Artest e Rasheed saem na unha pelo posto de mascote do Bola Presa
Quem acompanha o Bola Presa desde o comecinho sabe quais são os jogadores que mais nos rendem posts exclusivos: Yao Ming, no meu Houston, pelo seu fardo de carregar a cultura chinesa; e Kobe Bryant, no Lakers do Denis, pela sua paixão pelo basquete que chega ao ponto da nerdisse. Fica parecendo que escrevemos mais sobre os jogadores dos nossos times, mas no fundo é só acaso. Curiosamente, quem lidera nossa lista de posts individuais é, na verdade, Ron Artest – que jogava no Kings quando começamos a maratona de posts a seu respeito e que, ironia do destino, foi depois jogar no Houston e agora no Lakers. Damos sorte com nossos jogadores favoritos.
Ron Artest sempre foi, ao lado de Rasheed Wallace, um dos mascotes do Bola Presa. O Sheed estampou nosso primeiro template do blog e dá as caras na camiseta que fizemos do Bola Presa – que em breve devemos disponibilizar por aqui. Sua lendária coletiva de imprensa, em que respondeu a todas as perguntas com a frase “os dois times jogaram duro” porque estava sem saco, deu nome à nossa coluna com respostas para as perguntas dos leitores, entitulada “Both Teams Played Hard“. Uma foto do Sheed ilustrava cada coluna, e ele continua estampado no nosso formspring, que segue respondendo às questões dos leitores e virou um sucesso absoluto (são mais de 3000 perguntas recebidas nesses 4 meses de existência). Além disso, o Sheed foi o tema de uma das pouquíssimas matérias gringas que traduzimos, um texto sobre sua inteligência trabalhar contra ele dentro de quadra – aliás, vale a leitura, são linhas espetaculares.
Ron Artest não ilustra templates ou camisetas por aqui, mas ganhou uma série de posts: primeiro quando mandou beijinhos para a torcida ao enfrentar o Pistons pela primeira vez desde que fora suspenso contra a equipe, depois quando passou um jogo inteiro se pegando com o Matt Harpring. Escrevemos quando ele bateu boca com o Kobe Bryant um jogo inteiro, colocando também uma entrevista em que Artest mostra todo o carinho e admiração que tem por Kobe. Listamos uma série de histórias sobre ele, da ligação para o torcedor que lhe tacou uma cerveja na cabeça à sua promessa ao Kobe, depois de invadir seu vestiário, de que um dia jogaria no Lakers para lhe ajudar a ganhar um título. Temos também dois posts curtos, um com o vídeo do Artest arremessando o tênis do Ariza e outro com sua aparição, de cuecas, num programa de televisão – admitindo ser formado em Matemática.
Nosso carinho pelos dois tem razões óbvias: além de serem jogadores engraçados e bem-humorados, coisa fundamental para os palhacinhos aqui do Bola Presa, também são jogadores humanos, emotivos, reais, dispostos a se expressar abertamente dentro de uma NBA que cada vez mais tenta sumir com as emoções e as opiniões através de multas, punições e suspensões (e que nessas finais apita falta até em que coça o nariz). Rasheed Wallace ainda lidera a NBA em faltas técnicas, mesmo com os minutos tão reduzidos, e Artest ainda arremessa bolas que não fazem nenhum sentido, deixando Kobe maluco, apenas para provar alguma coisa que está ali na cabeça dele.
O principal medo dos torcedores do Lakers quando Artest chegou à equipe era ele acabar com a química do time, dar uma de maluco, começar alguma pancadaria, arriar as calça do Paul Pierce. Medo real, mas desnecessário. Artest entendeu desde o primeiro segundo que o time não era dele, que sua função era defensiva, e que o Kobe estava de olho em tudo que ele fazia. A graça, no entanto, está no fato de que o Artest é de verdade e se diverte em quadra. Adora jogar fisicamente e quando topam a brincadeira, quando ele pode trombar no garrafão, se engalfinhar com alguém, roubar uma bola na raça ou dar um toco na base da força, seus pulos de alegria e socos no ar são um raro toque de energia em um elenco famoso por ser técnico demais, o magrelo nerd da classe. O que não falta para o Lakers são jogadores inteligentes, táticos, com habilidade apurada. Gasol é sem dúvidas o homem de garrafão mais técnico da NBA no momento, e Kobe é provavelmente o jogador mais técnico que esse planeta esférico já presenciou. Não que o Kobe não goste de jogar na força bruta (recentemente o Jeff Van Gundy estava comentando que o Lakers tem três dos jogadores que mais gostam de jogar fisicamente: Artest, Fisher e Kobe), mas é que Kobe é concentrado demais para permitir os jorros de euforismo que o Artest coloca pra fora como se fosse ganhador de Big Brother.
