentou o francês na armação. Não deu muito certo. Aí tentaram ele de ala, onde a produção aumentou um pouco. Uma hora, resolveram arriscar como ala-pivô, causando um aumento ainda maior em seus números. E então o Amaré machucou, o Suns pra variar não tinha ninguém para colocar no lugar, e alguma mente insana propôs: “o Diaw já jogou em tudo quanto é posição, coloca ele de pivô também só pela piada.” Não sei se foi assim mas é a única hipótese plausível para um armador de 2,03 metros ir parar na posição de pivô. E como esse Universo tem um senso de humor muito bizarro, foi justamente aí que Diaw floresceu. Marcar pivôs quinhentas vezes maiores que ele era moleza, ele jogava de costas para cesta, chutava de longe, passava a bola no garrafão com habilidade, e aí ganhou o prêmio de Most Improved Player, o jogador que mais evoluiu no ano. (valeu pela correção, “eumesmo”!)
Desde então é só ladeira abaixo para o francês. Alguns dizem que ele se nega a treinar ao fim da temporada e fica completamente fora de forma, outros dizem que os Monstars foram vistos conversando com o Diaw e o Pernalonga. Mas o motivo mais esquisito e justamente por isso mais possível é a volta do Amaré. Sem jogar como pivô, o armador Diaw nunca mais foi o mesmo. Ainda assim, espero que ele ganhe um anel com o Suns o mais rápido possível: seria trágico o time mais divertido da década virar farofa sem ter ganhado nada. Aí é que só vai ter retranca na NBA mesmo…
22 – Zoran Planinic (New Jersey Nets)
Um daqueles jogadores absurdamente talentosos no basquete internacional, inteligentes, com fundamentos até pra lavar as mãos, mas que sabe-se lá porque simplesmente fedem na NBA, nunca têm nenhuma oportunidade e voltam para seus países de língua esquisita e basquete arrumadinho antes que sequer consigamos decorar seus nomes bizarros. Planinic, Jasikevicius, Spanoulis e até o Esteban Batista entram nesse grupo, e eu morro de curiosidade para saber o que há de tão errado com eles fora o fato de que alguns não devem tomar banho, afinal lá na Europa é bem frio.
Seja qual for a razão, o Planinic assistiu muito o Kidd jogar, ganhou uma grana, sentiu o fedor da cidade de New Jersey por vários anos e aí voltou pra Europa sem que nenhum time mostrasse interesse e sem que qualquer um no Nets percebesse. Devem ter notado um armário vazio no vestiário mas duvido que alguém se lembrasse de quem era.
23 – Travis Outlaw (Portland Trail Blazers)
Não importa o que aconteça com o planeta Terra e quantos times da NBA se afundem irremediavelmente, escolhas como essa continuarão acontecendo nas noites de draft. O Outlaw é mais um daqueles jogadores que não tem coordenação para usar um garfo e uma faca, mas não precisa: ele quebra cocos com a cabeça, pula para a estratosfera e engole gaivotas, faz duzentas mil flexões de braço quando está entediado e quebra tabelas durante suas noites de sonambulismo. Tipos assim podem destruir a NBA inteira com um braço só, enterrando na cabeça de quem vier, como foi o caso do Dwight Howard, ou podem se transformar em Kwame Browns e Marcus Fizers. Ou seja, podem salvar um time ou levá-los para o buraco de vez. Em geral, deviam ser escolhas a serem evitadas. O Josh Howard tinha chutado vários traseiros no basquete universitário mas tinham dúvidas sobre o rendimento dele na NBA, então preferem apostar num cara que não sabe nem qual é a mão direita mas consegue enterrar do meio da quadra.
Nesse caso em particular, pra quem tem muita paciência, até que deu certo. O Travis Outlaw finalmente começou a colocar seu potencial em ação nessa temporada e é parte fundamental na campanha história do Blazers até agora. Mas e se tivesse dado errado?
