Incompatíveis e inseparáveis

No instante em que Paul George avisou a diretoria do Oklahoma City Thunder de que queria ser trocado para o Los Angeles Clippers, o destino de Russell Westbrook já estava traçado. Trocar por Paul George havia sido uma tentativa desesperada por parte do Thunder de manter o time competitivo após a saída de Kevin Durant e, com isso, convencer Westbrook a assinar uma extensão e continuar com a equipe. Todo o projeto dependia, no entanto, da vontade de Paul George de ficar por lá, primeiro assinando um contrato duradouro – o que de fato aconteceu, contra todas as perspectivas – e, depois, honrando esse contrato. No momento em que a vontade de Paul George desapareceu, não foi apenas sua estadia na equipe que deixou de fazer sentido, mas sim o time inteiro. Sem ele, Russell Westbrook estaria condenado a voltar no tempo, carregando sozinho com suas médias de triple-double um time sem chances de sair do lugar. Ainda que o Thunder tivesse esperanças de manter Westbrook (e todos os boatos e movimentações demonstram que a equipe tinha essa intenção e pretendia, mesmo que com aquisições discretas, reforçar-se) o armador teria que topar dar passos para trás e muito possivelmente, dado o poder das demais forças do Oeste, passar por um processo de reconstrução. Não fazia sentido; assim que Paul George requisitou uma troca, a NBA inteira prendeu a respiração sabendo que Russell Westbrook já estava preparando suas malas e guardando a escova de dentes.

Primeiro foi a vez de Paul George ser transformado num gazilhão de escolhas de draft e mais Shai Gilgeous-Alexander, apto a assumir a armação de um time voltado para o futuro. Pouco depois foi a vez de Russell Westbrook virar mais escolhas de draft: em troca dele, o Houston Rockets enviou escolhas de primeira rodada em 2024 e 2026, a possibilidade de inverter as escolhas em 2021 e 2025, e mais um tal de Chris Paul.

O desespero do Thunder para enviar Russell Westbrook e poder reconstruir encontrou um par perfeito no desespero do Houston Rockets em se livrar de Chris Paul. Para além dos boatos de que Chris Paul e James Harden já não conseguiam existir no mesmo cômodo sem sair na porrada (algo que parece um PADRÃO na vida de Chris Paul) havia o fato de que o contrato do armador tornou-se um dos mais indesejados da NBA. Já com 34 anos, Chris Paul tem mais 3 anos sob contrato com um salário que ultrapassará a casa dos 44 milhões em sua última temporada, uma ABERRAÇÃO que o próprio armador ajudou a tornar possível quando à frente do Sindicato dos Jogadores, negociando a possibilidade de contratos mais longos para jogadores mais velhos. Quando o Houston Rockets pulou de cabeça nesse contrato NADA A VER, o fez com a certeza de que unir Chris Paul a James Harden era tudo que faltava para a conquista de um título – se os últimos anos do contrato do armador fossem um desastre, seriam um desastre que já teria sido CAMPEÃO DA NBA e todo o horror financeiro seria justificado. Nada como ter jogado dinheiro na privada depois de ostentar um anel de campeão nos dedos.

O problema é que o Rockets bateu na trave, mas não foi campeão – e aí o contrato de Chris Paul, que impede que o time tenha qualquer flexibilidade financeira, se tornou um estorvo terrível. Trocá-lo envolve uma quantidade surreal de espaço salarial para o time que quiser recebê-lo, e tudo por um jogador nos seus últimos anos de carreira, em franca decadência e que notoriamente é tão perfeccionista que não consegue não enlouquecer seus companheiros (reality show dos vestiários do Chris Paul: EU PAGARIA). Basicamente o Rockets apostou alto no armador e, sem o resultado esperado, foi obrigado a comprometer ainda mais anos de salário (Westbrook tem contrato até 2023) e ainda mais escolhas de draft para mandá-lo embora e receber outro jogador de peso para substituí-lo.

