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parece roteiro ruim de RPG de videogame
Anos acompanhando meu Houston Rockets através de um punhado de canais chineses pela internet me tornaram acostumado com algumas das piores propagandas do mundo. As propagandas americanas são ruins, recheadas de carros, fast food, seguros, empréstimos, forças armadas, cortadores de grama e mulheres feias. Mas nada que possa se comparar com a amarelisse descontrolada das propagandas chinesas, cheias de brilho, cores, luzes, defeitos especiais, gente lutando e muito, muito Yao Ming e Jackie Chan.
Toda essa experiência me fez acreditar que eu estava preparado para tudo nesse micro-universo dos intervalos comerciais internacionais. Foi então que os fãs do Lakers me mostraram o contrário. Faltando poucos minutos para o início de Lakers e Nuggets, uma infinidade de torcedores do time de Los Angeles invadiu todos os fóruns e canais estáveis atrás da transmissão da partida. O volume, grande demais, tirou vários canais e sites especializados do ar. Tudo culpa do Kobe, que fez 81 pontos daquela vez. Se não fosse por isso, metade dessas pessoas não teria aparecido.
Desesperado sem conseguir encontrar um canal funcional, me vi frente ao único link que parecia se manter de pé depois da invasão de torcedores do Lakers: a ESPN Jamaica. A princípio parecia tudo bem, a imagem era muito boa, a transmissão exatamente a mesma dos Estados Unidos, com os mesmos comentaristas (incluindo o hilário Jeff Gundy, se desculpando por não conseguir dizer “Linas Kleiza” e “Vujacic” e por isso agradecendo aos céus pelo bom e velho “JR Smith”) e eu jamais poderia sequer saber que se tratava do canal jamaicano. Até que os comerciais começaram. Se você acha que propagandas com seres luminosos lutando e o Jackie Chan o tempo inteiro é zoar com o esteriótipo chinês, e que cortadores de grama e Big Macs é zoar com o esteriótipo americano, então é porque você ainda não viu a televisão jamaicana. Todos os comerciais são forrados de reggae, gente dançando, roupas coloridas, e filmados de forma completamente amadora com câmeras de mão que tremem, problemas de iluminação e atuações hilariantes, ou seja, é como se todas as propagandas fossem filmadas no quintal de casa como trabalho de escola para a quinta série. Lakers e Nuggets foi um belo jogo mas eu não consegui me concentrar na partida, estava ocupado secando as lágrimas numa mistura de alegria e choque com cada nova propaganda que surgia. Até tentei encontrar algumas no YouTube mas não consegui. Essa aqui, uma das únicas que achei, ajuda a ter mais ou menos uma idéia do naipe de todas as outras.
Como atração secundária, o Lakers e Nuggets foi bem bacanudo. O jogo inteiro pode servir como excelente argumento tanto a favor quanto contra o Kobe ganhar o prêmio de MVP. Isso porque o Lakers teve uma atuação impressionante do ponto de vista coletivo, com 33 assistências ao fim da partida e um nítido comprometimento, pra não dizer tesão, de todos os jogadores em passar a bola o tempo inteiro. Não há uma jogada em que aquele “passe a mais” que faz toda a diferença não aconteça, sempre encontrando o jogador em melhores condições de converter a cesta. Trata-se da mesma clínica de assistências que já impressionava no começo da temporada, mas dessa vez mais espetacular, mais veloz, mais explosiva e mais espanhola. Agora Pau Gasol também participa da brincadeira e mostra que nasceu predestinado a jogar no triângulo ofensivo de Phil Jackson, o que sabemos que não é para qualquer um. Esse Lakers maravilhoso de se assistir, com Gasol chutando traseiros (foram 36 pontos, 16 rebotes, 8 assistências e 3 tocos) e Odom dominando desde a chegada do espanhol (minha teoria é de que a aura de ruindade do Kwame Brown influenciava a frágil psiquê de Lamar Odom) nem precisava de Kobe em quadra. E aqueles que acham que Kobe não merece ser o MVP vão argumentar justamente isso, que o time se virou bem demais com ele sentadinho no banco. E mais além: quando o Kobe estava em quadra, parecia até mesmo prejudicar sua equipe.
