Foguetes sem rumo

Quando Kevin McHale chegou para ser técnico do Houston Rockets em 2011, disse que estava aguardando ansiosamente pelo retorno de Yao Ming, pivô que perdera quase a temporada anterior inteira com múltiplas lesões. McHale disse que o corpo do chinês seria o fator fundamental para determinar seus minutos e seu papel na quadra, mas que de qualquer maneira seria fantástico poder treiná-lo. Um mês depois, Yao Ming se aposentou da NBA. Parabéns aos envolvidos.

O Houston Rockets se acostumou, desde o draft de Yao Ming em 2002, com uma cultura focada no garrafão – uma reedição dos bons e velhos tempos quando Hakeem Olajuwon, um dos maiores pivôs de todos os tempos, levou o Rockets ao título em anos seguidos. Nesse contexto, Kevin McHale era o homem ideal para a equipe. Um dos raros casos de técnico de basquete que jogou no garrafão durante sua carreira como jogador na NBA, McHale montou times altos, focados no jogo de costas para a cesta e sempre soube desenhar jogadas para tirar o melhor proveito possível dos pivôs. Infelizmente, ele chegou a Houston justamente quando essa cultura estava sendo desmantelada e seu primeiro pivô após a aposentadoria de Yao Ming foi o incrivelmente cocô Samuel Dalembert. Claro que não deu pra fazer muita coisa. Na temporada seguinte seu pivô foi Omer Asik, limitado ofensivamente mas muito sólido na defesa, e os resultados começaram a melhorar um pouco. Logo depois recebeu Dwight Howard, e começou então seu pesadelo de tentar torná-lo uma ferramenta impactante no ataque da equipe.

Obviamente Kevin McHale foi contratado para outros tempos, uma época em que um glorioso pivô chinês desfilava em câmera lenta nas quadras de Houston, e por isso durante toda sua passagem pela equipe, McHale esteve fora da sua zona de conforto, improvisando e tentando adequar-se às peças que lhe estavam disponíveis. Dwight Howard foi o jogador que mais lhe permitiu montar um esquema de acordo com suas habilidades pessoais, mas Dwight não era ideal para essa parceria. O que McHale esperava do seu pivô All-Star era que ele pudesse ser isolado contra os defensores para abrir espaço para outros jogadores, que ele passasse a bola com velocidade fazendo uso de sua altura para uma visão privilegiada da quadra, e que deixasse seus adversários sempre pendurados em faltas jogando de maneira física e agressiva. Dwight Howard é um grande jogador, mas ele não é nada disso: seus movimentos de costas para a cesta são limitados, geram muitos desperdícios de bola, seus passes são óbvios e facilmente interceptáveis, e seus giros robóticos fazem com que cometa muitas faltas de ataque ao invés de colocar seus adversários no banco. Suas habilidades são outras: atacar a cesta no pick-and-roll, desde que não coloque a bola no chão; receber a bola pelo alto vindo do lado oposto no garrafão; e dominar os jogos na defesa. McHale queria que Dwight fosse outro tipo de jogador e achou do fundo do seu coração que o que separava seu pivô da estrela que ele tinha em mente era treinamento específico e seriedade. Os resultados nunca vieram, a relação dos dois se desgastou rapidamente e o McHale só não virou farofa porque eventualmente desistiu de bater cabeça e colocou seu foco em outro lugar: agradar a diretoria da equipe.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Trutas.”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/11/McHale-Dwight1.jpg[/image]

Quando o Rockets começou a fazer uso das estatísticas avançadas e prever um modo mais eficiente de jogar basquete, começou a forçar para que a equipe jogasse na contra-mão das habilidades de Kevin McHale, ou seja, no perímetro. A intenção era que todas as jogadas do Rockets acabassem com bandejas ou bolas de três pontos e qualquer coisa diferente disso só ocorresse em último caso. Sem jogadas de costas para a cesta, isolações no garrafão ou dois pivôs em quadra, como McHale sabe fazer. Por que manter um técnico tão distante daquilo que a equipe pretendia, então? Por um motivo simples: Kevin McHale sempre aceitou os pedidos da diretoria, as análises estatísticas, e tentou ao máximo implementar isso em seu trabalho, mesmo que com eficácia modesta.

O medo de trocar de técnico sempre foi o fato de que a maior parte dos treinadores disponíveis é composta por ex-jogadores que acreditam em algum modo de jogar aprendido com a própria experiência em quadra. A enorme maioria é contrária a mudar as próprias crenças apenas porque as estatísticas mostram que elas não são funcionais, e não aceitam que pessoas que nunca pisaram numa quadra de basquete profissional fiquem dando palpites sobre como a equipe deve ser treinada. Frente a essa possibilidade, o Kevin McHale estava fora da sua zona de conforto mas pelo menos estava ouvindo, aceitando e implementando o esquema tático pretendido pela diretoria. Foi sua postura tranquila e sua falta de teimosia que lhe comprou tanto tempo à frente da equipe mesmo com Dwight Howard amoado, rotações questionáveis e resultados abaixo do desejável.

