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Houve uma época em que ler gibi, gostar de Super-Homem e usar a internet era coisa de fracassado, mas essa nova geração invertou completamente os valores. Quem não está no Orkut não existe, quem não está na comunidade “Eu odeio acordar cedo” é um alienado social, e não tem nada mais natural do que falar sobre videogame, física teórica e andar por aí fantasiado. Numa NBA em que o Kirilenko assumidamente joga “World of Warcraft” na internet com o Malik Rose e o Channing Frye, não é nada fora do comum um par de marmanjos andando fantasiados por aí fazendo referências a super-heróis. Nada demonstra mais essa nova tendência do que o campeonato de enterradas da NBA. O lado sério da coisa virou farofa, a competição tornou-se um palco para que os jogadores liberem seu lado nerd, se fantasiem como seus personagens favoritos e façam a festa.
O campeonato de enterradas é sempre criticado, os tempos áureos são sempre coisa do passado, e é compreensível um ar de “é, mais ou menos” depois que o Vince Carter tornou-se o padrão pelas quais todas as outras enterradas são avaliadas. Mas Jason Richardson também deu enterradas espetaculares na era pós-Carter, sempre surge alguém fazendo algo sensacional, e a capacidade de aproveitar a competição depende apenas de um pouco de boa vontade e algum desligamento com as edições passadas. No momento, o que importa no campeonato de enterradas é a aparência, a brincadeira, o espetáculo, um ar fanfarrão e as referências nerds que são obviamente impulsionadas pela personalidade marcante do Dwight Howard. Toda aquela alegria do Shaq que transformava o All-Star em festa (afinal, se o All-Star não for festa, para que ele serve?) aparece no Dwight com um ar mais adolescente, mais bobo e mais geek. Não há dúvida alguma de que essa nova abordagem é a responsável pelo aumento do interesse na competição, principalmente de quem antes não acompanhava ou não tinha contato algum com o basquete. O David Stern está rindo sozinho, agradecendo aos céus pela revitalização que o Dwight trouxe ao esporte, e dessa vez resolveu apoiar a brincadeira ao invés de complicar. Na última edição, o Howard queria aumentar a altura da tabela e o Stern, burocrata pentelho, não deixou. Dessa vez, apoiou a idéia e deixou que a festa rolasse solta. O resultado acabou sendo exatamente isso: pura festa, tabela mais alta, Dwight e Nate Robinson interpretando personagens. Ou seja, um campeonato de enterradas bonachão com clima de luta-livre, a alegria da geração YouTube. Para quem comprou a idéia foi um prato cheio, cheio de risadas, surpresas e originalidade. Para quem queria Vince Carter, deve ter sido uma decepção. Me enquadro no primeiro grupo: me diverti pra burro.
Perdi o ar de tanto rir quando Dwight entrou na cabine telefônica para se transformar em Super-Homem, fiquei empolgado quando o Nate Robinson correu para os vestiários e voltou com o uniforme verde do Knicks com acessórios combinando e representando o poder da kriptonita. Só não gostei do trocadilho “kriptonate” porque trocadilhos são a forma mais baixa de humor, abaixo até mesmo da mímica. Consigo imaginar o Dwight Howard em casa lendo quadrinhos e debatendo em convenções se a kriptonita é, afinal, metal ou mineral, e não posso deixar de achar divertido ver isso acontecendo em público, em rede mundial, sem vergonha. Tanto ele quanto o Nate foram palhaços nerds que divertiram o público e, diabos, me coloque no grupo dos que se divertiram. Talvez isso tenha deixado a técnica em segundo plano e prejudicado o Rudy Fernandez, em especial, mas o foco dessa edição foi outro. Com todo mundo querendo dar risadas, enterradas mais sérias pareciam decepcionantes. Aliás, vale a pena ver na íntegra as duas enterradas do espanhol:
