>Futebol e NBA – Dá pra ganhar dinheiro?

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O futebol e a NBA tem mais em comum do que essa foto faz parecer

Eu não saberia dizer ao certo se a NBA é um negócio rentável que está dando prejuízo porque é mal administrado. Assim como não saberia dizer se ele é capaz, em qualquer sistema, de dar os lucros que os donos sonham em ter. Simplesmente não entendo de economia e, como explicado no meu último post, os números sobre a saúde econômica da NBA são confusos e às vezes contraditórios.

Em um exercício não muito fácil, mas divertido, vou tentar responder essa questão baseado no que foi dito sobre outro meio esportivo e que volta e meia dá de frente com números vermelhos, o futebol. A minha fonte é um espetacular livro chamado “Soccernomics“. Baseado na febre de livros sobre números no esporte que começou nos Estados Unidos (“Moneyball” sobre o beisebol, que até vai virar filme com Brad Pitt, e “Basketball on Paper” sobre o basquete), os autores Simon Kuper e Stefan Szymanski resolveram fazer um livro tentando responder, com embasamento científico e estatístico, algumas questões básicas do futebol.

Entre as discussões estão coisas como quanto um pênalti pode decidir um jogo, sobre como bater esses pênaltis, questões mais amplas sobre porque a Inglaterra sempre perde, o Brasil ganha ou porque a Noruega é o país mais fanático por esportes (não só futebol, mas principalmente ele) no mundo.

Em um dos capítulos do livro o assunto vira economia. A seção do livro chama, na verdade “O pior negócio do mundo” e tenta mostrar, analisando principalmente a milionária Premier League inglesa, que o futebol é (1) um negócio pequeno, (2) um negócio feito para não dar certo e (3) talvez nem seja um negócio no fim das contas. Vou colocar aqui uns trechos, ideias de lá, e tentar analisar, dentro das minhas limitações no assunto, ver no que a NBA é parecida e no que não é.

A primeira coisa que o livro faz é comparar os dois times de futebol mais ricos do mundo, o Manchester United e o Real Madrid, com a Titanium Metals, na época do livro (2009) a última colocada da lista de 500 empresas mais valiosas da S&P 500. O Real Madrid, time mais rico do mundo com receita de 475 milhões de dólares por ano, não chega à metade do valor dessa pouco glamurosa companhia americana. E isso porque os números comparados são o de receita para o Real Madrid e o de lucros para a Titanium Metals. Segundo os autores, se os clubes fossem ranqueados de acordo com os seus lucros, “os resultados seriam de dar vergonha. Não só a maioria dos clubes não dão lucro e não pagam dívidas, mas até os maiores times estariam no fim da lista”. Com isso os autores tenta mostrar que o futebol como um todo pode movimentar muito dinheiro, mas que os clubes são pequenas partes dessa engrenagem mundial e que mesmo as exceções, os maiores times do mundo, não são tão grandes como imaginamos. O exemplo dado no livro compara que o valor de movimento de negócios de um time da Premier League durante um ano é equivalente ao de um Supermercado da rede Tesco. E não a rede inteira, mas uma unidade.

Mas e a NBA? Segundo a Forbes, o time que mais gera receita é o New York Knicks, com 208 milhões de dólares por ano, menos da metade do que o Real Madrid. Mas em compensação a NBA é uma associação de equipes, e elas não são tão independentes quanto os times de futebol. A liga americana tem o poder de juntar 30 times e eles, juntos, movimentam uma boa grana. Como explicamos nesse post, o antigo contrato entre donos e jogadores tinha, por exemplo, uma regra em que o dinheiro gasto pelos times que ultrapassam o teto salarial eram parcialmente repassados para os times que respeitavam o teto. Não resolve tudo, mas mostra como os times estão ligados entre si nesse caso.

A contradição do futebol ser um negócio tão grande e pequeno ao mesmo tempo se dá porque o esporte não tem como controlar tudo o que movimenta. Eles não ganham dinheiro pelos jornais que falam deles todos os dias, pelos blogueiros que vivem de falar do esporte deles ou pelos litros de cerveja vendidos durante os jogos.

Veja o que o jogador holandês Demy de Zeeuw disse sobre isso e se a declaração não tem um paralelo (paralelo mesmo, só vão se encontrar no infinito) com o que os donos falaram na matéria do David Aldridge sobre os times participarem dos lucros dos jogadores até em seus contratos de publicidade: “Existem reclamações de que os jogadores ganham muito dinheiro, mas o mundo inteiro fatura em cima do sucesso dos jogadores; jornais, televisão, empresas”. O livro ainda conclui, “O mundo ganha mais dinheiro com o futebol do que o futebol com ele mesmo”.

