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É sempre muito difícil colocar Chauncey Billups numa lista dos melhores armadores da NBA. Nomes óbvios como Chris Paul e Deron Williams sempre vem à mente primeiro, além de jogadores como Tony Parker e Steve Nash (para quem insiste que o Suns não morreu). Alguém, num lapso de bom senso, sempre vai citar o Billups entre os 5 melhores mas, muito provavelmente, vai ter problemas em argumentar. Não ataca a cesta como o Parker, não rouba bolas como o Chris Paul, não domina os contra-ataques com o Deron Williams. Na verdade, não acho que tenha nada que o Billups faça que seja realmente espetacular, não há coisa alguma em que seja especialista. Ainda assim, sempre vai ter um maluco que vai colocar o Billups lá no topo da lista, alegando que ele é o melhor armador da NBA na atualidade, e o pior é que, no fundo, eu sou obrigado a concordar.
Quando o Billups foi campeão com o Detroit Pistons uns anos atrás e ganhou o prêmio de MVP das Finais, ganhou a fama de ser “o pior jogador a ter sido nomeado MVP”. Na época, o prêmio me pareceu apenas uma aberração de um Pistons sem estrelas, campeão graças a um jogo coletivo, e já que alguém tinha que levar o troféu de MVP para casa, o jeito era dar para o Billups, graças a um par de atuações sólidas com uma pitada de arremessos certeiros em momentos decisivos. Não havia sequer a certeza de que ele era o melhor jogador do time vencedor, mas o prêmio foi mais do que justo quando a gente lembra do que ele fez nas partidas. Considerá-lo o melhor armador do planeta, cogitar dar a ele o prêmio de MVP da temporada regular, isso seria loucura. Mas naquele ambiente fechado das Finais, em que seu time saiu vencedor, não havia como lhe tirar o troféu.
Muito do mérito do Billups acabou diluído no sucesso do Pistons, naquele basquete solidário em que ninguém poderia se chamar de “principal jogador da equipe”. Tanto é que, para mudar os ares em Detroit, a tentativa dos dirigentes foi trocá-lo justamente por uma estrela de verdade, capaz de chamar o jogo para si. No fundo isso é, de leve, alegar que o Billups não é uma estrela de verdade, apenas mais uma peça muito competente de um mecanismo que acabou ficando velho e precisava de alguma coisa diferente.
Não sei se o Denver, na época, achava estar conseguindo uma estrela em troca de Iverson. Talvez tenha sido apenas aquela mentalidade do “menos é mais”, ou seja, se livrar da estrela que monopoliza o jogo, dar o time para Carmelo Anthony e permitir que um jogador competente mas não espetacular tape o buraco. Funcionou com o Blazers quando eles se livraram do Zach Randolph, e com o SBT quando eles se livraram da Sonia Abrão. Mas o time não passou a pertencer ao Carmelo Anthony, estranhamente. Apesar de menos de 18 pontos por jogo, 6 assistências, nada mais do que 3 rebotes, 1 mero roubo de bola, e acertando apenas 40% de seus arremessos, não havia dúvida de quem era o dono do time: Billups fez o Nuggets vencer.
Não que ele ele faça nada de espetacular, não que seja especialista em alguma coisa, mas toda a mentalidade do time transformou-se por completo, a equipe inteira passou a ter confiança nos finais dos jogos, todo mundo sabe que o Billups vai tomar a decisão certa e converter o arremesso decisivo na hora que mais importa – mesmo quando faz merda, mesmo quando erra o maldito arremesso. As vitórias continuaram vindo, o Nuggets foi parar na bizarra posição de segundo colocado no Oeste, e chega uma hora em que não dá mais fingir que não está acontecendo nada de especial. Um time que ninguém era capaz de levar a sério de repente foi parar no topo da tabela. E se alguém ousou não levar eles a sério nos playoffs, as coisas ficaram bem claras na noite de ontem.
