>Encontro de dois mundos

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Há, quero ver segurar o Houston!

Quem acompanha o Bola Presa há um tempinho sabe que eu sempre defendi o Ron Artest por aqui. Naquela vez em que ele mandou beijinhos para a torcida do Pistons e naquela vez em que ele se empolgou contra o Matt Harpring e ficou batendo no próprio peito, aproveitei para lembrar que Artest é um raro sopro de paixão em um esporte que fica cada vez mais mecanizado. Trata-se de um jogador que se diverte, que se empolga, que se expressa e que se complica. Verdade seja dita, Ron Artest é um jogador mais fácil de se admirar quando ele não está no seu time.

Ser autêntico sempre traz inconvenientes. Ao invés da violência camuflada e disfarçada que domina os esportes profissionais atualmente, Artest é uma força violenta autêntica que vai dar um soco sincero e direto ao se sentir desrespeitado. Nada de cotoveladas quando o árbitro não está vendo ou pés embaixo dos jogadores adversários depois do arremesso, levando a torções. Artest vai empurrar, xingar e tomar uma falta técnica. Suas atitudes criam esteriótipos que, por sua vez, criam padronizações no modo de lidar com eles. As reações a Ron Artest por parte da torcida e dos juízes não são naturais, são pré-programadas. Hoje em dia é difícil olhar para ele e não pensar em “problema”.

Ao saber que Ron Artest seria trocado para o Houston Rockets, Yao Ming teve uma longa conversa com Luis Scola em que demonstrou preocupações com as atitudes de Artest e com os problemas que isso poderia trazer à química da equipe. A reação de Yao é mais do que natural. Ele é um chinês bonzinho, vindo de uma cultura em que não se deve expressar emoções em quadra, em que não se confunde emoções pessoais com o ambiente de trabalho, e em que dar uma simples enterrada num jogo de basquete é um desrespeito aos adversários, seus iguais. O tempo fez de Yao Ming um elo entre duas culturas, ele enterra constantemente nos jogos, grita, xinga e briga com seus companheiros, algo impensável dentro da ancestral cultura chinesa, mas ainda é considerado “molenga” nos Estados Unidos. Apesar disso, Yao provavelmente já deve comprar Playboys, assistir “Lost” e estar por dentro do último escândalo alcoólico de Lindsey Lohan. Ele está transformando o modo de vida na China de um modo maior do que qualquer pensador ou político poderia sonhar, unindo duas culturas e moldando novas formas de agir. Do ponto de vista chinês, ele é inovador, libertário. Mas é claro que ainda não está pronto para Ron Artest. Compreender os tipos de emoções que borbulham dentro de um jogador que arrancou à força da vida sua saída de um subúrbio miserável vai muito além de comer um Big Mac.

Yao Ming ainda tem muito a aprender em seu mergulho cultural para dentro da América. Sua próxima lição será, graças às ironias da vida, vinda do professor Ron Artest. O encontro entre o chinês e o “bad boy” é o choque de duas abordagens muito distintas – tanto de vida quanto de basquete. O que um pode ter a aprender com o outro, aliás, vai muito além das quadras. O basquete é apenas uma metáfora, uma pequena janela, por onde podemos compreender coisas muito mais complexas sobre o ato de viver. O modo como Yao e Artest lidam com suas emoções em quadra é o reflexo de suas realidades fora dela, e nos dois âmbitos podemos ver, com o passar dos anos, como os dois estão, muito lentamente, andando na direção um do outro. Artest, mais centrado; Yao, mais expansivo.

Eu quero mais é que se exploda o medo dos fãs do Houston com as faltas técnicas, as expulsões e o problema de química que Artest pode trazer à equipe. Yao e o resto do elenco encontraram Ron Ron num momento perfeito para a união. Os torcedores do Rockets – incluindo eu mesmo – sabem que falta ao time a intensidade e a individualidade necessárias para vencer quando realmente interessa. Já os fãs de Artest sabem que falta a ele um técnico que o defenda, que o abrace, que o aceite – além de um elenco que não o permita perder-se em si mesmo. Todas as partes envolvidas perceberam isso.

