🔒História tática da NBA – Anos 1950 e 60

Nas últimas semanas a internet resgatou uma fala do grande Wilt Chamberlain sobre o basquete nos anos 80. A sua opinião sobre uma das épocas de glória da NBA de Magic Johnson, Larry Bird e Michael Jordan? TUDO UM LIXO.

“Esses garotos querem me dizer que que os jogadores de hoje são melhores. Deixe eu te falar, eu joguei na era de ouro do basquete. Eles dizem para eu ver o aproveitamento dos jogadores hoje. Querem me dizer que esses caras arremessam melhor que Jerry West ou Bill Sherman? Bem, eles não arremessam. Vi um jogo nesse ano e contei, os dois times fizeram 57 bandejas. Em um jogo. Eu garanto que ninguém fazia 57 bandejas em uma semana quando eu jogava. O jogo é legal hoje, mas ele é muito diferente. Eles são mais velozes, tem mais estilo, mas não são necessariamente melhores. Elgin Baylor estava fazendo tudo isso 30 anos atrás”

Assim como hoje o pessoal da velha guarda critica o número de arremessos de longa distância, Chamberlain estava condenando a chatice de assistir 57 bandejas num mesmo jogo. Troque “bandejas” por “bolas de 3” e vai parecer mais um desabafo estabanado do Charles Barkley na TNT. É um ciclo interminável de pessoas defendendo como tudo era melhor na época deles e condenando as mudanças. Não é algo exclusivo do basquete, parece mais uma característica geral humana que sente um certo pavor de ver tudo aquilo que defendeu e abraçou na sua juventude perder valor para quem decide fazer diferente.

Mas tirando a parte do juízo de valor, da discussão chata sobre que época era melhor ou pior, é interessante analisar como diabos nós chegamos onde chegamos. Como era o basquete no passado distante e recente? Década por década, tentaremos achar algumas respostas nesta série de posts. Começamos pelo começo, para entender o que definia o estilo de jogo dos anos 1940, 1950 e 1960.


Os primeiros anos

A NBA começou em 1946-47 e é bem difícil encontrar vestígios em vídeos de como era o basquete naquele tempo, mas existem algumas pepitas espalhadas por aí que ajudam a entender, como a primeira cesta da nossa amada liga:

Esta cesta indica um pouco de como o basquete era jogado nesse início. Muitos toques de bola, poucos dribles e cestas de contra-ataque. Ainda resquício de décadas anteriores onde os dribles eram proibidos e, depois, limitados, o basquete era um jogo de toque de bola. Antes não se podia driblar, depois deixaram bater a bola apenas uma vez no chão, mas desde que não se arremessasse logo depois! E foi assim por muito tempo até que todo mundo pudesse finalmente pingar a redonda na madeira sem limites para ser feliz. Mas o estrago estava feito: o jeito certo de jogar basquete era se posicionar, girar a bola em passes até achar um lugar para um arremesso de meia distância, uma bandeja ou um gancho, a jogada tradicional dos pivôs.

Como não havia a linha dos 3 pontos, arremessar de muito longe era desnecessário. Os tiros de meia distância, mais fáceis, eram a alternativa para quem não conseguia entrar nos congestionados garrafões, povoados pelos caras mais altos que queriam fazer pontos lá embaixo do aro. Esta partida entre Fort Wayne Pistons e Minneapolis Lakers de 1952 é um bom exemplo de tudo isso:

Curioso ver como os dois times buscam chegar o mais próximo da cesta, mas é raro que usem dribles e infiltrações para isso. Acontece quando há uma linha livre, mas em geral essa aproximação acontece no handoff, um dos lances mais usados no basquete daquela época. Abaixo, o Lakers usa um handoff paga ganhar espaço e acionar George Mikan sob a cesta:

Toca-se a bola para o pivô e corre-se em sua direção para recebê-la de volta. Eles fazem isso na lateral da quadra, no centro do garrafão e até bem perto da cesta. A capacidade do pivô de receber a bola em boa posição, fazer o corta-luz contra seu próprio defensor e soltar a bola no momento certo é decisiva. No lance abaixo o handoff acontece na cabeça do garrafão, no meio de um BOLO de 4 jogadores que o próprio Lakers monta para confundir a defesa nas trocas de marcação. Dá certo, um adversário alto sai para defender um armador e Vern Mikkelsen sobra em um mismatch contra um baixinho no garrafão:

Em um último lance, Mikan induz a defesa a achar que mais um handoff irá acontecer e acaba livre para um arremesso fácil e sem marcação. Ele erra, mas garante o rebote ofensivo e os pontos:

Gosto em especial desse lance da final da NBA de 1954 entre Minneapolis Lakers e Syracuse Nationals porque mostra bem como os jogadores correm pouco, como as defesas pouco tentam agredir quem tem a bola e como o drible é completamente secundário perto dos passes e dos handoffs:

Mas que fique claro, as infiltrações aconteciam e a criatividade individual aparecia eventualmente. Claro que tudo ainda no nível do chão, sem ninguém voando como passamos a ver décadas depois. Um bom exemplo é esse belo lance de Paul Seymour:


A pouca quantidade de infiltrações e a preferência pela aproximação via handoff tem ainda um outro motivo: era difícil driblar os marcadores para abrir caminho para a cesta. Não que faltassem dribladores bons (embora a ausência de atletas negros nos primeiros anos não ajudasse nesse aspecto…), mas as regras da NBA eram muito mais rígidas em relação ao “palming“, a boa e velha CARREGADA DE BOLA. Se hoje vemos o Isaiah Thomas enlouquecendo o Fred Hoiberg com seus dribles, digamos, loooongos, lá nos anos 50 e 60 nem isso aqui era perdoado:

Com os dribles curtos e os jogos baseados nos passes, era fácil que um jogo, de uma hora para outra, ficasse terrivelmente LENTO. Até 1954 não havia o relógio de 24 segundos no basquete, então os times poderiam passar quanto tempo quisessem com a bola na mão, sem arremessar. Logo, as equipes que estavam na liderança perceberam que era um bom negócio abrir o placar, enfiar dois volantes no meio de campo, fechar as linhas de quatro e segurar o resultado. Não existem números oficiais de “pace“, o número de posses de bola por partida, daquela época, mas é possível ter uma ideia da velocidade de um jogo pelo número de arremessos tentados por partida ao longo desses primeiros anos:

Temporada Arremessos por jogo Lances-livres por jogo
1946-47 92,9 24,8
1947-48 96 27
1948-49 88,7 31,3
1949-50 83,1 33
1950-51 83,6 33,4
1951-52 80,8 33,2
1952-53 77,1 35,9
1953-54 75,4 33

São cada vez menos arremessos por jogo e mais CHATÍSSIMOS lances-livres. Ou seja, jogos mais lentos e pausados.

O momento simbólico para a mudança veio em um jogo entre Fort Wayne Pistons e Minneapolis Lakers, vencido pelo Pistons por patéticos 19 a 18! E não, não era uma partida de Jogos Escolares de São Bernardo! Era a NBA! Como o Lakers tinha o poderosíssimo pivô George Mikan, o Pistons achou que o melhor era que ele desse o mínimo de arremessos possível. Era Daryl Morey e as analytics antes do seu tempo! Nesse jogo o Pistons chegou a passar QUATRO MINUTOS INTEIROS numa mesma posse de bola, sem arremessar. Em casos assim, o time adversário era obrigado a fazer faltas para mandar o outro time para a linha de lance-livre e assim ter uma chance de ter a bola de volta. Esse jogo registrou placar de TRÊS A UM no último quarto! O Pistons arremesso só 13 vezes em 48 minutos. Pode piorar?

Sempre pode! Algumas semanas depois o Rochester Royals enfrentou o Indianapolis Olympians numa partida de SEIS prorrogações! E cada tempo extra teve um total de… UM ARREMESSO. Quem tinha a bola esperava para chutar no segundo final e pronto. Eu prefiro apanhar do que ver um jogo desse.

Não à toa, a torcida estava cada vez mais escassa e desinteressada em ver  jogos lentos de placares baixos. A NBA precisava agir a resposta foi a criação o relógio de posse de bola, os 24 segundos que conhecemos hoje para limitar o tempo que um time tem para arremessar. E por que 24 segundos e não 20, 30 ou 40? Não foi um método muito científico…

Danny Biasone e Leo Ferris, dono e General Manager do Syracuse Nationals, respectivamente, decidiriam experimentar o relógio de 24 segundos num treino coletivo da equipe e gostaram do resultado. O número foi escolhido por puro gosto pessoal. Eles selecionaram partidas que lembravam de terem gostado de assistir, viram o total de arremessos tentados em cada uma delas, traçaram uma média, dividiram pelo total de segundos num jogo de basquete (2.880, caso alguém tenha ficado curioso) e chegaram a esse número: 24.

