O impacto emocional das trocas

Quando analisamos as trocas que os times da NBA fazem todas as temporadas, tentamos levar em consideração os ganhos táticos, as estatísticas, as possibilidades de rotação e até mesmo as questões financeiras e salariais. Pensamos em possíveis cenários melhores, dissecamos a duração dos salários e tentamos encontrar quem foram aqueles que se beneficiaram e quem foram aqueles que se prejudicaram com cada jogador trocado. Nesse processo, muitas vezes nos esquecemos que essas trocas também impactam uma área desconhecida, completamente incontrolável e que pode, muitas vezes, ser a parte mais importante do negócio: o psicológico dos envolvidos.

O exemplo mais claro disso ocorreu em 2011, quando o Boston Celtics era um dos favoritos para lutar por um título de campeão. O elenco, então com Kevin Garnett, Ray Allen e Paul Pierce, havia sido campeão em 2008 e chegado novamente às Finais da NBA no ano anterior, 2010. Mas a diretoria do Celtics não conseguiu firmar uma extensão de contrato com um dos membros desse elenco, o pivô Kendrick Perkins, e estava receosa de perdê-lo por nada ao fim da temporada. A ideia de trocá-lo parecia perfeitamente compreensível por todos os critérios técnicos: Perkins sofria com lesões, havia desfalcado o time nas Finais anteriores, seus números eram discretos (7 pontos, 8 rebotes e menos de 1 toco de média na temporada 2010-11) e parecia uma peça completamente dispensável. Foi trocado por Jeff Green (EXTRA, EXTRA, NOVE PESSOAS ENGANADAS) numa negociação que prometia desaparecer na história como uma das mais sem importância da Liga.

Mas calhou que a saída de Kendrick Perkins caiu como uma bomba no elenco do Celtics. Ele era amigo de todos os jogadores, formavam uma auto-intitulada “família”, e Perkins era uma parede de tijolos sempre disposta a proteger seus companheiros em quaisquer situações. O clima nos vestiários azedou, a confiança dos jogadores na diretoria desapareceu e nas quadras uma série de efeitos-colaterais começaram a surgir: problemas para pegar rebotes, falta de proteção de aro e uma sensação geral de que o time não jogava mais “duro” o suficiente. Não chegaram mais às Finais e eventualmente o time foi desmontado rumo a uma nova reconstrução.

O Thunder, que recebeu Perkins na troca, viu uma situação oposta: mesmo usando pouco o pivô (que teve números ainda mais discretos), o elenco ganhou um ânimo até então inédito e chegou às Finais da NBA em 2012. Vários depoimentos descrevem como Perkins ensinou ao Thunder uma “cultura vencedora”, revolucionou os treinos, o jeito de se jogar defesa, o tipo de companheirismo que os jogadores deveriam ter uns pelos outros. Lembro de alguém comentar que apanhava menos das defesas adversárias porque o Perkins estava sempre lá encarando e peitando todo mundo.

Não quero de modo algum dizer que Kendrick Perkins era um gênio e muito menos responsabilizá-lo pelo título do Celtics ou pela campanha do Thunder rumo às Finais da NBA. Minha intenção é apenas explicitar que existem jogadores que impactam suas equipes de maneiras que não aparecem diretamente nas estatísticas e às vezes nem mesmo nas quadras. Perkins era parte importante pelo que fazia nos vestiários, pela sensação de proteção e seriedade que passava aos companheiros, pela postura que tinha nos treinamentos. Não durou muitos anos no Thunder, mas é inegável que ele foi uma figura transformadora especialmente para Russell Westbrook e sua abordagem do jogo nos dias atuais.