24 – Brian Cook (Los Angeles Lakers)
O David West está lá, com seus quase 20 pontos e 10 rebotes de média por jogo, e chega a ser engraçado pensar que o Hornets cogitou pegar o Cook em seu lugar. Com tanta falação sobre o Cook, um ala-pivô forte e que sabia arremessar de 3 pontos com precisão, fica difícil crucificar o Lakers por essa. O que acontece é que todos os defeitos do Cook já eram conhecidos (defesa, falta de critério no arremesso, incapacidade de proteger a bola) mas ele simplesmente não conseguiu progresso em nenhum desses quesitos. Diz a lenda que ele treina tanto quanto o Romário, o que é sempre um problema quando você tem o talento de um biscoito. Pelo menos para os fãs do Lakers, ele conseguiu ser trocado pelo Trevor Ariza, que trouxe atleticismo e um novo ritmo ao time de Los Angeles. Enquanto isso, o Cook ainda não foi aproveitado em Orlando. A essa altura, já devem ter percebido que ele não presta.
25 – Carlos Delfino (Detroit Pistons)
O Pistons campeão tinha talento demais no time, era apelação tipo bater em quem tá tonto no Street Fighter. Carlos Delfino e até o próprio Darko sofreram um bocado com a falta de espaço num time que transpirava talento pelos poros. O Delfino é talentoso mas inconstante, nunca foi nem será um Ginobili da vida mas no dia certo ele pode fazer boas imitações de seu compatriota narigudo. Em Detroit as oportunidades foram escassas, mas o potencial estava lá e foi o bastante para chamar a atenção do Raptors que, no momento, estava interessado em montar um time com jogadores de todo o globo, talvez pra ganhar mais dinheiro exportando camisetas. O Delfino é um bom reserva e seu estilo se encaixa milhões de vezes melhor no Raptors do que se encaixava no Pistons. Ele nasceu para uma correria maluca e criatividade desesperada que em geral saem do controle. Mas tem seu espaço, seus minutos, e o Raptors pode muito bem chegar longe nos playoffs graças a uma profunidade no banco que muitos ignoram só porque eles são um time do Canadá e deveriam estar jogando hóquei ou sendo guardas florestais.
26 – Ndudi Ebi (Minessota Timberwolves)
Levante a mão quem se lembrava que ele existia ou sequer havia ouvido seu nome antes. Ninguém? Foi o que eu pensei. A história do Ndudi é um bocado triste e começa na escola com seus coleguinhas zoando seu nome. No basquete universitário deixou todo mundo de queixo caído: jogava dentro e fora do garrafão em qualquer posição, era físico e com bom arremesso, mas sem o entendimento do jogo, incapaz de tomar decisões em quadra, um talento bruto sem qualquer experiência. Mas o talento foi o bastante para que o considerassem a próxima grande coisa da NBA depois de LeBron James. É muito divertido pensar que já estivessem pensando no “próximo LeBron James” antes mesmo do LeBron ter sequer sido draftado.
Aí o “próximo LeBron” ouviu os caras errados e resolveu ir pra NBA de uma vez ao invés de ganhar experiência na universidade. A pior coisa que pode acontecer para um moleque dessa idade é ele se apaixonar por si mesmo. O fedelho se achava a última bolacha do pacote, entrou no draft, mostrou-se incapaz de jogar no nível da NBA imediatamente e no entanto se negou a ir para a Liga de Desenvolvimento porque se dizia “bom demais”. Depois de dois anos sem mostrar sinais de que poderia jogar no próximo nível, e sem poder mandá-lo jogar na D-League para ganhar alguma condição de jogo, o Wolves resolveu que era melhor ir assistir o filme do Pelé. Resultado: alguém ouviu falar de algum time que tenha resolvido apostar no Ndudi depois disso? Nem eu.
O mais triste, pra mim que sou fã do Kevin Garnett, é que o Wolves passou 3 anos punido pela Liga sem escolhas de draft no primeiro round e, quando eles finalmente puderam escolher, pegaram um cara que jogou meia dúzia de partidas em dois anos. E ainda tem uns manés que dizem que o Wolves perdia por culpa do KG. Sei.