A NBA ainda tem a sua marca e muitos dos que querem falar ou citar a liga precisam pagar, é algo mais regulamentado do que o futebol, mas mesmo assim parece que eles também não conseguem transformar em dinheiro o sucesso em que a NBA se transformou. Afinal, a temporada passada foi recordista de audiência, a internet transformou a NBA num assunto global (veja a gente aqui discutindo eles!) e mesmo assim reclamam de prejuízos descomunais. Uma das reclamações dos donos que eu já li é que o David Stern conseguiu fazer a liga ser um sucesso global, como ele sonhava, mas que os lucros vindos dessa globalização ainda não souberam ser capitalizados.

O próximo passo do livro é explicar algumas atitudes típicas do mundo do futebol que fazem dos times empresas destinadas a darem errado. Uma delas é como eles escolhem seus treinadores ou, no caso inglês, treinadores/managers. Uma empresa séria faria uma série de entrevistas e buscaria o candidato com o melhor currículo, mais preparo e trabalhos recentes de destaque. No futebol se busca quem está desempregado no momento porque se manda alguém embora sem ter outro em mente para contratar. E muitas vezes essas contratações são feitas mais na base da amizade do que no currículo. Managers não precisam ter qualificação profissional (nenhum tipo de certificado) e essa disponibilidade imediata está relacionada, muitas vezes, a uma demissão recente, um fracasso anterior. Isso sem contar quando não se contrata alguém sem experiência alguma para um cargo de alto nível. Dunga nunca havia treinado um time de futebol antes de assumir a seleção brasileira, Mark Jackson irá assumir o Warriors e sua experiência é como jogador e comentarista de TV. Uma função essencial no sucesso do time é tratada, no mundo inteiro, por clubes de todos os tamanhos, como algo banal, escolhido na intuição.

Na NBA, apesar das exceções, a coisa é um pouco diferente. É mais comum times terem planos de longo prazo e casos como o do manager Rich Cho, que ficou no Portland Trail Blazers por apenas uma temporada, são raros. Isso acontece porque a NBA beneficia times que são ruins com boas colocações no Draft do ano seguinte. Sem o desespero de ser rebaixado, técnicos com trabalhos ruins são poupados e a contratação de novos treinadores costuma ser mais séria. Mas mesmo assim ainda existe a restrição de “outsiders” e pessoas sem envolvimento prévio com o basquete (se você não é um ex-jogador não sabe nada do esporte), é a famosa panelinha.

Contratar mal é o primeiro passo para administrações ruins e, logo, derrotas seguidas de prejuízos. Um outro mito que o livro mata é o do torcedor fiel: em todo mundo os times ganham mais dinheiro com seus torcedores (audiência de TV, ingressos, pay-per-view) quando estão ganhando e os números despencam quando estão perdendo. É assim que o Sacramento Kings era um sucesso financeiro em 2001 e um time à beira da extinção 10 anos depois.

A melhor história do livro aparece nesse capítulo. É contada pelo técnico Sven Goran Eriksson e me lembra do Isiah Thomas contratando lixos como o Jerome James ou o Bulls pagando o PIB de um país médio para ter um envelhecido Ben Wallace. Simplesmente negócios milionários feitos como se estivessem comprando balas no supermercado. Eriksson conta que quando estava na Lazio foi até Madri para tentar comprar o atacante Cristian Vieri do Atlético. O time espanhol cobrou 50 bilhões de liras italianas (29 milhões de dólares), o jogador mais caro do mundo na época, portanto. A Lazio poderia também pagar menos, mas colocar jogadores no negócio. Foi então que aconteceu essa profunda conversa:

Cragnotti (presidente da Lazio): Nós podemos fazer isso?
Eriksson: Não, não podemos perder esses jogadores.
Cragnotti:  O que podemos fazer então?
Eriksson: Comprar ele.
Cragnotti: Ok.

E compraram. Não tentaram negociar, pagar 45 ao invés de 50, nem 49. Pagaram 50 e levaram. Nove meses depois a Internazionale de Milão foi atrás de Vieri e perguntou seu preço. Mais uma conversa:

Cragnotti: O que devo pedir por ele?
Eriksson: Peça o dobro. 100.
Cragnotti: Não posso fazer isso!

E pediu só 90 bilhões de liras. A Inter pagou sem negociar.

E assim são feitos dezenas de negócios idiotas no futebol, da mesma forma como são feitos na NBA. O Rashard Lewis pediu um salário que seria muito para o Wilt Chamberlain, mas ele era o que o Orlando Magic acreditava ser a peça final em um elenco campeão, então pagaram, dane-se. Como o esporte é julgado por resultados, não importa a economia, faz-se tudo para ganhar, com um troféu na mão tudo é perdoável.