A verdade é que Kobe teve uma partida bem meia-boca, sem encontrar seu ritmo e com pouca consistência nos arremessos. Bastava ele estar em quadra para que as trocas de passe e o basquete coletivo do Lakers sofressem um pouco, tendo o jogo muito centralizado em sua mão. Isso também acontece com o T-Mac no meu Houston várias vezes, mas como o Lakers tem muito mais jogadores de talento, às vezes isso fica ainda mais claro. No entanto, os defensores do “Kobe MVP” tem bastante a alegar nesse jogo. Nessa sua partida bem fraca, um tanto sofrível e que de certo modo atrapalhou seu time, Kobe marcou 32 pontos. Como é? Trinta e dois pontos? Como alguém pode ter uma atuação mais-ou-menos e sair de quadra com mais pontos do que o Kwame Brown terá somando todos os jogos de sua carreira? Pois é. Eis o MVP de vocês, senhoras e senhores. Trinta e dois pontos numa atuação ruim. Como será ter um jogador que faz 32 pontos quando você nem sequer precisa dele? Ter um dos dois melhores jogadores da NBA sendo que você poderia ter vencido o jogo sem o sujeito? Luxo para poucos.
Quem acha o Lakers superestimado (palavra essa que está mais na moda do que a menina-Isabela) tem noção de que esse basquete coletivo, inteligente e de trocentas assistências floresceu justamente contra uma das piores defesas da NBA. Contra o Nuggets, cinco torcedores escolhidos ao acaso e reunidos na hora para uma partida vão parecer incrivelmente entrosados e farão mais de 120 pontos, embora tomando uns 301. Mas, se vocês se lembram da marcação por zona que o Denver tirou do bolso para enfrentar o Warriors na hora de verdade, podem ter uma idéia do que manteve a equipe dentro do jogo durante o primeiro tempo. O Lakers realmente se sentiu bastante incomodado com a defesa por zona, errando arremessos fáceis, principalmente da cabeça do garrafão. Parecia que teríamos um jogo disputado até o final, mas pedir para o Denver marcar com intensidade durante um jogo inteiro é como pedir para o Silvio Santos manter um telejornal no ar por mais de uma semana sem cancelar a budega. Algumas bolas de 3 pontos depois a defesa por zona do Nuggets já era passado e o jogo só não virou vexame porque toda vez que o Kobe fazia alguma merda, Linas Kleiza dava um jeito de pegar a bola e pontuar. Aliás, olho no Kleiza na temporada que vem para quem joga fantasy, o garoto faz de tudo em quadra e pula pra burro. Seria uma excelente carta de Super Trunfo nas categorias “impulsão vertical” e “força nominal“.
Além do Kleiza, Carmelo e Iverson tiveram boas atuações, alguém conseguiu convencer o JR Smith a bater para dentro ao invés de ficar arremessando de 3 pontos (uma hipótese mais provável é de que o JR Smith morreu quando o ônibus do Denver pegou fogo e colocaram um sósia no seu lugar, que tentou apenas UM arremesso de fora, evidenciando a fraude) e o Kenyon Martin se saiu muito bem marcando Kobe durante boa parte do jogo. Mas mesmo com pontos positivos para o Denver, o jogo de hoje foi a prova de que o Lakers não será batido nessa série se as coisas continuarem assim. O time é profundo demais, tem armas ofensivas e defensivas demais, e pode vencer partidas mesmo com algumas peças em noite ruim, bêbadas, de ressaca, viajando para a Jamaica ou o que for. É hora do Denver se comprometer àquela defesa por zona, marcar pra valer, provar que pode defender de uma vez por todas e deixar de ser motivo de piada, deixar de ter a foto do elenco do time do lado da palavra “peneira” na Wikipedia. Como bem disse Jeff Gundy durante a transmissão, o Denver tem bons jogadores de defesa, só não tem mesmo é comprometimento. E se isso não aparecer logo, será tarde demais.