27 – Kendrick Perkins (Memphis Grizzlies)
O Perkins foi para o Celtics na noite do draft, trocado junto com o Marcus Banks por Troy “Zé Ninguém” Bell e Dahntay “Só enterro” Jones. Diz a lenda que a troca tinha a simples intenção de adquirir o Perkins e apostar nele para ser o pivô do futuro do Celtics. Na época, a vaga era do Marc Blount, um pivô que gosta de arremessar e odeia coisas como correr, andar, levantar os braços e defender. Era justamente o potencial defensivo do Perkins que impressionava o Celtics e rapidinho ele já era titular gerando climas desconfortáveis com o Blount, que acabou sendo mandado para empilhar coquinho na descida. É óbvio que não demorou para ficar claro que o Perkins era tão atlético quanto a Dercy Gonçalves e não era lá essas coisas na defesa. O irônico é que eles acertaram: o Perkins realmente é o pivô do futuro do Celtics porque só sobrou ele por lá e se não tem ninguém, vai tu mesmo. E o Perkins pode estar ganhando um anel de campeão daqui pouco tempo para mascarar sua falta de talento.
28 – Leandro Barbosa (San Antonio Spurs)
Todo mundo sabe que eu acho o Spurs um porre, mas se tem uma coisa que os safados sabem fazer é draftar. Eles simplesmente escolhem aqueles valores internacionais que ninguém mais notou e é batata, os caras sempre são bons. O Spurs draftou Parker, Ginobili, Oberto, Scola, Beno Udrih, Leandrinho e agora o Splitter. O único problema é que eles não são fãs de manter esses jogadores (coisa de time que já está montado) e se livram desse monte de talento por preço de banana. O Leandrinho foi trocado por uma escolha de draft na mesma noite porque o Suns achou que a correria do brasileiro se encaixaria bem por lá, o que acabou resultando no prêmio de Sexto Homem do Ano na temporada passada. O Udrih foi trocado por dinheiro e agora destrói no Kings. O Scola foi trocado por uma lapiseira 0.5 e agora está lá fracassando no Houston, mas a gente sabe que ele é bom.
Ser mandado para o Suns foi a melhor coisa que poderia ter acontecido com o Leandrinho. No Spurs ele seria obrigado a se tornar um robozinho e seguir o técnico Popovich, coisa que o Barbosa não é lá muito excepional em fazer. Quer matar o Leandrinho, basta colocar ele num ataque de meia quadra. Quer matar o Popovich, basta colocar outro jogador que corra muito e pense pouco para arremessar no time dele. Então ir para o Suns foi perfeito para a saúde de ambas as partes.
Sei que tem um monte de brasileiros que queriam o Leandrinho titular em outras equipes, liderando times e tendo médias de 60 pontos por jogo. Mas, ainda que eu seja fã dele, tenho que admitir que não consigo pensar em muitos times em que o Leandrinho se encaixaria. Jogar meia quadra corta bastante sua produção, minimiza sua maior qualidade que é a velocidade, e armar o jogo e defender sempre foram suas maiores deficiências. Então coloque-o no Spurs ou no Pistons e assista enquanto o Barbosa apodrece no banco e comete suicídio se enforcando com o cadarço. Para ele, os times ideais seriam Warriors, Raptors, Sonics, e acho que só nesse último ele teria chances de ser titular. No Suns ele tem chances de vir do banco, se focar no ataque e correr como um desesperado, e ganhar um anel. Não poderia estar melhor.
O potencial do “Brazilian Blur” é gigantesco e o prêmio de Sexto Homem do Ano, esperamos, foi apenas o começo. Ele ainda será cotado entre os melhores armadores da NBA e, quem sabe, até jogue um All-Star Game. Mas eu volto a bater na tecla de que ele deve merecer chegar lá, deve provar que é melhor ou mais divertido, não que é “mais brasileiro”. Ninguém merece votos no All-Star por ser mais brasileiro, ou mais chinês, ou mais argentino, e não me interessa se o resto do mundo está votando em seus compatriotas e sendo ridículo!
