🔒História Tática da NBA – Anos 1990

Desde o começo dos anos 1960 até o fim dos anos 1980, tratados nos especiais anteriores, falamos muitas vezes de um basquete extremamente veloz na NBA. O número de posses de bola e arremessos tentados por jogo variou um pouco a cada década, mas os números eram sempre altos e bastavam alguns minutos de vídeo para vermos um esporte frenético, de decisões rápidas. Mas pensando bem, era rápido em comparação com o que, né?

A história tática da NBA – Anos 1950 e 1960

A história tática da NBA – Anos 1970

A história tática da NBA – Anos 1980

Para muita gente, o basquete só se jogava daquele jeito rápido, e a coisa só parece apressada para quem viu outras épocas. Seja quem estava lá nos anos 1950, antes da criação do relógio de 24 segundos de posse de bola, ou depois –caso mais provável para quem lê este blog– que começou a ver a NBA nos anos amados anos 1990. Vista com saudosismo por tanta gente que se apaixonou pelo esporte na época do quase divino Michael Jordan, o basquete noventista é, curiosamente, um com placares baixos, defesas dominantes, jogos amarrados e MUITO, MUITO contato físico. Se no futebol, por exemplo, tudo isso seria sinônimo de desinteresse do público, no basquete deu certo. Foi nos anos 1990 que a NBA consolidou a popularidade que ganhou na década anterior e foi quando, finalmente, se tornou um esporte global, inclusive ganhando transmissões na televisão aberta do Brasil.

O caminho para esse tipo de basquete passou por quatro pilares principais.

1. “Defesa ganha campeonatos”

O poder de narrativa que o time bi-campeão do Detroit Pistons conseguiu ao redor da NBA foi estrondoso. Como falamos no último especial, o time foi bi-campeão da liga em 1989 e 1990 ao superar seus rivais com uma defesa sufocante. O time não era nem de perto tão veloz, criativo ou talentoso quanto o Boston Celtics ou o LA Lakers, mas conseguiu passar por cima de ambos. Também, apesar de Isiah Thomas, não tinha ninguém que chegasse aos pés do domínio individual de Michael Jordan, e mesmo assim uma defesa coletiva sobre ele, as famosas “Jordan Rules” fizeram o time de Detroit impedir o primeiro título de MJ.

Mesmo a abordagem do Pistons, de serem “bad boys“, machões que não tinham qualquer interesse em ser admirados ou respeitados pelos rivais, ganhou um apelo em um nicho cheio de machos alfa competitivos. Dá pra ir além e dizer que é uma coisa de geração, que essa coisa de se impor na base da força não pegaria com os nossos amados Millenials, por exemplo, mas aí é fugir demais da área tática.

A questão é que o Detroit Pistons reforçou, de um jeito bem específico, um dos clichês mais poderosos do esporte americano, o de que “ataques ganham jogos, defesas ganham campeonatos”. E uma boa defesa, mesmo que montada por jogadores que não sejam geniais, pode superar equipes com mais talento individual. Ser o Novo Pistons era a fórmula para todo time da NBA não depender de elencos com dúzias de mega estrelas, como parecia ser a fórmula do título nos anos 1980. A NBA então começou a se moldar a essa ideia: se hoje alguém que não sabe arremessar fica relegado ao fim do banco de reservas, nos anos 1990 saber defender era a coisa mais importante que um jogador poderia fazer. Abaixo, o Bulls devolvendo na mesma moeda a defesa para o Pistons em 1991:

Falando em defesa, uma pausa para lembrar algo que já falamos outras vezes neste especial: defesa por zona era proibida na NBA. Um time só podia dobrar a marcação sobre um jogador no momento que ele pegasse a bola na mão. Deixar um jogador “flutuando” na cobertura, por exemplo, era punido com falta técnica. Todo mundo tinha que estar marcando alguém o tempo todo. O que se fazia então, ainda mais nos anos 1990, era deixar um cara ISOLADÍSSIMO num canto da quadra para que essa marcação dupla, a grande arma disponível, demorasse a chegar. Abaixo vemos como o Seattle Supersonics usou as dobras para tentar diminuir a força de Jordan no 1º jogo da decisão de 1996:

Em uma entrevista anos depois de parar de jogar, o ala Steve Smith criticou a adoção da defesa por zona na NBA em 2001: “Se você não consegue marcar seu homem, você não pode jogar”. Para ele, defender como um time para superar a dificuldade técnica de um dos jogadores que formam esse time é sinal de fraqueza e empobrece o jogo. As jogadas de isolação eram não só tática, refletiam como os próprios jogadores viam o basquete nessa época como um conjunto de ações individuais.

2. Michael Jordan manda em tudo

Outro fator que fez esse conceito-Pistons se espalhar foi a propaganda feita por Michael Jordan. Se ele acredita, quem somos nós pra negar, né? É famosa a declaração de MJ de que as derrotas para o Pistons foram essenciais para que ele crescesse e aprendesse a ganhar jogos de Playoffs e campeonatos. O Chicago Bulls se tornou o monstro vencedor de 6 títulos em 8 anos porque, para desespero dos rivais, virou uma soma de Lakers/Celtics e Pistons: alguns dos mais talentosos jogadores DA HISTÓRIA que também gostavam e não tinham medo de sujar a mão na defesa. Aqui um trecho do livro Scorecasting, que tenta desvendar o que faz times ganharem jogos:

“O momento chegou enfim. Em junho de 1991, Michael Jordan consolidou sua reputação de melhor jogador da sua era –ou melhor: qualquer era– ao liderar o Chicago Bulls ao título da NBA. Enquanto ele abraçava o troféu pela primeira vez, sua explicação para sucesso do time soava familiar para qualquer um que já disputou um esporte coletivo. ‘Defesa’, disse Jordan, ‘ganha campeonatos’. Pode ser a frase mais citada do esporte, mas porque Jordan falou ela ganhou um ar gospel”

O foco na defesa trouxe consequências para os planos ofensivos. Para evitar contra-ataques, boa parte dos técnicos pregava um ataque mais lento e cauteloso: sem passes arriscados, sem correria fora de hora e com enorme foco em isolar grandes estrelas, sempre difíceis de marcar no mano-a-mano. Até sistemas ofensivos mais complexos dessa época, como os triângulos do Bulls, tinham como objetivo principal isolar seu melhor jogador contra um pobre coitado:

O outro time a ter destaque nos anos 1990, o time bi-campeão do Houston Rockets, era também bem cauteloso e simples e com um individualismo-que-virava-coletivo: bola em Hakeem Olajuwon, que então finalizaria ou, em caso de marcação dupla, passaria para alguém livre. Foi o primeiro time na história da NBA a ganhar um título dando maior importância para as bolas de 3 pontos:

Lembrando que a marcação dupla sobre Hakeem era essencial para evitar tragédias como o terrível assassinato de David Robinson. O San Antonio Spurs hesitou em dobrar a marcação sobre o pivô, confiando na defesa de seu MVP, mas foi um massacre de ganchos, arremessos de meia distância e fintas devastadoras. É por essas e outras que a NBA muitas vezes teve tática tão simples, as estrelas fazem toda a diferença:

3. Todos são grandes e fortes (e podem usar isso)

Assim como todas as outros modalidades no planeta, o basquete sofreu um impacto na primeira metade dos anos 1990 com a ascensão do preparo físico esportivo. De repente todo mundo era muito forte, muito rápido e muito atlético. Se no futebol isso permitiu que muitos volantes ganhassem emprego só por terem físico para destruir jogadas por 90 minutos, no basquete isso fez com que caras ágeis virassem paredões impenetráveis. Explico: só em 2004 que a NBA acabou de vez com a regra do hand-check, que era a permissão para um defensor manter uma mão encostada no atacante, sem que fosse dada a falta. Hoje ninguém pode defender com uma mão encostada no outro, nos anos 1990 o seu técnico te mataria se você não passasse o tempo todo catucando seu rival. Só caras MUITO bons e também muito atléticos conseguiam atacar a cesta nessa época.

