>Individual e coletivo

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Chris Paul, meio Robin Hood, quer dividir a bola com os 
pobres, mas o Derrick Rose não solta nem fodendo

Houve uma época em que a NBA era lotada de armadores especialistas em pontuar. Baixinhos, rápidos, colocando suas equipes nas costas na hora de marcar pontos, esses armadores capturaram o imaginário de todos nós nanicos apaixonados pela ideia de anões marcando 40 pontos na cabeça dos gigantes. Allen Iverson era o cestinha da NBA e levou o Sixers a uma final, Steve Francis enterrava como se fosse ala de força, Stephon Marbury carregava o Suns para os playoffs. Mas então houve uma mudança ideológica na NBA e esses jogadores começaram a se tornar impopulares, símbolos de um modo de jogo ineficiente que deveria ser abolido. Aos poucos foram perdendo lugar em suas equipes, foram trocados múltiplas vezes, e quando menos percebemos já estavam todos desempregados. Iverson era ídolo absoluto, deus de uma geração, um dos jogadores mais espetaculares do planeta – e aí virou motivo de piada, sinônimo de jogador fominha e individualista. E o que poderíamos fazer para salvá-lo? Afinal, ele era mesmo um fominha individualista, não dava pra negar. O problema é que todo mundo achava isso o máximo até que, de um ano para o outro, tornou-se um comportamento inaceitável comparável a ouvir “É o Tchan”. Quem gostava do Iverson passou a dizer isso baixinho. Os fãs do Marbury desapareceram no instante em que ele colocou um vídeo na internet em que comia vasilina. E os torcedores do Houston respiraram aliviados quando Francis foi trocado, afinal um fominha daqueles nunca seria campeão com Yao Ming.

Os tempos são outros. Cada vez mais o importante é ser sagrado campeão. Se um jogador aparentemente fantástico não consegue vencer nos playoffs, deve ser culpa dele, e não queremos nada ineficiente, nada meramente plástico. Carmelo Anthony é um dos melhores pontuadores que o jogo já viu, mas o Nuggets com ele não ia a lugar nenhum – mesmo Nuggets, aliás, que não venceu bulhufas quando tinha Allen Iverson. E para quê serve um jogador que é um dos melhores no que faz se ele não traz vitórias? Sem Carmelo, o Nuggets está nos playoffs dando trabalho para o Thunder e não sente saudade nenhuma da estrela individualista. O Knicks é que se vire com suas estrelas obcecadas pela bola.

Lembro bem de quando Kobe era admirado pelo que conseguia fazer ao monopolizar o jogo. Agora, ele é duramente criticado até por forçar arremessos num All-Star Game, que não vale merda nenhuma. Foi uma mudança de postura da crítica e da torcida, talvez influenciada pelos títulos do Spurs e seu jogo coletivo, talvez pelo anel do Pistons e seu basquete supostamente sem estrelas. Foi um movimento que acabou aposentando vários jogadores e levou Iverson para a Turquia e Marbury para a China, o equivalente a sair da Globo e ir fazer novela no SBT.

Essas coisas acontecem naturalmente no esporte. No futebol nos anos 50, a seleção brasileira era genial porque tinha talento e criatividade ao invés do jogo físico dos adversários, mas bastou perder uma Copa do Mundo para um adversário brucutu e aí o futebol brasileiro não prestava mais porque não tinha obediência tática e condicionamento físico. As opiniões mudam rápido, sempre influenciadas pelos resultados, e jogadores vão de queridinhos a desempregados muito depressa se não souberem se adaptar.