O livro conta a história do Tottenham do começo dos anos 90 que tentou ser gerido como uma empresa. Levaram o time com contratações razoáveis, vendas quando necessário, nenhuma loucura ou muito risco. O resultado foi um fracasso duplo: os lucros vieram, mas muito baixos para uma empresa com sua receita e o time ficou parado nas posições intermediárias da Premier League, irritando seus fãs que estavam desesperados por contratações de peso. Torcedores não vibram quando seu time está no azul, mas quando vencem campeonatos. Na NBA se pensa do mesmo jeito. No ano passado o Atlanta Hawks poderia não gastar uma nota preta no Joe Johnson e ver seu time afundar na tabela de maneira deprimente, ou poderia aceitar a proposta de salário estratosférico e continuar indo para os playoffs todos os anos. Escolheu a segunda opção para não afastar os fãs e agora reclama do alto salário. A NBA, como o futebol, pede decisões financeiras ruins para manter o nível de competitividade das equipes alto.

E é então que o livro entra com sua última teoria: o futebol nem é um negócio. Depois de citar o caso do Tottenham, ele fala de times que usaram a estratégia Hawks: gastar bastante com jogadores porque os resultados conseguidos depois compensariam os gastos, mas isso deu errado também. Uma tabela mostra como mesmo vários campeões da Premier League nos últimos anos tiveram prejuízos enormes. Na NBA não é muito diferente, muitos times gastam demais para ter times bons e só um ou dois deles conseguem resultados de verdade, o resto só gasta à toa. Outros tentam poupar gastos e suas campanhas pífias afastam torcedores, caso do citado Kings e do Wolves, por exemplo.

No futebol um dos motivos para os negócios serem levados de uma maneira tão trágica é a falta de medo. Times não vão à falência, simples assim. Mesmo em casos extremos, como o da Fiorentina na Itália, o time faliu, foi refeito, começou na quarta divisão e poucos anos depois já estava no topo de novo. Mesmo quando um time está em situação trágica, sempre aparece um investidor, um patrocinador, torcedores e salvam a equipe, dão um jeito. No Brasil já teve até o governo federal criando loterias para salvar equipes de futebol! Com tanta gente lá para quando eles caírem, pra quê precaução? Um mundo onde acontecem essas coisas não pode ser considerado um negócio como outro qualquer.

A NBA viveu isso no ano passado, quando o New Orleans Hornets estava com prejuízos enormes e seu dono não queria mais aquela desgraça que poderia falir a qualquer momento. A própria NBA começou a tomar conta da franquia, então! E agora, mesmo com prejuízos, greve e tudo mais, já foram mais de 5 propostas de compra do Hornets. O que não falta por aí são donos e cidades dispostas a receber times da NBA achando que lá a coisa pode ser diferente.

A conclusão do livro é algo que a NBA e os donos de times iriam vomitar se lessem, mas que faz bastante sentido. Para os autores, os times deveriam ser conduzidos como museus: “organizações de espírito público que têm por objetivo servir à comunidade ao mesmo tempo que são razoavelmente lucrativas”. Ou seja, serem conduzidas não totalmente como negócios, mas só a ponto de sobreviverem. Como museus, eles cobram e se esforçam para faturar, mas nada além de ir um pouco mais do que os gastos necessários.

Na NBA isso passaria por um time ajudar o outro, por exemplo. Os times de Los Angeles e Nova York dão lucro sempre, por estarem em grandes cidades, eles poderiam usar esse dinheiro extra para sustentar equipes de lugares menores. Isso seria sustentar a NBA como um todo, não pensar em equipes de maneira individual. Isso significaria, também, manter a liga grande, mas talvez sem as ambições de dominação universal do David Stern.

O Hard Cap é uma maneira de controlar os gastos e fazer da NBA um negócio mais controlado e sustentável, mas como o Danilo explicou bem, implica em diversos problemas que exigem estudo. É um começo, mas não a solução mágica. Muitos direitos, conquistas e dinheiro gerados pelos jogadores estão em jogo na negociação dessa parte do acordo.

O que podemos dizer depois de ler sobre tudo isso é que os donos estão desesperados para fazer um negócio que tem tudo pra dar errado (e tem dado errado segundo eles mesmos!) virar algo milionário e lucrativo, e para isso estão colocando a culpa nos jogadores e seus salários. Estão comprando a briga com o inimigo errado e tentando forçar os lucros da maneira mais destrutiva para a liga, prejudicando quem gera o dinheiro. A culpa está mais no sistema em que a liga está inserida do que nos salários.

Eles deveriam perceber logo isso para pensar em um sistema menos ambicioso que fosse ao mesmo tempo levemente lucrativo sem que os jogadores, os que fazem a gente escrever textos desse tamanho e gostar de basquete, sejam punidos. Mas a NBA, do jeito que é, no país onde se realiza, pensar em ser algo gerido de maneira a não tentar ter o máximo de lucros possível e ser apenas sustentável? Mais fácil o Messi enterrar na cabeça do LeBron James.




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Falando de outro futebol: Tem um blog bem legal chamado Two-Minute Warning que está fazendo uma série de posts para iniciantes no Futebol Americano. Eu estou lendo porque quero começar a ver mais de perto nesse ano (sei as regras, mas entendo pouquíssimo e quero me entreter durante a greve), então quem quiser aprender e me fazer companhia, confiram lá!

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