Fiz essa viagem pelo passado apenas para demonstrar que o maior impacto da troca de Blake Griffin para o Detroit Pistons não será nos pontos, no seu jogo de garrafão, na sua capacidade de aumentar o ritmo do time em quadra. Será nisso aqui:

Em sua primeira partida, sua entrevista já foi interrompida por um CHUVEIRO de garrafinhas, responsabilidade de Andre Drummond e Reggie Jackson. E o mais legal: antes de retornar à entrevista, Blake Griffin fez questão de ir lá abraçar os dois. E tudo isso na frente de quase 19 mil torcedores – uma melhora considerável dos 17 mil torcedores que o time recebeu em média nesse ano, e muito acima dos 15 mil torcedores que eram a média do ano passado, especialmente quando lembramos que a arena nova tem capacidade de receber mais de 20 mil pessoas. Se o número se mantiver, o Pistons ainda terá lugares vazios, mas pulará de um dos 10 piores em lotação dos ginásios para um dos 10 melhores!

Os dois primeiros jogos de Griffin em Detroit – duas vitórias, uma em cima do Grizzlies e outra em cima do Heat – foram aulas de como fazer uma pessoa se sentir bem recebida. Qualquer coisa que Griffin fazia, fosse uma jogada genial ou estúpida, todo jogador nas imediações corria para lhe cumprimentar e parabenizar. Quando ia para o banco de reservas, todos faziam questão de abraçá-lo. E o ato IMBECIL de esquecer no vestiário a camiseta na volta do intervalo e não poder entrar em quadra no começo do terceiro período virou uma piada, não um problema:

O impacto de Blake Griffin foi na EMPOLGAÇÃO e na FELICIDADE dos membros desse elenco. Estão todos eufóricos de jogar ao lado de uma estrela, de alguém que torna as partidas animadas, que faz as coisas acontecerem na quadra – estão felizes por receber um “líder”. Griffin chegou falando sobre como desde a infância aprendeu o valor de jogar duro, e que o Pistons era famoso por ser o lugar em que se joga mais duro na NBA, alguma bobagem desse tipo. Mas o discurso funciona, os jogadores acham que agora finalmente tem um motivo para jogar duro, a sensação de que algo GRANDE pode acontecer a qualquer momento, a sensação de que os torcedores estão vendo, que as câmeras estão ligadas, e que finalmente alguém pode tirá-los das enrascadas em que eles se metem continuamente nas últimas duas temporadas. Parte disso é verdade – Griffin chegou decidido a finalizar o máximo possível de jogadas, os torcedores apareceram, o time vai ter mais visibilidade com algumas jogadas de efeito rodando na internet, como essa ponte-aérea instantânea com Andre Drummond abaixo.

Mas o mais importante é a SENSAÇÃO para o resto do elenco de que o time tem talento o bastante para dar uma aliviada nas responsabilidades de todo mundo. Após a vitória contra o Miami Heat, sobraram entrevistas afirmando que “foi mais fácil jogar ao lado de Blake Griffin porque ele cria tanto espaço”, “ele atrai tanta marcação no garrafão” e coisas do gênero. O técnico Stan Van Gundy já começou jogando o coitado numa furada: sem tempo de incorporá-lo às jogadas da equipe, chamou uma série de jogadas de mano-a-mano para Griffin num lado da quadra e o convidou a inventar alguma coisa, dando arremessos em situações pouco lisonjeiras e cercado por todos os lados de marcadores afoitos. Mas os demais jogadores ficaram fascinados, gratos pelo raro espaço que conseguiram e pelos arremessos que puderam dar graças ao sacrifício do companheiro. E quando a coisa apertou, Griffin decidiu ou deu passes decisivos, assumindo completamente a responsabilidade e puxando ele mesmo os contra-ataques, ignorando qualquer movimentação ofensiva que estivesse em vigor sem seu conhecimento.

Não tenho dúvidas de que o Pistons vai sofrer nos próximos meses, especialmente porque Griffin vai deixar evidente que mesmo com espaço o time não tem arremessadores bons o bastante para converter as bolas necessárias para deixar o time verdadeiramente competitivo. Mas o clima em Detroit já é outro. Comissão técnica fala sem parar de incorporar Blake Griffin no esquema tático, com Stan Van Gundy dizendo que em breve a nova aquisição vai se beneficiar também das jogadas com Drummond segurando a bola longe do garrafão e ansioso pelos resultados desse experimento. O elenco mostra esse mesmo grau de ansiedade, com até Reggie Jackson, famoso por nunca ter se integrado muito bem à equipe, plenamente inserido nas brincadeiras – talvez saber que ele não é o líder da equipe deixe todo mundo mais tranquilo, até ele próprio. E duas vitórias consecutivas parecem subitamente como se o time já pudesse vislumbrar as Finais da Conferência Leste, um futuro promissor e cheio de alegrias pela frente.