Em bom português (ou nem tão bom assim, o Pasquale não aprovaria), o Nuggets chutou o traseiro do Hornets. De forma brutal e humilhante, aliás. E o principal é que o Billups chutou o traseiro do Chris Paul, o tal do melhor armador da NBA, o quase-MVP da temporada passada, que tem números superiores aos do Billups em todos os fundamentos. Experiente, calmo, sempre prestes a bocejar, Chauncey acertou 8 bolas de três pontos das 9 que tentou, num total de 36 pontos. As oito assistências foram apenas um brinde, sua mira calibrada acabou com o jogo por si só e abriu espaço para os reservas entrarem em quadra e jogarem cartas e ludo – o Hornets desistiu rápido do jogo e nem por um segundo teve reais chances de vencer a budega. Deu pra lembrar dos tempos de Pistons, quando o Billups vencia o jogo por si só num punhado de arremessos e o resto do time apenas mantinha o resultado. Naquela época ele não era uma estrela, também não é agora, mas quantos jogos ele venceu desse mesmo modo sem receber o devido crédito pela façanha? O Duncan tem um estranho poder de invisibilidade, você não percebe ele o jogo inteiro e, quando vai conferir no boxscore, saiu de quadra com 30 pontos, 20 rebotes e 10 tocos. O David West tem um poder similar, é completamente invisivel e sempre acerta arremessos da cabeça do garrafão no final dos jogos. O Billups se encaixa na mesma categoria, muitas vezes é difícil percebê-lo na quadra, mas o time sai com a vitória e no fundo, bem no fundo, não importa o que tenha acontecido, a gente sabe que foi culpa dele. É um Zach Randolph ao contrário, que faz 30 pontos por jogo e mesmo assim você sabe que a derrota é culpa dele. Mesmo quando sai de quadra zerado, o Billups é o responsável por tudo de bom que acontece em seu time, é quase místico.
Não pode ser coincidência que ele não seja a estrela dos seus dois últimos times e, ainda assim, seja o jogador mais importante. Não pode ser mero acaso que os times em que ele joga ganhem e que os times que ele abandona desmoronem. Reconheço que a situação no Denver era a ideal para ele, um time com talento mas sem um armador de verdade, um general, mas isso não tira de forma alguma seu mérito naquilo que conseguiu alcançar. Não levou tempo algum para se acostumar com esquemas táticos ou os gostos de seus companheiros, em cinco minutos já havia conquistado o respeito de todos os jogadores do elenco, e em apenas um par de jogos já era a alma de uma reviravolta defensiva na equipe. Um Denver Nuggets que era chacota por não saber defender tornou-se, de repente, uma defesa ao menos respeitável. O feito lembra um bocado o que o Kevin Garnett fez no Celtics, tanto no quesito “defesa” quanto no quesito “liderança”, mas lá em Boston seus feitos foram tratados com elogios infinitos, como se um alienígena tivesse descido à Terra para entregar um segredo milenar para nobres mortais. Com o Billups, as mudanças defensivas foram recebidas com certo desdém, e ao invés de erguerem uma estátua do armador, cogitam o técnico George Karl como melhor técnico do ano. Legal, ele não faz idéia de como montar um esquema de defesa mas milagrosamente aprende a fazer tudo direitinho quando o Billups chega no time e vai ganhar troféu de melhor técnico? Mas o Billups parece não se importar, abraçando seu estranho poder mutante de invisibilidade. Fala pouco, mantém aquele ar constante de pessoa comum, não se diz estrela por aí, não dá entrevistas dizendo que é melhor que Kobe Bryant. Suas afirmações são silenciosas: um time no topo do Oeste aqui, dando um pau no Hornets; um time capenga ali, tomando um pau do Cavs; e 36 pontos na cachola do Chris Paul, pra todo mundo lembrar da próxima vez que se perguntar “quem é o melhor armador da NBA”. Mas a verdade é que ninguém vai se lembrar, o Billups simplesmente não é estrela. E de mansinho, é capaz de enfiar mais um anel no dedo: eu não duvido mais desse Denver Nuggets. Nos jogos de ontem dos playoffs, foi o que eu consegui aprender.
Já em notas menos surpreendentes, o Kobe chutou o traseiro gordo do Jazz, o Magic não vai a lugar nenhum (melhor partida do Dwight em playoffs, chegaram a liderar por 18, mas eles dão um jeito de perder), e o Heat simplesmente fede. A água é molhada e, no inverno, faz frio.