“Eu não quero estar aqui”

A estreia do Phoenix Suns nessa temporada foi certamente traumática: uma derrota para o Blazers, jogando em casa, por 124 a 76, nada menos do que 48 pontos de diferença – e isso porque o Suns cortou a diferença, que chegou a CINQUENTA E OITO PONTOS no meio do quarto período. Os dois jogos seguintes não foram muito melhores: o Suns tomou 132 pontos do Lakers numa derrota apertada, e depois tomou 130 pontos do Clippers numa derrota por 42 pontos de diferença. Era evidente que algo não estava normal, que os jogadores não estavam comprometidos, que o time estava se desmanchando como gelatina.

Mas não é como se as derrotas fossem algo fora do normal em Phoenix nos últimos anos. Na temporada passada foram apenas 24 vitórias, uma mini-micro-nano melhora da temporada anterior, quando venceram míseras 23 partidas. Basicamente, o Suns não é um lugar muito fácil para se estar – ou para torcer – desde as Finais da Conferência Oeste em 2010, quando o time iniciou uma reconstrução que já recomeçou mais de uma vez.

Por isso o desabafo de Eric Bledsoe no Twitter, com um simples e seco “Eu não quero estar aqui”, foi perfeitamente compreensível. É difícil ser um bom jogador e estar num ambiente tão contaminado pelas derrotas e pela falta de perspectiva.

Quando Bledsoe disse que era “tudo um mal entendido”, que ele apenas escreveu frustrado porque não queria estar no SALÃO DE BELEZA com a esposa, ninguém em sã consciência conseguiu levar a desculpa a sério. O Suns é um desastre tão colossal que se o Bledsoe reclamou do salão de beleza ao invés de reclamar de estar no time é porque ele tem um pão velho no lugar do coração.

A reclamação, no entanto, não caiu bem dentro da franquia. Não que alguma franquia do planeta ache super bacanudo ter um dos seus principais jogadores desabafando em horror nas redes sociais, mas o Suns lidou com a situação de Bledsoe particularmente mal porque, de certa forma, compartilha parte da responsabilidade por esse desastre com o jogador. Quando ele chegou à equipe via troca em 2013, era apenas um jogador promissor que parecia eternamente fadado a ser reserva de Chris Paul. No Suns, teve a chance de finalmente ser titular e assumir a equipe, mas se contundiu no meio da temporada inicial por lá e não entrou mais em quadra. O time bateu na trave, com a nona colocação no Oeste. Por isso o Suns apostou no potencial de Bledsoe mesmo após a lesão e esperançoso com a temporada seguinte lhe ofereceu um contrato de 70 milhões de dólares. Saudável, Bledsoe até jogou bem mas ficou longe de “estourar” como a franquia esperava, mostrando problemas sérios de entrosamento com os outros armadores da equipe conforme o time piorou consideravelmente. Na temporada seguinte foi a vez de uma nova lesão que só permitiu que Bledsoe entrasse em quadra por 33 jogos. Na temporada passada, a melhor de sua carreira apesar dos altos e baixos, foram só 66 jogos disputados pelo armador.

Suas lesões constantes e sua dificuldade de se encaixar nas idas e vindas táticas do Suns desde sua chegada certamente frustraram a diretoria, que mantinha o armador na equipe cercado de ressalvas. Quando ele reclamou de estar lá no que foram provavelmente os três piores jogos da história da franquia, o Suns resolveu que era a gota d’água que faltava. Mandou o armador pra casa, pro cantinho pensar no que tinha feito, e começou a pensar numa troca. Quando a mudança do técnico deu um ânimo e o time passou a ganhar jogos sem Bledsoe, então, a troca começou a parecer verdadeiramente inevitável.