Mas eis que essa era de coletividade e idolatria dos armadores puros, em que a frase “tornar seus companheiros melhores” é o novo hit do verão, vê a chegada de Derrick Rose – e fica completamente apaixonada. É fácil entender, o Derrick Rose é um jogador excelente, um primor físico, o cara mais rápido do planeta, dá enterradas absurdas e penetra no garrafão como faca quente em manteiga, é apaixonante para a gente que curte um jogador suado. Mas ele é a representação atual de tudo aquilo que a torcida achava odiável apenas alguns minutos atrás, e é isso que me intriga tanto. Ao contrário do que acham alguns leitores do Bola Presa, não sou um odiador do Rose. Pelo contrário, acho ele um jogador fantástico de se assistir, é um dos meus armadores favoritos. Apenas acho importante apontar alguns aspectos do seu jogo que compreendemos como falhas em outros jogadores, e relativizar um pouco sua importância dentro do Bulls.

Na vitória do Chicago em cima do Pacers no primeiro jogo de playoff do sábado, Derrick Rose teve números absurdos: foram 39 pontos, 6 rebotes, 6 assistências, um roubo de bola e 3 tocos. A vitória foi mérito dele, o Pacers não fazia ideia de como pará-lo e ele praticamente passou o jogo inteiro dentro do garrafão fazendo bandejas, sofrendo faltas e tomando um suquinho. Mas vejam só: ele acertou apenas 10 dos 23 arremessos que tentou, errou todas as suas 9 tentativas da linha de três pontos, e desperdiçou 3 bolas. Sua prioridade foi sempre, sempre, atacar a cesta. Quando não era possível, tentava um arremesso do perímetro. As bolas não estavam caindo, mas ele compensou porque é capaz de penetrar em qualquer espaço, passar por baixo do sovaco de alguém e sofrer a falta. Foram 19 lances livres certos em 21 tentativas.

Derrick Rose venceu o jogo sem tornar nenhum dos seus companheiros melhor. Sua média foi de 2 assistências apenas para cada desperdício de bola. A enorme maioria dos seus arremessos de três foi idiota e precipitada, e ele continuou forçando mesmo ao ver que nenhuma bola estava caindo. Muitas das suas infiltrações, que davam certo, eram coisa para técnico enfiar o sujeito no banco de castigo para sempre caso não funcionassem. Mas funcionaram, a vitória é dele, e a torcida tem um novo ídolo merecidíssimo.

Mas precisamos lembrar que Derrick Rose só pode ser esse baita jogador com moral pra tentar coisas idiotas (e conseguir) porque joga na melhor defesa da NBA. O elenco todo está desenhado para defender, para servir ao Rose, para arremessar bolas de três pontos quando o Rose não tem mais ângulo para forçar uma bandeja. Esse Bulls só está onde está porque tem Noah na defesa do garrafão, Brewer e Deng na defesa do perímetro, Korver nas bolas de três, e porque quando o Rose vai sentar no banco entra em quadra CJ Watson, dono de um dos melhores números defensivos da liga. A defesa deixa o Derrick Rose ser um idiota descerebrado que faz mágica e nos enche os olhos de lágrimas com a maravilha que é uma estrela na NBA em seu auge.

O triste dessa história, infelizmente, é o Carlos Boozer. Apesar das controvérsias (até entre o Denis e eu), acho o Boozer um dos piores defensores do planeta. Ele é excelente atacando no pick-and-roll, e excelente embaixo do aro e no arremesso de média distância. Mas se o Rose decidiu que faz tudo sozinho no ataque e aciona tão pouco o Boozer, resta a ele servir ao Rose como o resto do elenco o faz: defendendo. E é então que as fraquezas do Boozer ficam tão expostas, que o Tyler Hansbrough pode pontuar infinitamente em sua cabeça, e que surge gente dizendo que o Boozer é ridículo e o Bulls não sentiria sua falta. Não sentiria mesmo se o Bulls quer ser o time do Rose, quatro defensores fodões, e uns caras arremessando de longe. E não tem nenhum problema em querer ser isso. Mas lembram quando todo mundo dizia que o Bulls só seria um time bom se tivesse um cara no garrafão que fizesse pontos perto do aro? Pois o Bulls agora tem esse jogador, e ele se chama Rose, não Boozer.