A liga abraçou a aritmética da dupla, mudou a regra e o basquete nunca mais foi o mesmo. Foram 7 anos seguidos de aumento no total de chutes tentados por jogo até o número se estabilizar:

Temporada Arremessos por jogo Lances-livres por jogo
1954-55 86,4 35,9
1955-56 91,4 38
1956-57 94,6 36,9
1957-58 101,9 38,3
1958-59 102,3 36,3
1959-60 108,7 35,8
1960-61 109,4 37,4
1961-62 107,7 37,1

As estrelas assumem o controle

O basquete dos anos 60, já funcionando dentro da lógica do relógio dos 24 segundos, passou a ser bem mais interessante e rápido, mas nem tudo mudou. O jogo ainda passava demais pelas mãos dos pivôs, e as chegada de dois dos maiores nomes da posição, Bill Russell e Wilt Chamberlain, ajudaram a consolidar a posição. Em alguns lances da final da NBA entre Boston Celtics e Los Angeles Lakers de 1965 é possível ver coisas dos anos anteriores —handoffs, cortes em direção à cesta, pivôs comandando o ataque– mas com muito mais velocidade que no passado. O começo dos anos 60 registram as maiores médias de arremessos tentados por jogo NA HISTÓRIA DO BASQUETE!  É tudo como nos vídeos anteriores, mas todos são mais fortes, mais rápidos e mais apressados:

Embora a velocidade causasse alguns arremessos fossem muito forçados e desnecessários, a qualidade do jogo não era prejudicada por isso. Vejam como até lances ensaiados e trabalhados aconteciam bem no começo das posses de bola. Não tinha muita enrolação ou redesenho da jogada no meio da posse de bola:

Outros lances, alguns até um pouquinho mais longos (essa posse até durou 14 segundos!) já tem atalhos que são usados até hoje. Esse split action do Celtics, usado muito pelo Chicago Bulls nos ano 90 não é também a coisa mais Golden State Warriors do mundo?

Durante a década de 1960 já vemos como alguns jogadores conseguem expandir as características táticas do jogo. O garrafão é maior devido à dominância de Wilt Chamberlain, o jogo tem infiltrações graças ao poder físico de Elgin Baylor ou Sam Jones e até mais individualista nas mãos de mega talentos como Jerry West e Oscar Robertson.

Na famosa final de 1969, quando Bill Russell se aposenta vencendo um Jogo 7 contra o favorito LA Lakers, em Los Angeles, vemos o poder de fogo absurdo da dupla Jerry West e Wilt Chamberlain, e como o jogo do time angelino era muito mais individualista do que o padrão do passado, mesmo que taticamente ainda use aqueles mesmos handoffs e triângulos do passado para encontrar o pivô próximo da cesta.

Nesse primeiro lance vemos um handoff de Chamberlain para West, que consegue cavar uma falta de Russell:

O handoff aparece como alternativa para deixar Jerry West com espaço para um arremesso da zona morta:

E depois já vemos Jerry West em FULL KOBE MODE, nem pedindo jogadas:


Curiosamente, é nesta década amplamente dominada pelo basquete coletivo do Boston Celtics que a NBA começa a se tornar uma liga baseada nas suas super estrelas. Elas definem o que é tendência, trazem o público, a audiência e definem o estilo de jogo de cada time. A bola passa mais tempo na mão desses caras do que na dos outros jogadores e os recordes individuais começam a se tornar colossais. A soma dessa geração de talento surreal, do jogo concentrado em suas mãos e os jogos com quase 110 arremessos criam as aberrações estatísticas que pareciam insuperáveis até a chegada de Russell Westbrook.

O fim dos anos 60 são um período de transição entre o basquete clássico de muitos passes e o que vamos começar a ver nos anos 1970, especialmente na ABA, com um jogo individualista, AÉREO e sem abrir mão da velocidade.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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