Nenhum jogador soube usar tão bem essas liberdades defensivas como Gary Payton. Ele tinha a força, a mentalidade, as mãos firmes, o posicionamento e a antecipação para ser um grande defensor em qualquer época, mas podendo jogar sempre com uma mão grudada no rival ele se tornou o maior carrapato já visto. Sua obra-prima foi o Jogo 4 da decisão de 1996 contra o Bulls, já citada lá em cima. Com seu Sonics perdendo por 3 a 0 no duelo, ele assume a defesa individual de Jordan, mesmo sendo de uma posição diferente, e o segura a apenas 6 arremessos certos em 19 tentativas.

O vídeo abaixo, para quem entende inglês, é legal para explicar a parte técnica da defesa do “The Glove”:


4. Pivôs, pivôs por toda a parte

Durante os anos 1990 as bolas de 3 já eram MUITO mais populares que na década anterior, mas ainda assim não dominavam o repertório de todos os times. A breve exceção aconteceu de 1994 a 1996, quando a liga tentou uma linha de 3 pontos mais curta e fez mais gente arriscar esse chute, mas logo tudo voltou ao normal. Além da falta de especialistas e dos técnicos ainda relutantes em abusar de bolas de aproveitamento tão baixo, ia contra o senso comum do basquete colocar a bola para mais longe da cesta ao invés de mais certo. A ideia foi reforçada porque o DESTINO colocou na NBA a melhor geração de pivôs da história!

Sério, pivôs bons existiram sempre, mas aqui estamos falando de Hakeem Olajuwon, David Robinson, Shaquille O’Neal, Alonzo Mourning, Patrick Ewing, Dikembe Mutombo, Arvydas Sabonis, Vlade Divac e Brad Daugherty. Tudo ao mesmo tempo! Quem não tinha um grande pivô estava atrás de um, quem tinha fazia questão de dar certo protagonismo a ele.

E até quando os pivôs propriamente ditos não eram as estrelas, a função-de-pivô seguia dominante. Muitas vezes as isolações das grandes estrelas, independente de sua posição, acontecia em lances de costas para a cesta. Todo o sistema de triângulos do Bulls funcionava para colocar Michael Jordan nessa situação, e ele não demorou para se tornar o melhor de todos, claro:

O post-up também era bem explorado por alas de força como Karl Malone, Shawn Kemp ou Charles Barkley. Se hoje essa posição está quase em extinção, na época ela dizia respeito a mais um cara gigante, além do pivô, que estava sempre no garrafão. Em geral eram mais ágeis que os pivôs, mais baixos e com a capacidade de causar dano também mais longe da cesta. O que não tirava, claro, a obrigação de ter repertório de costas para a cesta:

Saber defender esse tipo lance era fundamental, e o vídeo abaixo com grandes momentos defensivos de Scottie Pippen mostra como ele ganhou a fama de um dos grandes defensores da história. O ala sabia como poucos antecipar e limitar ações no post-up, mesmo enfrentando jogadores de estilos e tamanhos diferentes:


Os anos 1990 foram importantes e divertidos. Fizeram o mundo se apaixonar pelo basquete e apresentaram uma coleção interminável de grandes jogadores carismáticos e absurdamente talentosos. O óbvio é lembrar de Jordan, mas ver a soma de talento e nova força física em outros, como Barkley, Shaq, Ewing, Malone, Stockton, Payton, Hardaway, Olajuwon, Pippen, Grant Hill e etc. foi para mostrar para o mundo que o basquete de alto nível era o melhor entretenimento que você poderia ver. Mas nem tudo é só lado positivo, como a década seguinte iria nos mostrar: esse jogo mais lento, excessivamente físico e tão focado nas defesas e nas jogadas individuais pareceu bem mais chato quando um gap entre gerações talentosas assombrou a NBA.

O pós-Jordan dos anos 2000 é tema do próximo especial.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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