Supostamente Eric Bledsoe deveria receber interesse de diversas equipes. É um armador agressivo, com um arremesso de três pontos acima da média, capacidade de criar espaços com suas infiltrações e uma excelente primeira passada. Se não é espetacular em sua visão de jogo, compensa com uma defesa sólida e a capacidade de pontuar e espaçar a quadra, justamente o que mais se procura nos armadores atuais. Meio como piada, meio como verdade, Bledsoe é uma espécie de Russell Westbrook light, ou um Kemba Walker que mandou bem no feijão. Estaria certamente entre os 10 melhores de sua posição se não fosse o histórico de lesões, que deixa qualquer time com o pisca-alerta ligado, e as dificuldades de se encaixar nas funções bizarras do Suns, que foram de jogar como shooting guard a jogar junto de outros armadores principais ou a até defender alas em quintetos de tamanho microscópico. Mas na NBA atual os times tem medo de se comprometer com grandes salários via troca, já que os jogadores podem simplesmente debandar depois, e o mercado para os grandes armadores está cada vez pior, com grandes estrelas tendo que topar salários menores porque a oferta desse tipo de jogador nunca foi tão alta. Some isso às lesões constantes de Bledsoe e seu desabafo público indesejado e dá para adivinhar que, independente do seu talento e do seu potencial num time mais arrumadinho, as equipes não fizeram exatamente fila para disputar seu super-contrato.

Quem acabou mordendo a isca foi o Milwaukee Bucks numa situação bastante inusitada. Já faz um tempo – mais de uma temporada – que o Bucks tem ouvido ofertas por seu jogador Greg Monroe. Não é que o pessoal no Bucks não goste de Monroe ou que ela seja ruim, muito pelo contrário. Na verdade, em termos de números, Monroe foi um dos jogadores que mais ajudaram o Bucks na temporada passada. Mas é que seu estilo de jogo não se encaixa com aquilo que o Bucks quer ser, limitando o potencial de outros jogadores de quem o time depende para se tornar uma grande potência. Monroe é um jogador de garrafão que finaliza com ambas as mãos, muito inteligente e técnico embaixo da cesta, daqueles que pontua fácil. O problema é que seu arremesso é limitadíssimo, então ele precisa estar embaixo da cesta – justamente o lugar que deveria ser ocupado pelas bilhões de infiltrações de Antetokounmpo, Jabari Parker e o resto dos jogadores explosivos e de braços gigantes na equipe. O ataque do Bucks na temporada passada ainda era muito travado, especialmente quando Khris Middleton estava contundido, então a habilidade embaixo da cesta de Greg Monroe dava uma aliviada incrível no ataque. Mas quando o ataque da equipe está funcionando, o espaço que Monroe ocupa embaixo da cesta é precioso, especialmente porque ele é um “buraco negro”, quando a bola chega nele só lhe resta finalizar, nenhum passe ou movimentação de bola é possível. Na defesa o problema é pior: ele não é um bom defensor de aro para ser usado de pivô e quando joga de ala não consegue acompanhar as trocas defensivas que tornam a defesa do Bucks tão caracteristicamente opressora. Ou seja, Monroe é bom, mas não para o Bucks – e nem para essa década, coitado, em que estar embaixo da cesta virou pecado grave. Várias equipes adorariam usá-lo vindo do banco, ainda que ele tenha muito mais talento do que isso. E se a gente lembrar que o Bucks estourou o limite salarial da NBA e está pagando multas gordas, se livrar do Monroe passa fazer ainda mais sentido.

Quando o Suns entrou em contato com o Bucks para uma possível troca por Eric Bledsoe, estava interessado em jogadores jovens – especialmente Malcom Brogdon – e escolhas de draft futuras. Não resta nada ao Suns que não seja emular o Sixers, apostar integralmente em Devin Booker e torcer para conseguir cercá-lo de jovens talentos e escolhas de draft antes dele desistir da equipe e assinar com outro lugar. Mas o Bucks, ainda que tentado, resolveu oferecer o jogador de que eles querem se livrar há milênios, Greg Monroe. A resistência da equipe de Milwaukee é simples: se Paul George e Carmelo Anthony saíram a preço de banana, por que raios Eric Bledsoe valeria um novato promissor? Não restam dúvidas de que o Suns deve ter ficado decepcionado com a negociação e procurado outros parceiros para a troca, mas eventualmente teve que admitir a escassez do mercado e simplesmente topou Greg Monroe e as escolhas de draft.