O General Manager do Rockets, Daryl Morey, é famoso por movimentar o elenco: ele sempre encontra um jeito de realizar alguma troca, de encontrar grandes nomes, e está disposto a comprometer o futuro financeiro e as escolhas do draft do time para isso. Seu lema é simples: sem os grandes nomes não há título, então todo o resto pode ser sacrificado. Mesmo se esses nomes não fizerem sentido juntos, mesmo se o encaixe for completamente bizarro. Quando entrevistamos o Nenê sobre a bizarra junção de James Harden e Chris Paul, o brasileiro deixou bem claro o pensamento da equipe: jogadores talentosos encontram um jeito, eles fazem funcionar. E foi assim que Russell Westbrook chega a Houston mesmo que sua parceria com Harden não faça UM PUTO DE UM SENTIDO teoricamente, no papel.


Pode não parecer, mas até mesmo o encaixe entre James Harden e seu técnico, Mike D’Antoni, é questionável. D’Antoni se fez famoso com ataques acelerados, dispostos a arremessar nos primeiros segundos de posse de bola para pegar as defesas desprevenidas, mas Harden prefere ataques cadenciados que lhe dão a oportunidade de escolher seus defensores, driblar e criar espaços para as bolas de três pontos. D’Antoni fez concessões: deixando claro que seu objetivo é conseguir os arremessos mais eficientes possíveis, não correr, o técnico foi percebendo que Harden no mano-a-mano é um dos jogadores mais eficientes do basquete. Na temporada passada, nenhum time confiou tantas posses de bola nas mãos de um jogador só como D’Antoni confiou em Harden: praticamente 40% do tempo em que o Barba esteve em quadra viu um arremesso seu, um lance livre seu, ou então um desperdício de bola, quase 10% a mais do que jogadores como Giannis Antetokounmpo ou LeBron James.

Isso não significa que James Harden seja um “fominha”, alguém que se recusa a passar a bola; o que temos aqui é um atestado de eficiência, de que os melhores arremessos possíveis sairão de suas mãos, e de que os melhores arremessos possíveis do elenco de apoio surgirão dos espaços que Harden cria em quadra. No entanto, essa concessão de D’Antoni cobra um preço: não é fácil encaixar outras estrelas num esquema tão centrado na figura de um só jogador. Chris Paul acabou obrigado a jogar longe da bola, o que nunca foi o seu forte, ou então atuar num esquema de “revezamento”, em que ele atua nas posses de bola em que Harden descansa, e descansa nas posses de bola em que Harden ataca. É a pior versão possível de Chris Paul, mas unir estrelas costuma sempre acarretar esse mesmo efeito: alguém precisa ceder e abrir mão de algumas de suas armas principais. É como na vida: quantos relacionamentos você conhece em que uma parceria torna todos os envolvidos melhores e mais fortes, sem ofuscar ou limitar alguém? Viver junto é muitas vezes dar um passo para trás para que alguém também possa respirar do seu lado, o que não combina muito bem com a nossa visão VIDEOGAMÍSTICA do esporte em que unir estrelas é sempre automaticamente MAIS e MELHOR. Quando LeBron James ditou tendência ao se unir com Dwyane Wade e Chris Bosh, por exemplo, todos fizeram concessões, alguns mais e outros menos – Bosh ao ponto de tornar-se irreconhecível, com LeBron tendo que abrir mão de poucas coisas. Mas no fim do dia, a decisão é simples: você prefere um jogador mediano que precisa o tempo inteiro estar alcançando seu potencial completo, ou uma estrela num papel limitadíssimo que pode jogar tranquilamente e bocejando?

Russell Westbrook também descobriu a necessidade de fazer concessões ao unir-se com Paul George. Por mais amigos que os dois sejam e por mais respeito que possuam um pelo trabalho do outro, era necessário que alguém fizesse concessões em seu estilo de jogo para acomodar a nova parceria. Apesar da temporada MUITO RUIM nos arremessos, Westbrook teve uma temporada excelente em fazer acenos para um outro estilo de jogo, para novos tipos de entrosamento: após ser o terceiro jogador a mais finalizar as posses de bola na temporada 2017-18 (e o líder na solitária temporada 2016-17), Westbrook foi o DÉCIMO QUINTO em finalizações na temporada passada. Não à toa Paul George teve a melhor temporada de sua CARREIRA e o Thunder pareceu um time muito mais entrosado e coeso do que nas temporadas anteriores. O preço que Westbrook pagou por isso, no entanto, também foi caro: ao diminuir o ritmo e atacar menos a cesta, causou menos dúvidas e pavor nos seus defensores, o que lhe rendeu menos espaço para arremessos e menos chances de pontuação. Fora de sua zona de conforto, Westbrook foi um jogador mais interessante, mas muito menos eficiente; quando flertou com a vontade de retomar seu protagonismo, como vimos em alguns momentos nos Playoffs, tornou-se um trem descarrilhado™ muito diferente daquela força da natureza com a qual estávamos acostumados.