Mas era evidente que qualquer resultado mais porcaria seria suficiente para se livrar de um treinador que nunca foi um casamento perfeito com a equipe – a não ser naquele fantástico universo paralelo em que o Yao Ming nunca se contundiu, o Rockets ganhou 4 campeonatos e depois encontrou a cura para o câncer. O que decretou sua demissão foram não apenas as derrotas dessa temporada, compreensíveis quando se leva em conta as lesões e um James Harden muito fora de forma, mas principalmente a incapacidade de fazer Ty Lawson funcionar na armação da equipe. E se um armador que exige tanto a bola nas mãos daria trabalho para qualquer treinador adaptar no seu esquema tático e portanto seria digno dar tempo ao tempo, é claro que a diretoria do Rockets já está mais do que ciente de que McHale não tem capacidade de lidar com a tarefa e se aproveitou do momento ruim pra se livrar dele agora – antes que, por mero acaso, ele volte a ganhar jogos e fique mais difícil justificar a demissão.

Quem assume a equipe, então? O problema dos nomes consagrados que estão aí dando bobeira, como Tom Thibodeau, Mike D’Antoni e Jeff Van Gundy, é que todos eles já possuem um estilo específico de treinamento, um modelo tático a ser implementado. O que o Rockets procura, pelo contrário, é alguém capaz de seguir as ideias do general manager Daryl Morey, alguém aberto a ideias novas, disposto a encontrar um novo modelo tático que esteja de acordo com as novas necessidades do basquete moderno. Ou, resumindo: o Rockets quer se transformar no Warriors, mas com o Harden no lugar do Curry e as eventuais alterações que as diferenças entre esses dois jogadores imponha sobre o esquema e o resto do elenco. Por isso quem assumiu a equipe por enquanto foi o assistente técnico J.B. Bickerstaff, de apenas 36 anos, que nunca jogou basquete profissional (apenas atuou no nível universitário) e já trabalha em Houston como o homem de mediação entre as estatísticas e o técnico, e entre o técnico e os jogadores. O mais jovem treinador dessa temporada da NBA tem ótima relação com o elenco e é respeitado pela diretoria. Tudo leva a crer que deve se estabelecer como o técnico definitivo da equipe de uma vez por todas.

[image style=”” name=”off” link=”” target=”off” caption=”Ty Lawson encara uma temível mão gigante”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/11/Lawson.jpg[/image]

A única coisa que pode interromper sua jovem carreira é a encrenca monstro que é inserir Ty Lawson. A dor de cabeça é tanta que até o próprio Ty Lawson assumiu que pode ser melhor que ele venha do banco de reservas, algo que J.B. Bickerstaff resolveu testar nas últimas partidas, com resultados medíocres. Relegar Lawson para o banco não faz muito sentido já que James Harden quase não senta para descansar, e é a presença dos dois em quadra ao mesmo tempo que está atravancando a equipe. Além disso, Lawson é um gênio do jogo de pick-and-roll, algo que o Rockets simplesmente não tem em seu reportório de jogadas, lembrando que McHale só fazia a jogada muito próxima a cesta, quase sempre entre os próprios jogadores de garrafão. Mudar isso seria repensar toda a dinâmica da equipe e, principalmente, o papel de Dwight Howard no time, algo que pode levar tempo e comprometer essa temporada inteira numa Conferência tão disputada quanto a Oeste. Se os ajustes começarem a levar tempo demais, é possível que a culpa seja colocada na inexperiência de Bickerstaff e outro treinador seja chamado para assumir.

De todo modo, acredito que agora o Rockets precisa caminhar enfim para uma identidade: mesmo chegando à Final do Oeste na temporada passada, a quantidade de improviso e mudanças de posição que o time foi aplicando nos momentos de tensão não condizem com um elenco que tem esperanças de título e precisa impor sua vontade e estilo de jogo ao adversário. Sempre respondendo, improvisando, tropeçando, o Rockets era um time na defensiva que parecia se surpreender tanto quanto os adversários quando alguma coisa dava certo, como deu contra o Clippers nas semi-finais. É hora da diretoria e da equipe técnica falarem a mesma língua, decidirem o que querem e colocar um rumo em prática. Se der certo, perder uma temporada inteira vai sair barato. Nenhum time campeão fica pronto de um dia para o outro, no improviso, aceitando um treinador que não casa com as exigências táticas ou colocando o Ty Lawson no banco de reservas.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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