Mas é nas escolhas de draft que fica EVIDENTE que o Suns não tinha poder nenhum para negociar e que definitivamente não apareceram ofertas melhores: a escolha de primeira rodada que o Bucks enviou para o Suns só ficará mesmo em Phoenix no ano que vem se ficar entre as posições 11 e 16, ou seja, o Bucks mantém a escolha se tiver uma campanha ou muito boa ou muito ruim (apostaremos em “muito boa”). Se for o caso, a escolha passa para 2019, mas novamente só vai para o Suns se estiver entre a 4 e a 16, ou seja, se o Bucks feder ou simplesmente não for espetacular, mantém a escolha. Em 2020, aí o Bucks só fica com a escolha se ela estiver entre as 8 primeiras. Só em 2021, quando talvez a Terra nem exista mais porque vai saber, tem um monte de meteoro aí dando sopa, o Suns pega a escolha com toda certeza, sem nenhuma restrição. Isso quer dizer que o Bucks até enviou a escolha de draft (junto com uma outra escolha de segunda rodada protegida entre a posição 48 e 60) mas se protegeu de abrir mão de um novato em quase todas as situações que poderiam prejudicar a equipe.

Na ausência de coisa melhor e como o Suns não tem nenhuma esperança de vencer num futuro próximo, estocar escolhas de draft – mesmo que seja para 2021 – não é mal negócio. Ao menos potencialmente, o Suns tem 8 escolhas de draft para o ano que vem (3 na primeira rodada, 5 na segunda rodada), o que pelo menos indica a chance de um futuro digno. Greg Monroe também chega para ajudar: agora, desafogando o ataque quando for necessário, nem que seja vindo do banco, e ao fim da temporada quando seu contrato terminar e o Suns passar a ter espaço salarial para cogitar outros jogadores e, claro, não conseguir contratar ninguém – mas o que importa é a POSSIBILIDADE, né.

Para o Bucks a troca é um absurdo, mas um daqueles absurdos que ninguém em sã consciência iria recusar. Ao invés de abrir mão do contrato expirante de Monroe, como era o plano, o Bucks aceitou um contrato ainda maior, com duração de dois anos, por um jogador que passou um tempo enorme lesionado nas últimas 4 temporadas. Mas é o tipo de talento, de jogador que pode florescer numa nova situação, que não faz sentido deixar de adicionar para sua equipe em troca de virtualmente nada, mantendo Brogdon e todos os jogadores importantes e promissores. Os arremessos de Bledsoe podem abrir a quadra, tornando o time menos dependente de Middleton, e ele poderá jogar de maneira bem mais livre com Antetokounmpo puxando contra-ataques e a carta branca do Bucks às infiltrações. Se der certo, o Bucks se torna um time ainda mais perigoso e atlético, com mais poder na linha dos três pontos e mais capacidade de decidir jogos com a criatividade individual de alguém nos segundos finais de uma partida. Se der errado, nada se perdeu no processo – apenas uns trocados (vulgo UNS MILHÕES DE DÓLARES) em multas, coisa besta para um time que pretende ter chances reais de lutar pelo topo do Leste nas próximas temporadas.

No fim, apesar da TORTA DE CLIMÃO, o tweet do Bledsoe foi a melhor coisa que ele poderia ter feito. Tá bom, reclamar em público dá uma queimada na imagem do sujeito mesmo quando é tão obviamente compreensível (todo mundo odeia salão de beleza, né?), e o valor de mercado dele foi um contrato expirante de um jogador que joga um basquete antigo e escolhas de draft ultra-mega protegidas. Mas tudo que Bledsoe precisava para ter uma chance de engrenar na carreira era um time com pretensões, com chances de vencer de verdade, e que esteja minimamente em evidência para que ele possa ter seu talento visto e apreciado. Não faz sentido ele não estar nas mesmas CONVERSAS DE BAR que os outros armadores da NBA que estão no mesmo nível, e acredito de verdade que no Bucks – salvo lesões – ele terá uma plataforma para mostrar seu poderia ofensivo, sua defesa sólida e sua capacidade de finalizar jogos. Se Milwaukee é um famoso símbolo de tédio americano, o Bucks agora é um time a se assistir: o que não funciona na equipe agora tem cara de que vai funcionar muito em breve, e quando funcionar vai ser uma máquina imparável, uma máquina que fará Bledsoe escrever que ele quer muito, muito estar “aqui”.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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