Será que o Pistons deveria ter aceitado o contrato gigante e o histórico de lesões de Griffin, abrir mão de Tobias Harris, construir um par improvável com Andre Drummond, ignorar a ausência de melhores arremessadores, comprometer o futuro financeiro da equipe? Todas essas são questões técnicas, de caráter tático ou econômico, que esquecem o impacto psicológico da chegada de uma grande estrela num time que estava – e a gente não tinha certeza disso até agora – AFOITO por uma presença e uma personalidade desse nível.

Criar times vencedores é uma equação extremamente complicada que precisa levar também em consideração a SENSAÇÃO do vestiário e a personalidade dos envolvidos. E isso não significa levar em consideração a personalidade individual de cada um, o que seria impossível, mas sim a personalidade COLETIVA que surge da interação desses indivíduos. Como professor, já vi salas de aulas em que a norma é perguntar o tempo todo e salas de aula em que fazer perguntas é quase um crime capital, e não é por conta de uma ou outra pessoa, mas sim de uma dinâmica coletiva que surge do conjunto de interações sociais. É pensando nisso que precisamos nos adequar às particulares de todo agrupamento social.

O New York Knicks de 2011, comandando por Mike D’Antoni, era um time sem estrelas, sem líder e, se olharmos com menos carinho, até mesmo sem TALENTO. Mas era evidente que os jogadores gostavam daquela posição, da liberdade que tinham, da certeza de que todos teriam oportunidades iguais de participar de cada partida. Quando Carmelo Anthony chegou via troca, a dinâmica foi interrompida, a atenção da mídia foi inteiramente pra ele, o jogo passou a ficar mais em suas mãos e o time nunca mais alcançou o sucesso que chegou a ter momentaneamente antes de receber a estrela. Até Mike D’Antoni ficou indignado de ver seu grupo de crianças felizes e anárquicas ser desmontado de repente e nunca mais se recuperou na franquia. O Detroit Pistons de 2018 parecia estar numa situação parecida, mas o sucesso não vinha e os jogadores se sentiam pressionados, sobrecarregados, ansiosos por ajuda. Cediam de bom grado a bola para Avery Bradley arremessar a maior quantidade de bolas de meia distância de sua carreira, mesmo mantendo um aproveitamento de míseros 30%. Se fosse esse Pistons a receber Carmelo Anthony hoje, os jogadores estenderiam um tapete vermelho, soltariam fogos e simulariam a cerimônia de aposentadoria de sua camiseta.

Blake Griffin respondeu que está feliz de estar em Detroit porque finalmente está num lugar que quer ele lá – algo que podemos ver claramente que é a mais pura verdade. Detroit está feliz em todos os lados, da torcida aos companheiros de time, e isso por si só já justifica a troca. É por isso que precisamos, às vezes, resistir à tentação de fazer uma análise de uma troca antes de imaginar seus efeitos sobre a dinâmica social dos jogadores. Se voltarmos no tempo para 2011, veremos que eu provavelmente terei apoiado a troca de Carmelo Anthony para o Knicks e de Kendrick Perkins para o Thunder em troca de Jeff Green (EXTRA, EXTRA, DEZ PESSOAS ENGANADAS) porque não sabia medir o impacto que um jogador pode ter na dinâmica de um grupo, media apenas as possibilidades táticas que esses jogadores apresentavam. Mas voltando ao presente, não consigo ignorar o sorriso na cara do Detroit Pistons e o alívio desses jogadores que não queriam arremessar – sensações que, imagino, resistirão mesmo quando as derrotas aparecerem, até porque elas já estavam acontecendo mesmo. Só que agora acontecerão de maneira bem mais alegre, divertida e promissora, o que já está de bom tamanho.

 

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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