Assim como o Ben Wallace dizia que o Pistons às vezes não entrava no jogo até o Rasheed Wallace tomar uma falta técnica, tem vezes em que o Lakers não começa a defender com vontade até o Artest dar alguma trombada e começar a distribuir socos no ar de felicidade (estilo Raí). Sua importância vai muito além das funções defensivas e atinge justamente a maior deficiência do Lakers que perdeu para o Celtics na final de 2008: o Artest traz coração, jogo físico, socos no próprio peito, orgulho, empolgação, cara feia. Coisas que, dois anos atrás, eram marcas registradas do time de Boston.
O Celtics, por sua vez, tem tanto coração, orgulho e socos no peito, que o Rasheed Wallace acaba sendo quase desnecessário. Grande parte do elenco é absurdamente emotivo. Garnett, por exemplo, grita, berra, bebe o sangue de criancinhas e dá pancadas surreais de UFC em quem está lhe enchendo o saco.
O Glen Davis grita com ele mesmo, literalmente chora quando toma bronca (as lágrimas escorrem do rosto de nosso querido Ursinho Carinhoso) e está sempre pronto para sair na porrada com alguém. Kendrick Perkins reclama de todas as faltas da equipe, está sempre com cara de quem vai chorar ou ter um aneurisma cerebral, e é o segundo colocado em faltas técnicas na NBA (baita pentelho).
Rasheed Wallace está acostumado a ser o coração de suas equipes. Jogou a carreira inteira ao redor de cordeiros, então está sempre gritando, provocando, atiçando, tentando proteger os seus companheiros que trata como irmãozinhos menores débeis mentais. Sempre existiu nele um tanto de desinteresse pelo jogo, é comum dizerem que Rasheed poderia ter sido um dos melhores de todos os tempos mas ele não quer treinar, fazer sempre a mesma coisa em quadra ou obedecer os desenhos táticos. Mas o Celtics precisava disso, de uma força defensiva no garrafão, de um arremessador de 3 pontos, de um jogador inteligente para dar os passes certos, não de mais um para esquentar a cabeça e sair do jogo. Enquanto o Lakers era um tanto sem vida e desgostoso de confronto e jogo físico, o Celtics agora é um time emotivo demais, com gente falando demais e – principalmente – cometendo faltas técnicas demais.
O Rasheed Wallace chegou no Celtics anunciado como “mais um enorme talento para levar esse time a outro título”, mas assim que pisou em quadra fora de forma, sem muita vontade de treinar e desinteressado – como sempre fica – por não se sentir parte de uma “família” (ele precisa ouvir Restart), tomou fria do resto da equipe. A frustração do Garnett com o Sheed era visível em sua cara de canibal faminto, e acho que a situação toda foi uma das maiores responsáveis pela queda de produção do Celtics durante a temporada regular. O Rasheed precisou entender, com muito custo, que fazia parte de algo, de uma última corrida desesperada a um anel com uma equipe disposta a sangrar por Garnett, Pierce e Allen, para então começar a render um pouco mais em quadra. Mas, infelizmente, o casamento não parece dar muito certo.
Toda a empolgação de Artest, que torna o Lakers um time mais humano, agressivo e eficiente, tem um preço. Primeiro, as limitações de arremesso do Artest foram exploradas constantemente nos playoffs, primeiro pela defesa perfeita do Thunder, depois pelo Jazz, e por fim pelo Suns e sua defesa por zona 2-3. Todas essas equipes deixaram Artest livre para o arremesso de 3 pontos, e ele insistiu em arremessar mesmo assim. Na série contra o Jazz, se enfiou num regime de treinamento de arremessos e acabou decidindo a série, é verdade, mas contra o Suns essa confiança no treinamento levou a momentos bizarros. No Jogo 5, Artest errou um arremesso de 3 pontos livre, recebeu o rebote ofensivo e, ao invés de esperar o cronômetro correr para garantir a vitória, resolveu arremessar de novo – e errar de novo, tipo a segunda convocação do Dunga. A humanidade do Artest lhe faz dar arremessos desnecessários apenas para provar que ele consegue, que ele andou treinando, ou então puxar contra-ataques estabanados só porque ele está empolgado com a trombada que recebeu na quadra de defesa. Esse preço, no entanto, é pequeno perto do equilíbrio que Artest traz à equipe. O Lakers é definitivamente, com ele, um time melhor.