Isso nos traz, finalmente, à essa união improvável – não apenas entre James Harden e Russell Westbrook, mas entre eles dois e Mike D’Antoni. Westbrook nasceu para jogar para o D’Antoni da década passada, puxando contra-ataques fulminantes, deixando as defesas em polvorosa na transição e punindo os erros de marcação com infiltrações e passes precisos para o perímetro. Por outro lado, James Harden é o responsável por PARIR esse novo D’Antoni, de ataque lento, poucas posses de bola e muito basquete de mano-a-mano. Na meia quadra D’Antoni precisará de arremessos de três pontos enquanto Russell Westbrook acertou risíveis VINTE E NOVE POR CENTO de suas bolas de perímetro na temporada passada, preferindo um jogo de meia distância que o Rockets tenta com afinco ERRADICAR da face da Terra. Quando Harden atacar a cesta, Westbrook deve ter papel nulo no ataque; quando Westbrook atacar a cesta, o melhor jogador de mano-a-mano da NBA, James Harden, estará sem a bola.

A única coisa que torna essa parceria minimamente viável está completamente fora das quadras: Harden e Westbrook são grandes, grandes amigos. Jogaram juntos no Thunder entre 2009 e 2012 e mantiveram-se próximos desde então. Diz a lenda, inclusive, que os últimos minutos de NBA de Carmelo Anthony tiveram a ver com essa amizade: um Carmelo magoadíssimo com Russell Westbrook e Paul George, disposto a ter o melhor jogo da sua vida contra o Thunder para “provar um ponto”, teve uma partida desastrosa e viu Westbrook adentrar o vestiário do Rockets apenas para encontrar James Harden. A dupla saiu então abraçada para jantar, os dois esqueceram que Carmelo existia e o coitado, forever alone, nunca mais voltou ao time.

A fofoca, puramente anedótica, mostra como Harden e Westbrook são mais unidos do que muitos companheiros de time, e possuem um histórico vasto de declarações para a imprensa de admiração pelo jogo um do outro. Harden já afirmou, mais de uma vez, como se inspira no jogo “apaixonado” de Westbrook, e que tê-lo no time significa que nenhuma derrota será “aceita”. Agora, no entanto, essas palavras precisam ser passadas para o campo da realidade e a parceria precisa atravessar as linhas e adentrar a quadra de basquete. Os dois já experimentaram times grandes, com chances de título, e ambos já bateram na trave. Com seus estilos de jogo pouco ortodoxos e polêmicos, ambos também já flertaram com a euforia da torcida e hoje recebem um ódio inacreditável de críticos das mais variadas vertentes. Com o Rockets queimando na fogueira o futuro financeiro do time e perigando cada vez mais um ponto de estagnação em que não será mais possível fazer alterações ou adendos ao elenco, Harden e Westbrook parecem a última esperança um do outro. Com um Oeste plenamente aberto, com diversas forças que ainda não conhecemos e que terão, certamente, que lidar com os próprios ajustes e concessões, esse Rockets pode ter alguma chance. Não tenho qualquer esperança, no entanto, de que extraiam o melhor um do outro; no máximo, espero que não se anulem demais.


A lógica do PODER nos diz que James Harden deve continuar controlando as rédeas da equipe, com Westbrook tendo que fazer os ajustes, anular suas tendências, expor suas limitações e absorver as críticas inevitáveis da imprensa e da torcida. Mas talvez o movimento ousado que aumentaria as chances do Rockets de sair bem sucedido dessa parceria incompatível seria fazer justamente O CONTRÁRIO. Para além da ajuda tática que sempre recebeu nos seus tempos de Thunder, Westbrook é um excelente reboteiro e poderia ser o responsável por levar a bola da defesa para o ataque em altíssima velocidade; James Harden surgiria atrás, depois, para caso o contra-ataque não funcionasse. Nessa configuração, Harden poderia arremessar bolas de três pontos contra uma defesa que estaria totalmente ocupada em parar um contra-ataque de Westbrook dentro do garrafão, ou seja, bolas livres. E em caso de jogadas quebradas, Harden poderia assumir o ataque de meia quadra contra uma defesa mal posicionada por tentar defender a transição, e aí proponho um absurdo: quando o Barba retomasse seu jogo habitual, no mano-a-mano, Westbrook poderia ter como única e exclusiva função os REBOTES OFENSIVOS.