Não vejo problema nenhum no jogo do Rose, e nem no esquema do Bulls. Até porque ele funciona muito bem e tem grandes chances de ser campeão ainda nessa temporada. Mas não é um esquema que favorece o Boozer, é um esquema feito para o Derrick Rose e por isso exige sacrifícios dos outros jogadores. Como acontecia com o Sixers que foi para a Final da NBA em 2001, em que Iverson fazia tudo sozinho no ataque e todo o resto do elenco se sacrificava para que isso desse certo, especialmente na defesa. Mas enquanto isso passou a ser um absurdo e o Iverson está na Turquia vendo mulher de burca, Derrick Rose vai levar pra casa o prêmio de MVP.

É engraçado ver que em outra série desses playoffs, entre Lakers e Hornets, também tivemos um armador vencendo o jogo, mas em situação completamente inversa. Como avisamos na prévia dos jogos de domingo, para o Hornets ter alguma chance de vencer seria preciso que o Chris Paul jogasse em níveis épicos, aproveitando o fato de que o Lakers tem um histórico de não conseguir defender armadores rápidos, e que o Derek Fisher não defende mais nem ponto de vista. E níveis épicos foi o que o Chris Paul alcançou: 33 pontos, 7 rebotes, 14 assistências, 4 roubos. As diferenças para o Derrick Rose são enormes: ele acertou 11 de seus 18 arremessos, apenas arriscou 3 bolas de três pontos e converteu duas, e desperdiçou apenas 2 bolas (ou seja, deu 7 assistências para cada cagada). Como ele manteve a bola nas mãos o tempo todo, o Hornets como time só desperdiçou 3 bolas em toda a partida, duas do Chris Paul e uma do DJ Mbenga (tinha que ser ele!). O Chris Paul simplesmente não cometeu erros, cuidou da bola com carinho de mãe. Acionou os companheiros livres constantemente, dando cestas muito fáceis para o Carl Landry (que faria as cestas mesmos se fossem difíceis, ele é mágico, pena que é um dos piores defensores vivos) e até para o Aaron Gray, que é só um pedaço de carne disforme e imprestável. Se você torna até o Aaron Gray melhor numa quadra de basquete, você tem que ser um gênio. E acionar tanto os companheiros abriu cada vez mais espaço para os arremessos, que nunca foram o forte do Chris Paul, mas livre fica mais fácil, né? Para piorar, Fisher não conseguia parar as infiltrações e a defesa de transição do Lakers foi medonha, cheia de trocas absurdas de marcação que resultaram no Paul Gasol tendo que marcar o Chris Paul em posses de bola cruciais (e tomando arremessos na cabeça, claro). O Lakers se manteve dentro do jogo, colado no placar a partida inteira, mas não conseguiu defender as bolas importantes porque não sabia o que fazer com o Chris Paul, não sabia se ele iria arremessar ou passar, e não conseguia defender em transição (a impressão que dá é que o Lakers é um time cansado, que não quer mais correr, mas isso é papo para outra hora).

Chris Paul teve uma partida incrivelmente eficiente, tornou os companheiros melhores, foi um armador puro e cerebral. Derrick Rose forçou o jogo, deu arremessos idiotas, ignorou os companheiros em várias posses de bola e errou muitas bolas. E quer saber? Os dois tiveram atuações espetaculares, os dois são jogadores geniais, e há espaço para essas duas abordagens na NBA. Não faço ideia do motivo que trouxe o estilo individualista do Derrick Rose de volta à moda (será que foi simplesmente a melhor campanha da temporada?), mas espero que ele volte para ficar dessa vez. Somos apaixonados pelos jogadores capazes de forçar o jogo e colocá-lo no bolso do mesmo modo que somos maravilhados pelos jogadores que tornam seus parceiros melhores e ganham o jogo mais indiretamente. Sempre vai ter um idiota criticando o Chris Paul (e o LeBron, e o Nowitzki, e até o Kobe) por não dar o último arremesso e preferir passar para alguém livre, mas sempre vai ter um idiota criticando o Carmelo por tentar demais o último arremesso (mesmo tendo o melhor aproveitamento disparado dos últimos anos). Grandes merdas. Odiadores odiarão. O importante é saber que existem os dois tipos de jogadores e que há espaço para esses dois modos de jogo na NBA.