Com o Sheed, o preço de tê-lo em quadra costuma ser alto demais. Suas falhas defensivas constantes são exploradas pelo ataque do Lakers e frustram um Celtics que se orgulha justamente de se focar na defesa. Seus arremessos de três pontos deixam o garrafão vazio, justamente quando a batalha dos rebotes é tão essencial para seu time. Seus arremessos caem um pouco, volta e meia dá um belo toco, sua defesa é cheia de truques de velhos experientes, mas o Celtics nunca é um time melhor por lhe ter em quadra. E a enorme qualidade emocional que Sheed traz às suas equipes, quando joga, é desnecessária no Celtics, é exagero. Quando ele recebe uma falta técnica, não é um motivo para o time se animar e entrar no jogo, é apenas desesperador porque é a milésima falta técnica que o Celtics recebeu no jogo. O Perkins já tomou uma, o Pierce já tomou outra, o Glen Davis vai tomar uma próxima, e a suposta animação do Sheed é apenas mais um cara reclamando demais e castigando o time com faltas técnicas e pontos fáceis para o adversário. No Jogo 4, lá estava o Ray Allen revirando os olhos tendo que impedir o Sheed de ser expulso de quadra. A fama do Wallace, por vezes merecida, faz com que as reações sejam punidas mais rápido e lhe deixa até mesmo mais propenso a ter faltas marcadas contra ele, especialmente numa série em que os árbitros querem coibir qualquer contato. Sobra pro Ray Allen ser babá de uma máquina de fazer faltas técnicas.
Do problema do Celtics com as faltas técnicas, falaremos mais tarde. Por enquanto, o que tentamos mostrar é que somos grandes fãs do Rasheed Wallace e do Artest, mas que eles se encaixam de maneira completamente oposta em suas equipes. Se ainda acho o Celtics favorito nessa série justamente por causa do coração, do desespero de ter que ganhar mais um título, do sacrifício que o time inteiro é capaz de fazer em nome disso (a ponto de um banco ruim ganhar um jogo na raça), o Rasheed não é necessário para essa empolgação. E, do outro lado, se alguém pode levar o Lakers a superar os corações do Celtics, esse alguém é justamente Ron Artest. Quando ele está empolgado e seu time entra na mesma “vibe” (só de usar essa palavra, uma espinha nasceu na minha testa), o Lakers tem grandes chances de vencer a batalha psicológica. No primeiro jogo da série, vimos um Artest que distribuía socos no ar, se pegando com o Paul Pierce nos primeiros segundos de jogo (os dois tomaram falta técnica), dando trombadas no Glen Davis, enquanto o Garnett parecia assustado e nervoso errando bolas embaixo da cesta, passando a bola ao invés de dar arremessos fáceis e faltando braço na hora de colocar a bola para dentro.
A série entre Magic e Celtics nos ensinou uma coisa: quando o time adversário consegue jogar com raça, de forma física, brigada e elétrica, o Celtics passa a ser aquilo que é por trás da máscara: um time de velhinhos. É importante para o Lakers ter um Gasol agressivo no garrafão e um Bynum que esteja ao menos em quadra e não com um joelho boiando num pote de formal, sem dúvidas, mas a agressividade fisica geral do time está nas mãos do Artest. Do outro lado, o melhor que o Rasheed pode fazer parece ser não tomar mais faltas técnicas. Pessoalmente, torço para que ele se erga e dê ao Celtics aquilo de que o time precisa, reforçando ainda mais um banco de reservas que pode mudar a cara da série, mas por enquanto ele está encostado: é apenas mais do mesmo. No Lakers, Artest é justamente a diferença. A derrota no Jogo 4 está sendo creditada à auxência de Bynum, mas que tal lembrar da partida ruim que fez Artest na defesa, tanto defendendo Pierce quanto no ataque e em empolgação? Vimos como Glen Davis humilhou Lamar Odom, seu defensor na maior parte do jogo, o tempo inteiro. Mas o que teria acontecido se um Artest empolgado tivesse ido marcar o “Big Baby” no garrafão? Artest pode defender quatro posições em quadra e, apesar da diferença física, pode dar muito trabalho para qualquer um, até mesmo a almôndega ambulante que é o Glen Davis. Bynum deve jogar o Jogo 5 hoje à noite, mas eu coloco a responsabilidade em outras mãos: nas de Rasheed, para o banco do Celtics continuar fazendo estrago e Bynum ser bem defendido; e nas de Artest, porque o Lakers precisa de emoção em quadra. E, como insiste cada vez mais Kobe e Phil Jackson, o Lakers só vai ganhar essa série se for na defesa. Caso um gordinho continue acabando com eles no garrafão, as chances de anel de campeão desaparecem.