Na primeira, a homenagem do Rudy ao primeiro jogador espanhol a jogar na NBA e morto num acidente de carro acabou atrapalhando a enterrada por pura incapacidade do mané cuidando da transmissão: foi colocar a explicação de quem era o tal do “Martin” bem no meio da enterrada e acabou cortando o modo como o Rudy mandou a bola na tabela. A enterrada até que foi legal, embora tenha pecado um pouco na hora de finalizar. Mas a segunda é que merece nossa atenção. Com passe do Pau Gasol, que errou quinhentas vezes (onde estava o Sergio Rodriguez, companheiro de equipe do Rudy, nessas horas?) mas, por fim, acertou sem firulas um passe atrás da tabela que o Fernandez finalizou com perfeição. Foi a enterrada mais plástica, contorcendo o corpo de maneira artística, e embora a torcida tenha se apaixonado na hora, os juízes pareceram punir o Rudy por ter errado demais ou por não ter usado uma capa nas costas. Acabando em último lugar, acabou se tornando uma mancha para o torneio de enterradas: deveria ter ido para a final, sendo que o Dwight só ganhou notas altíssimas porque estava continuando com o clima de brincadeira que todos queriam. Mas não tem jeito, não há maneira de que todos estejam na mesma sintonia. Agora é hora de brincar, quem jogar sério vai ser prejudicado; quando é hora de jogar sério, aquele que brincar sai por baixo. Cada jogador pode fazer o que bem entender, mas o sucesso nas notas está ligado ao que os torcedores estão querendo, não adianta dar caviar para quem quer comer Cheetos.
Compreendo que algumas pessoas não estejam dispostas a aceitar o clima de brincadeira que tomou conta do espetáculo, a derrota do Rudy Fernandez e as enterradas relegadas a segundo plano (embora eu tenha achado o campeonato desse ano tecnicamente bom, com pelo menos uma boa enterrada para cada participante e duas em especial – a segundo do Rudy e a do Dwight quicando a bola na lateral da tabela – espetaculares). Mas quem não comprou a idéia sequer é o público-alvo desse campeonato. As novas gerações adoraram, os leigos adoraram, e os jogadores da nova safra, mais moleques e bem-humorados, adoraram. Prova disso? LeBron James se comprometer a participar da próxima edição do campeonato de enterradas, vítima da empolgação da cabine telefônica, da kriptonita, de um pulando o outro. O LeBron, como deu pra ver na entrevita com o Kobe, está muito interessado na piada, na brincadeira, na diversão. Só consigo imaginar ele participando de um campeonato que descambe para a esculhambação, mais próximo do público, e pelo jeito ele também. A atenção retornou ao campeonato de enterrada de um modo tão drástico que os próprios jogadores agoram voltaram a se interessar. A subida do nível tático vai ser consequência, e o clima de piada deve permanecer por muito tempo. Agora, só temos a ganhar.
O que faltava para o campeonato de enterradas era justamente gente que quisesse participar, que fizesse questão de estar lá, coisa que já há muito tempo não acontecia. Fred Jones e Gerald Green, por exemplo, são a trigésima escolha de qualquer um, vinte nove outros jogadores devem ter dito “não” ao convite. Dessa vez, com estrelas querendo estar lá, o negócio passa a ter muito mais graça. Basta dar uma olhada no “Skill Challenge”, o desafio de habilidades entre os armadores no fim de semana do All-Star. O vencedor foi o Derrick Rose, mas jamais um vencedor pareceu tão pouco interessado no que estava fazendo. Um monte de armadores fazendo um percurso de velocidade sem a menor vontade de correr não é das coisas mais divertidas de se assitir, convenhamos. O Rose, aliás, passou todo o fim de semana com cara de bunda, como se o All-Star Game fosse uma visita ao museu monitorada pelo Tim Duncan. Se os melhores armadores do planeta fizessem questão de participar e bater recordes, a coisa seria diferente. No campeonato de enterradas, já estamos mais perto disso. O Dwight pode ser palhaço e pentelho para alguns, mas ele recuperou um interesse quase extinto. LeBron participará, e fico na torcida para que Kobe leve isso no pessoal e participe também. A NBA agora pertence à geração nerd, bem-humorada, brincalhona, lendo Super-Homem no quarto com óculos de aro grosso. O Dwyane Wade, aliás, passou o fim de semana inteiro com visual de nerd dos anos 50. Avisem as garotas: os fracassados chegaram para dominar. Só elas é que não sabem (e nem vão saber).