Joga bonito

A partida de ontem entre Grizzlies e Sixers foi um horror estético: gente despencando no chão, passes bizarros, 53 turnovers somados, péssimo aproveitamento nos arremessos, pouquíssimas assistências, um time cometendo 29 faltas e jogadas quebrando o tempo inteiro. Numa época considerada “a era dos armadores”, dos arremessos de três, das jogadas de efeito e que acabou de ver o Warriors campeão com um basquete bonito, veloz e cheio de jogadas plásticas, é interessante que uma partida entre Grizzlies e Sixers nos lembre de o “basquete feio” ainda sobrevive. Mais do que isso, ele resiste bravamente, e em algumas vertentes pode ser justamente a arma certa para vencer as equipes que ainda sonham em se tornar clones do Warriors campeão.

Primeiramente é importante apontar que “basquete feio”, ainda que seja um termo relativo, é menos sobre a opinião pessoal  estética de cada torcedor e mais sobre designar um tipo específico de abordagem no basquete. Consigo pensar em três modelos principais que estão incluídas nessa enorme caixa que é o “basquete feio”, e que injustamente são muitas vezes confundidos entre si simplesmente porque recebem coloquialmente a mesma designação.

O primeiro modelo, e o mais facilmente associável ao termo, é o basquete “quebrado”, aquele que envolve falta de talento, problemas graves de execução, falhas táticas, amadorismo, improvisos mal feitos e, por vezes, uma ou outra botinada frustrada pra derrubar um adversário que sabe melhor o que está fazendo. Ou seja: o Sixers. Esse tipo de basquete é difícil de assistir, faz os olhos sangrarem em profusão, dá vontade de bater a cabeça na parede, simplesmente porque pra ver tudo dar errado já basta minha vida, não preciso ficar assistindo a um monte de jogadores profissionais. A falta de experiência dos jogadores do Sixers, o fato deles usarem tantos jogadores que sequer foram draftados na NBA, a ausência de um esquema tático determinado e o clima de fracasso no elenco faz com que as jogadas sejam costumeiramente erradas, quebradas ou forçadas. Quando o time titular senta para descansar, então, parece que estamos vendo um desastre nuclear. Trata-se de um modelo indesejável para jogadores, torcedores e dirigentes: ele só acontece porque deu tudo errado.

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O segundo modelo incluso no termo “basquete feio”, bem menos comum, é o anti-jogo. Tem como abordagem encontrar as brechas das regras, as fronteiras cinzas entre o que é permitido e o que é proibido, para tirar alguma vantagem esportiva. É um basquete que vive constantemente na fronteira entre o que é jogo e o que é vida, entre o que é ético e o que é imoral, e tende a mexer negativamente com o estômago de todos aqueles que não torcem para o time que o adota. Exemplos são equipes que escolhem parar o jogo para fazer quatro bilhões de faltas nos pivôs que não sabem cobrar lances-livres (de Shaq, atacado pelo Spurs de antigamente, ao DeAndre Jordan de hoje, vítima corriqueira da NBA atual), que tiram estrelas de quadra colocando o pé do defensor embaixo do adversário que pulou para um arremesso (lembram do Bruce Bowen?), que colocam jogadores em quadra apenas para cometer faltas, ou técnicos que jogam água dentro da quadra para parar o cronômetro da partida. Mesmo que perfeitamente aceitáveis, ou que não quebrem nenhuma regra explícita, são ações que tentam abalar o conceito de jogo em si e atrapalham a experiência que supostamente buscamos ao assistir o esporte. No máximo, são toleradas quando passam na sua televisão, nunca ovacionadas.

Mas é o terceiro modelo aquele que realmente interessa aqui. Trata-se do basquete “disruptor”, aquele cuja intenção é impedir que o adversário consiga executar seu plano de jogo adequadamente. São times cujo plano de jogo é atrapalhar o plano de jogo adversário. Se o plano deles dá certo, então tudo que acontece em quadra dá errado: os passes não chegam, os arremessos não entram, os corpos não correm e nem ficam de pé. O sucesso dessa abordagem é o fracasso de tudo aquilo que convencionalmente chamamos de bom e belo no basquete. É aqui que se encaixa o Memphis Grizzlies.

Enquanto a enorme maioria dos times sentem-se confortáveis quando o basquete está fluindo, quando as bolas estão entrando, os jogadores estão se movimentando e os desafios estão sendo superados – aquilo que chamamos de “experiência de fluxo”, quando o jogo não está fácil demais, mas as dificuldades são vencidas com uma constância tal que os jogadores estão completamente imersos na partida, numa “zona”, diluídos no jogo – o Grizzlies é o contrário: estão confortáveis quando tudo está dando errado, quando as jogadas não funcionam, quando a movimentação fica truncada. Preparados para isso, já que forçam esse desastre estético em todos os jogos, podem fazer bom uso da capacidade do time de improvisar, de se aproveitar da força física, das jogadas individuais, do costume com as trombadas no garrafão. Acostumados com o caos, o objetivo e ver seus adversários que gostam de jogar bonitinho serem colocados inteiramente para fora de suas zonas de conforto.

É claro que “causar caos” defensivamente é um objetivo comum a todas as equipes da NBA – e é mantra do Warriors de Steve Kerr. Mas causar caos defensivo correndo de um lado para o outro, dobrando marcação e interceptando linhas de passe gera contra-ataques, um ataque fluido, que eventualmente faz com que os adversários também entrem nesse ritmo frenético de tentar alcançar uma “experiência de fluxo”. O que o Warriors faz é forçar os adversários a jogar tão “bonito” quanto eles, medindo forças num esquema em que ele é, certamente, o time de melhor desempenho da NBA atual. O Grizzlies, pelo contrário, causa um caos defensivo que não gera contra-ataques, velocidade ou “fluxo”, não convida o adversário a jogar junto, apenas puxa o adversário para a terra do improviso, da inação, da bagunça, da trombada e do tropeço. Não à toa, quando o Grizzlies puxou para essa poça de lama um time que “joga feio” por total e completa falta de talento e experiência, o resultado foi um acidente de trem descarrilhado: corpos pelo chão buscando bolas mortas, tristes, querendo fugir daquela quadra de basquete.

Com alguns ajustes, essa abordagem seria capaz de pegar esses times de “jogo bonito” e sugá-los para dentro de um buraco negro de confusão e desastre. O Warriors está sempre, em todos os jogos, dentro de sua zona de conforto porque convida os adversários de maneira sedutora a jogarem da maneira que o Warriors mais gosta. É sedutor um jogo que te convida a correr, pontuar, ter contra-ataques, é difícil de não cair na isca. Se o Grizzlies conseguir tirá-los dessa zona de conforto por não cair na isca e, ao mesmo tempo, por impor um novo conjunto de situações para as quais o Warriors ainda não tem resposta automática, poderemos ver resultados inesperados. Mas é preciso melhorar – e extrapolar – o modelo: quando o Grizzlies comete turnovers, permite que os times de velocidade voltem à zona de conforto; quando força arremessos na transição, gera rebotes longos que aumentam o ritmo de jogo; quando diminui o tamanho dos jogadores, diminui também o impacto físico no adversário; etc. Mas é aqui que uma solução parece se desenhar para quebrar a hegemonia do “jogo bonito” nessa época linda da NBA: o poço de piche chamado Memphis Grizzlies, e com o qual times mais bem desenhados (como Spurs, Cavs, Clippers ou o Bulls) podem aprender para aperfeiçoar o modelo. É só questão de quem consegue descobrir a receita primeiro.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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