>Escravos milionários

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Monta Ellis não ouviu a mamãe: mentira tem perna curta

Umas semanas atrás, o armador Monta Ellis apareceu com uma forte torção no pé e deixou o Warriors em pânico. Depois de Baron Davis ter preferido ir jogar no amaldiçoado Clippers e nenhum outro mamífero bípede ter aceitado ir jogar no Warriors, Monta Ellis foi confirmado como o homem que assumiria o papel de armador principal, mesmo que para isso precise jogar fora de sua posição natural. Com sua contusão, o futuro desse Warriors remodelado não parece muito promissor, principalmente numa conferência em que uma simples vitória pode ser a diferença entre ir ou não para os playoffs.

É sempre uma pena ver que o Ellis é um dos jogadores mais esquecidos da NBA, um dos caras que você não reconheceria no mercado fazendo compras. Como um dos melhores em penetrações no garrafão, em pontuar depois de receber contato e em correr como um maluco, Monta Ellis merecia um pouco mais de atenção da mídia. Quando a atenção enfim veio, foi pelos motivos errados: o Monta deu uma de Pinóquio. E com isso não quero dizer que ele se tornou um garoto chato que deveria ter se tornado uma gaveta, mas sim que ele mentiu para tentar escapar de uma bela encrenca. Ele só não contava com essa nossa geração viciada em CSI.

Desde o princípio, quando o Monta alegou ter se contundido enquanto treinava basquete em casa, especialistas ficaram com um pé atrás. Não entendo necas disso, mas parece que o armador do Warriors tinha torcido o pé de um modo pouco usual, para um lado incomum se comparado às lesões tradicionais do basquete. Em pouco tempo, sua versão da história estava em xeque por cientistas e médicos e era melhor contar a verdade antes que fosse tarde: a contusão aconteceu, na verdade, enquanto ele andava numa lambreta. Como contratos da NBA proibem os jogadores de andar de motos, o contrato novinho em folha do Monta Ellis que lhe paga 66 milhões pelos próximos 6 anos poderia ser revogado. Como isso seria burisse, já que o Warriors ganha muito mais se mantiver a estrela no time, Ellis provavelmente será apenas multado. O que me lembra um caso similar, acontecido com o Radmanovic. Ele contou para o Lakers que havia escorregado no gelo quando saiu de casa e com isso machucado o ombro. Depois, alegou que sua consciência não o deixava dormir – todo mundo sabe como o Grilo Falante pode ser mais pentelho até do que o Clip do Office. Resolveu contar a verdade e admitiu ter machucado o ombro enquanto andava de snowboard, prática proibida por contrato. O resultado foi um décimo de seu salário total engolido em multas, algo que um bilionário mal consegue perceber, pra ser bem sincero.

Mesmo assim, fico intrigado com as proibições desses contratos milionários. Nos comentários do meu post sobre o Ben Gordon, surgiu uma crítica sobre a impossibilidade de julgar quanto cada pessoa do mundo deve ganhar, então vamos conversar um pouco sobre os contratos da NBA e o mercado de trabalho capitalista. Tire as crianças da sala, pegue um café e um bom travesseiro, você sabe que vai acabar dormindo porque não vou falar nem de mulher, nem do Kobe Bryant. Bem, talvez eu fale um pouco de mulher.

Pra começar, acho um absurdo um sujeito, em qualquer profissão ou circunstância, ganhar 10 milhões de doletas por ano. É doente, deturpado e completamente fora da realidade. Ao mesmo tempo, como o Denis bem comentou numa conversa recente, é um preço justo quando você leva em consideração a quantidade de dinheiro presente em toda a NBA. Se um time lucra bilhões porque uns carinhas estão batendo bola numa quadra, nada mais justo do que devolver parte desse lucro para os carinhas em questão. Com isso, criamos dirigentes bilionários e jogadores milionários. É verdade que, em geral, as carreiras desses jogadores são curtas e os salários deveriam ser o bastante para sustentar o jogador pelo resto da vida (coisa que quase nunca acontece, a maioria dos jogadores acaba falindo depois de aposentados), mas salários mais módicos seriam o bastante se os valores e o modo de vida adquirido com eles fossem mais perto da realidade. Em todo caso, os salários são o que são, não devem mudar. Ao mesmo tempo em que são uma espécie de jogo à parte.