O que precisa acabar, no entanto, é esse mito de que o jogador individualista não envolve o time. Do mesmo modo que o elenco do Hornets é essencial para que o jogo de Chris Paul funcione, acertando os arremessos que surgem com os passes do armador, abrindo espaço para as infiltrações e se movimentando para receber a bola, o elenco do Bulls (e daquele Sixers, por exemplo) também precisa permitir que Derrick Rose monopolize o jogo, garantindo especialmente uma boa defesa, um bom espaçamento em quadra e não exigindo a bola no ataque para funcionar. Tudo no basquete, até ter um fominha maluco em quadra, exige um elenco montado e construído para que isso aconteça. Se o Nuggets queria jogar um basquete focado na defesa, e se tinha o material humano para instalar um basquete coletivo, por que não se livrou do Carmelo Anthony antes? O que é idiota não é ter um jogador individualista no elenco, mas sim tê-lo e querer manter um time que não explore essa característica. Se o Knicks quer duas estrelas que exigem a bola nas mãos, como Carmelo e Amar’e, não faz sentido cercar os dois com jogadores dispostos a participar muito do ataque num basquete coletivo, tem que ser um elenco montado para dar suporte, para permitir que os dois brilhem. O Knicks está nesse caminho, o elenco ainda não está pronto. Já o Nuggets agora pode colocar em prática o que pelo jeito o técnico George Karl sempre quis mas não podia, esse basquete em que todo mundo participa do ataque e fica empolgado para participar também da defesa.

O problema é que esse Nuggets ultra-coletivo acabou colocando uma bola decisiva no finalzinho do jogo nas mãos do Kenyon Martin, assim meio sem querer. Enquanto isso, Russell Westbrook e Kevin Durant monopolizaram o jogo, cercados por um elenco de jogadores secundários que não precisa da bola e que está lá apenas para garantir o jogo das estrelas de forma eficiente. O Thunder é absurdamente bem montado, funciona como intestino de quem come fibras, e para isso não tem problema o Westbrook ser um armador fominha que nunca pensa em passar a bola e prefere tentar pular por cima de três defensores. Já imaginou o Chris Paul fazendo isso? Com o elenco que ele tem, o melhor a se fazer é dar cestas para o Aaron Gray e rezar por um milagre.

Muito mais importante do que o jogador ser fominha, do que idolatrar o Derrick Rose, tacar cocô no Kobe, comparar com o Chris Paul, é saber como o jogador está sendo usado pelo time e como o esquema tático está desenhado ao seu redor. Nesses termos, o Iverson não é e nem nunca foi um problema – o problema está nos times que o contrataram, e no que eles tinham em mente. O Pistons era um time inteiramente coletivo, foi cagada achar que o Iverson jogaria por lá. O Grizzlies, que vimos vencer o Spurs no domingo com uma dupla de garrafão que se ama e passa a bola um para o outro o tempo inteiro, nunca poderia ter um jogador que segurasse a bola no perímetro. Ou seja, culpa deles por contratar o Iverson, que era o jogador errado. Para ter o Iverson, é preciso explorar suas qualidades e, pra isso, montar um elenco que permita que sua individualidade aconteça. O Derrick Rose talvez nos ajude a romper esse preconceito com os jogadores que forçam o jogo, e nos mostre o valor do elenco, do esquema tático, e portanto a dificuldade de se comparar jogadores. Quem é melhor, Rose ou Paul? Depende: com que elenco, em que plano tático?

O Dwight Howard, por exemplo, pode ser um jogador genial e fazer 46 pontos num jogo – e ainda assim estar no esquema tático errado, com o elenco errado, e conseguir perder para a porcaria do Hawks. Mas esse é um caso pra ser analisado em particular, e fica pro nosso post de mais tarde.

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