Os números não deduram, porque dificilmente é possível pegar rebotes ofensivos do seu próprio arremesso, mas Westbrook é excelente na função: tem boa explosão, oportunismo e tempo de bola. Tirá-lo do perímetro e aproximá-lo do garrafão permitiria que ele tentasse mais rebotes de ataque, bagunçaria a defesa, impediria que os times adversários voltassem correndo no contra-ataque (porque precisariam, antes, garantir o rebote defensivo) e tornaria a ida de Westbrook para o perímetro uma SURPRESA, algo para quebrar defesas. Com James Harden marcando muitas vezes os alas de força adversários e com PJ Tucker marcando os pivôs adversários e cumprindo muitas vezes essa função de lutar pelos rebotes de ataque, Westbrook poderia compor um quinteto ULTRA-BAIXO do Rockets e ainda assim manter pressão no garrafão, cavar faltas, conseguir rebotes e puxar contra-ataques fulminantes.

Por mais que Harden queira a bola em mãos, talvez exista uma lição a ser aprendida com o Kawhi Leonard campeão em Toronto. O ala do Raptors muitas vezes DESAPARECIA da quadra, escondido na zona morta enquanto Kyle Lowry ou Pascal Siakam encontravam seus pontinhos. E aí, de repente, Kawhi surgia para uma sequência matadora de pontos que vencia partidas ou cortava diferenças no placar. Acredito eu que esse deveria ser justamente o papel de James Harden nesse Rockets, permitindo que Westbrook tenha a bola em mãos para os contra-ataques constantes enquanto ele se esconde voltando lentamente para o ataque ou parado na zona morta; seu jogo de mano-a-mano poderia assim ocorrer como RESPOSTA, como GOLPE FINAL, e não como norma, como padrão de um jogo inteiro.

Por mais que Harden tenha tentado mudar esse cenário nos últimos anos, seu jogo é certamente mais vulnerável nos Playoffs por ser um tanto previsível, depender tanto de sua execução em bolas difíceis, e existir naquela “zona de interpretação” que está nas mãos dos juízes e enlouquece as torcidas rivais. Para muitos, a resposta para os Playoffs era que Harden tivesse um companheiro que o complementasse, que lhe desse melhores arremessos, que tapasse seus buracos. Desde já é possível afirmar que Westbrook NÃO É esse companheiro. Mas talvez a resposta para o dilema de Harden na pós-temporada seja outra: que ele faça MENOS, não mais e nem melhor; que ele possa esconder-se, poupar-se, enquanto outro jogador impõe um medo às defesas. As estatísticas de Westbrook podem não ser as melhores, mas nenhum jogador é melhor em causar PÂNICO ao correr contra os adversários, e talvez isso seja suficiente para que os oponentes esqueçam que Harden exista – até ser tarde demais.


Harden e Westbrook só tem um ao outro e um fracasso conjunto pode ser devastador para como ambos são percebidos pela NBA – o sucesso de suas carreiras até aqui nunca foi suficiente para tirar a aura de constante desconfiança e repúdio que tanto lhes cerca. Os dois, inseparáveis fora de quadra, agora também o serão no mesmo time, e a incompatibilidade de estilos terá que ser resolvida de alguma maneira inteligente – e possivelmente drástica. Se Harden estiver disposto a dar o passo para trás, abrindo espaço para que Westbrook não precise ser um armador “comum”,  talvez tenhamos o momento mais importante e simbólico de sua carreira, e um Rockets com chances reais de título. Caso a mistura não funcione, no entanto, o tombo será grande – não apenas para a dupla de armadores que marcou uma geração, mas também para todo o processo de Daryl Morey. Será que simplesmente obter estrelas não o suficiente? Será que talento não é o bastante para ultrapassar as barreiras naturais de entrosamento e encaixe que tanto aflige as grandes equipes da NBA?

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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