Como na NBA existem tetos salariais, os times têm um valor total permitido para gastar com jogadores e todo o gasto extra converte-se em multa. Isso gera um clima completamente videogame na hora de lidar com o valor “merecido” de cada atleta. É como se cada time tivesse 50 pontos para gastar e um jogador muito bem pago gastasse 20 pontos, um jogador mal pago gastasse 5 pontos. Assinar um contrato alto com o Ben Gordon é gastar pontos do limite do time, coisa que ele não vale pela produção que tem em quadra. Os contratos são irreais, milionários, e a abordagem é lúdica, assina-se contratos como se estivessem escolhendo personagens de videogame. O jogador é, de fato, um personagem, não um ser humano real. Por assinar um contrato de 10 milhões de dólares, deixa de ser livre, de pertencer a si mesmo, e passa a pertencer ao time.

Como seria a reação de um trabalhador de escritório qualquer, um bancário por exemplo, se no seu contrato existisse uma cláusula proibindo que ele ande de moto, pratique esportes radicais, suba montanhas, engorde? O que o bancário acharia de não poder mais falar o que bem entender em sua vida pessoal, evitando afirmações polêmicas, drogas, confusões? Provavelmente, o bancário mandaria o patrão à merda, ninguém tem o direito de se meter na vida pessoal do empregado, no que ele faz fora do trabalho. Quando temos que trabalhar mais horas do que o habitual, cobramos “hora extra”, ninguém continua em seu papel de trabalhador quando coloca os pés na calçada (quer dizer, alguns até continuam, mas prefiro não falar deles, não os compreendo). Quando se trata de um jogador da NBA, é como se o contrato milionário legitimasse um abuso esquisito, em que o patrão pode ditar o modo de vida de seu empregado. Acontece em outras áreas também, quase sempre com contratos muito gordos. Do mesmo modo que o Monta Ellis não pode andar de moto, a Gisele Bündchen não pode cortar o seu cabelo como o Ronaldo Fenômeno, engordar 80 quilos ou roer as unhas. No fundo, não pertencem a si mesmos. Os salários são exagerados porque suas profissões geram lucros exagerados, mas o que isso tem a ver? É um abuso que acaba sendo aceito porque adolescentes lutando tanto por uma chance de, enfim, ganhar uns trocados, acabam assinando o contrato do jeito que ele estiver. “Ah, não posso mais cutucar o nariz? Tudo bem, senhor. Sim, senhor. Onde eu assino?” Eu também faria o mesmo.

A pergunta que deveria existir na NBA é a seguinte: será que um patrão tem o direito de exigir esse tipo de coisa? Será que dirigentes da NBA, o David Stern, têm o direito de ditar como cada jogador deve se vestir, o que pode ou não falar? Será que alguém tem o direito, concordando ou discordando do Josh Howard, de proibí-lo de fumar o que ele bem entender fora das quadras? Modelos são gostosas, jogadores de basquete têm a profissão que todos gostaríamos de ter, mas não consigo achar que eles deveriam receber modelos diferentes de qualquer outro ser humano, bancário, gari ou blogueiro (embore eu ache que blogueiros deveriam receber os maiores salários do planeta Terra). Sou levado a achar que o Rasheed Wallace tem razão quando diz que os jogadores da NBA são escravos que ganham milhões de dólares, porque na prática é justamente o que acontece.

Até mesmo por isso, o Warriors deve lidar com o Monta Ellis em silêncio. Vai multá-lo sem fazer muito barulho, sem nenhum alarde, tentando fazer com que ninguém perceba o que está acontecendo. E, enquanto isso, seu time vai ter que tentar se virar sem ele. O armador Marcus Williams, que era reserva do Kidd e depois ficou reserva do Devin Harris, tem a chance da sua vida. Desde que foi draftado, fala-se muito sobre seu potencial e visão única da quadra. Para o seu azar, sempre jogou atrás de jogadores melhores do que ele e não teve chances de produzir. Pelo que diz a lenda, chegou em grande forma física assim que foi trocado para o Warriors e deveria ser o titular imediatamente. No entanto, o Don Nelson é retardado e avisou que a vaga deve ser do CJ Watson, o homem que mal teve minutos no time durante a temporada passada. Diabos, será que o Marcus Williams nunca vai conseguir ir parar num time sem armadores geniais ou técnicos malucos? E qual é o critério do Don Nelson, afinal? Será que ele decide no dado?

Para dar uma olhada no que o Warriors vai fazer de fato com a armação, vale ficar de olho na pré-temporada da NBA que começa hoje. O Warriors enfrenta o Hornets às 20h e pouco antes, às 19h30, veremos resolvido outro dilema na armação: o Heat enfrenta o Pistons e enfim saberemos quem será o armador do time de Miami. Será o novato Mario Chalmers, o magrelo e fedido Chris Quinn ou o sempre ignorado Marcus Banks? A gente descobre em breve.

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