É isso que estive esperando durante meus 11 anos de carreira, um time realmente evoluir e colocar em quadra o talento que julgo necessário para competir com os melhores”, disse T-Mac.

Serei uma criança numa loja de doces“, disse Artest.

Para os temerosos, a chave é Rick Adelman, um técnico que compreende Ron e sabe apoiá-lo e incentivá-lo. O que Artest havia pedido durante sua estadia no Kings era comprometimento e lealdade, um time que o aceitasse e lhe estendesse a mão, permitindo que ele competisse no esporte que ama. É isso que o Houston de Rick Adelman pode dar a ele. Isso além de duas estrelas para que, juntos, formem o mais novo trio apelativo da NBA. Falando sobre o trio do Celtics, Artest acrescentou: “para competir no mesmo nível que eles por um campeonato, é necessário um trio e alguns bons jogadores de apoio. Eu acho que com McGrady, Yao e Artest… vou deixar quem quiser fazer a conta“.

Ele tem toda razão. Depois de inúmeras temporadas achando que seu papel no planeta Terra é provar seu valor carregando um time nas costas e saindo um bocado do controle no final dos jogos, Artest agora parece disposto a ser parte de um trio de estrelas e colocar seu nome na história junto com os grandes campeões. Ele fará parte de um elenco profundo o bastante para fazer inveja a qualquer um da NBA. Vamos dar uma olhada:

Na armação, teremos Rafer Alston, o armador mais inconstante que o planeta já viu. Como reserva, o ex-calouro e pontuador nato Aaron Brooks, além do recém-contratado Brent Barry, que era sensacional armando o jogo nos seus tempos de Sonics. Na outra vaga de armador, Tracy McGrady chutará uns traseiros tendo como reserva Luther Head, competente mas descalibrado, além de novamente Brent Barry, especialista nas bolas de 3 pontos – algo que faltou para o Houston durante anos. Nas alas, o negócio me faz salivar: Ron Artest deve ser titular ao lado de Luis Scola, com o excelente defensor Shane Battier na reserva, além do ex-novato sensação Carl Landry e do defensor tampinha Chuck Hayes. Mas Artest é forte o suficiente para marcar alas maiores com uma mão nas costas e um pé na orelha, o que permite colocá-lo em quadra junto com Battier, resultando no mais assustador combo defensivo de toda a Liga. Como pivôs, Yao Ming será titular até quebrar a perna de novo, quando devem assumir Mutombo, Landry novamente, ou o novato Joey Dorsey, que come ônibus no café da manhã, teve uma boa Summer League e está sendo até cotado pra ir jogar na NFL. Monstro.

Três estrelas? Consta. Bom técnico? Consta. Sólido elenco de apoio? Consta. O Houston pode ter perdido na troca o novato Donte Greene, que chutou traseiros durante as Summer Leagues esse ano, além de uma escolha de draft de primeira rodada do ano que vem e do contrato expirante de Bobby Jackson. Mas quem se importa? Com as peças listadas acima, o time pode ser campeão a qualquer momento, basta apenas começar essa budega conhecida como temporada regular.

Para o Kings, trata-se de duas escolhas de primeira rodada (Donta Green e a futura escolha do ano que vem) além de espaço na folha salarial. Não quiseram se comprometer com Artest, não foram capazes de aceitá-lo, e agora é a hora de começar de novo, reconstruindo a equipe. Compreendo seus motivos, tenho certeza de que às vezes não deve ser fácil ver sua franquia nas mãos de Ron Artest. Mas sei também que, assim como Yao Ming, todos nós – torcedores do Houston – vamos adentrar um pouco no mundo do “Ron Ron”, compreensivos. Assim que esse estranho casamento cultural se concretizar, muito provavelmente teremos um belo anel de campeão nas mãos. E toda uma geração de chineses estará diante de um novo e complexo paradigma: não há problema em demonstrar suas emoções às vezes. Mesmo que, de vez em quando, seja nos moldes Artestianos: “um pouquinho demais”.

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