Toda vez que saem os resultados parciais para o All-Star Game eu fico com vergonha pelos chineses. O Yi Jianlian está em quinto lugar nos alas do Leste e ele sequer está na lista para votação! Os chineses simplesmente não sabem brincar, não tem nada mais ridículo do que votar num cara que tem 12 pontos por jogo só porque ele nasceu no seu país. Eu olho a lista e fico constrangido, de verdade. O mundo inteiro fica assistindo os chineses serem ridículos. Imagino a cara que o Yi faz quando vê os resultados da votação. Tenho certeza que, ao invés de ficar feliz, ele deve ficar vermelho e rezar baixinho para nunca ter que ir para um All-Star ser assistido pelo mundo todo tendo média de 12 pontos com cada torcedor sabendo que ele só está lá porque tem os olhos puxados e um bando de chinês parou de jogar Ragnarok para votar nele. É com isso em mente que torço para que o Leandrinho vá porque ele comanda, porque ele é memorável, não porque nasceu na terra da caipirinha. Pior ainda seria o Nenê ganhando uns milhões de votos, já pensou que vergonha ele sendo titular de um All-Star? Toda a brincadeira vai pelo ralo e seria melhor cancelar a partida do All-Star e todo mundo ao redor do globo ir jogar gamão com o vovô.
29 – Josh Howard (Dallas Mavericks)
Ah, o Josh Howard. Estava esperando ancioso por ele. Ele é o Reece Gaines do Mundo Bizarro: um cara que sabe fazer absolutamente de tudo em quadra mas não é especialista em nada. Só que o Gaines era um lixo e desapareceu, enquanto o Howard é genial.
O Josh Howard sempre vai simbolizar para mim o absurdo do draft da NBA. Tem um cara lá no universitário cheio de fundamento, faz de tudo, arremessa, defende, passa a bola, é atlético, se destaca em sua equipe e você está lá assistindo seus jogos e avaliando seu rendimento todos os dias. Mas ao invés de draftá-lo, você prefere escolher um estrangeiro maluco que dizem ser o próximo Dirk, um chinês que ninguém nem sabe quantos anos tem, um adolescente direto do colegial que, diz a lenda, engole espadas pegando fogo? A gente acha que o draft é cheio de ponderação e análises detalhadas mas parece que todo mundo gosta mesmo é de chutar. Os jogadores comprovados, como Josh Howard e David West, vão ficando de lado porque todo mundo quer arriscar aquele cara meia-boca que um dia pode ser o novo Jordan. É tudo pelo potencial, e aí os caras que sabem jogar basquete agora e não são nem serão o Jordan ficam de escanteio.
Times que querem arriscar demais draftam o Kwame Brown na 1a escolha, às vezes. Times que são inteligentes e draftam jogadores prontos para contribuir acabam se dando muito melhor. Como seria a NBA hoje se qualquer um dos times anteriores tivesse draftado o Josh? O Wolves teria feito estrago nos playoffs com Garnett e Josh Howard ao invés do Ndedi sentado no banco? Como seria o Josh Howard jogando ao lado de Kobe Bryant? Como seria ele nesse Blazers de hoje?
Sou um baita fã do Josh Howard e é impossível não ser fã do Dallas simplesmente por draftá-lo. Hoje em dia é preciso ser uma franquia de muita coragem para nadar contra a maré e aceitar draftar um cara bom que nunca será absurdamente espetacular. Draftar um cara bom é sinal de coragem. Baita mundo estranho esse.
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Na futura última parte desse artigo (eu juro que será a última, eu juro!) , menções às escolhas da segunda rodada que deram certo, e algumas que não deram mas renderam boas histórias. Além disso, como seria o draft se fosse refeito nesse momento? Em que posição o Josh Howard seria escolhido? Faça a sua lista, poste nos comentários, e compararemos no próximo post. Até lá!