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Ontem a rodada estava recheada de grandes jogos: o Suns enfrentava o Cavaliers que está em boa fase, Magic e Pistons se enfrentavam sonhando com o título do Leste, meu Houston enfrentava a série de 12 vitórias seguidas do Blazers em casa, Lakers e Mavericks faziam o confronto que, se a temporada regular acabasse hoje, seria uma série de playoff. Mas na hora de escolher o jogo que iria assistir, eu sabia que nenhum desses se compararia a outro: Kevin Garnett e seu Celtics enfrentando, pela primeira vez, sua ex-equipe de Minessota.
Todo o jogo podia ser resumido ali, na expressão no rosto de Sebastian Telfair no quarto período: olhos raivosos, dentes à mostra, pescoço tenso, prestes a latir, grunhir e uivar. O Wolves era um bando de loucos raivosos em busca de vinçança, auto-estima e dignidade. Cada vez que o Telfair estripava o Rajon Rondo, era mais do que basquete. Era uma tentativa de provar que, apesar de ter sido praticamente demitido do Celtics e impedido de jogar por problemas extra-quadra, tinha talento para ser titular de um time com Allen, Garnett e Pierce com reais chances de título. Cada bandeja certa de Telfair exprimia a angústia de ter sido mandado embora a preço de banana enquanto Rondo é titular e está prestes a ganhar um anel.
Além dele, Al Jefferson, Ryan Gomes e Gerald Green também tinham algo a provar. Mas provar que trocar todos eles pelo Garnett foi um erro é mais difícil do que provar que o Michael Jackson é inocente. Difícil mas, como no caso do célebre amigo das criancinhas, não impossível.
Com o jogo prestes a começar, nada do Garnett aparecer na quadra. Pelo jeito, era uma dor aguda e esquisita no estômago que ninguém sabia do que se tratava. Oras, para mim é óbvio que se tratava da consciência. Do Grilo Falante. Da dúvida dura e cruel: “devo arrasar por completo o time em que passei toda minha carreira?”
Finalmente, Garnett resolveu entrar em quadra para chutar uns traseiros. Mas em poucos minutos de jogo já ficou bastante óbvio que ele estava em quadra, na verdade, para impedir que os traseiros dos seus companheiros de Celtics fossem chutados. Pode não ter sido a melhor atuação do Wolves, vários jogadores tiveram uma partida capenga, mas a agressividade e a intensidade foram inegáveis. O Gerald Green, em especial, mostrou sinais de talento que eu não tinha visto antes. Atacou a cesta, teve jogadas interessantes, atléticas, vigorosas. Não acertou nada, é um grosso, mas a gente releva. Al Jefferson e Ryan Gomes tiveram partidas sólidas, especialmente na defesa, e enquanto isso Telfair humilhava Rondo dos dois lados da quadra: fez 18 pontos em um punhado de bandejas fáceis e marcou Rajon de modo a tornar sua vida um inferno. Como resultado, o Wolves passou praticamente o jogo inteiro na frente. Garnett saiu de quadra com a tal dor no estômago no quarto período e quando voltou, faltando 2 minutos para o final do jogo, seu time perdia por 5 pontos. Telfair acabara de fazer uma bandeja acrobática e rosnava com dentes afiados para a torcida. A família do Marbury (já que Telfair é seu primo) não bate muito bem da cabeça.
Até os dois minutos finais, a intensidade dos jogadores vingativos do Wolves estava à flor da pele. A defesa da equipe funcionava como em poucas vezes durante a temporada, evitando rebotes ofensivos adversários que haviam sido rotina em todas as suas outras partidas. Marcações duplas muito bem feitas no final do jogo garantiam a vantagem no placar.
Aí caiu a ficha. O Wolves percebeu que suas vitórias e derrotas são espelhadas com as do Celtics: 7 vitórias e 34 derrotas para os lobinhos, 34 vitórias e 7 derrotas para os de-verde. O Wolves se tocou que não deveria estar ganhando, que aquilo era um momento histórico, um marco, um feito de homens crescidos. Poderia ser uma virada na temporada rumo aos playoffs, uma vingança merecida aos dirigentes do Celtics que os subestimaram, um jogo para dar um reconhecimento merecido à equipe e talvez até melhores ofertas de times ou salários para os jogadores. Que vitória! Que vitória!
Pensar em algo assim é exatamente o tipo de coisa que acaba com a vontade de ganhar e a substitui pelo medo de perder. Garnett voltou para a quadra, no sacrifício, e o Wolves estava desesperado com a possibilidade da derrota – ainda que vencendo o jogo por 5 pontos. Entraram num declínio pior do que o Miami Heat quando percebeu que o Shaq tinha 62 anos. Nos dois minutos finais, ninguém no Wolves conseguiu fazer uma cesta sequer enquanto metodicamente permitiram ao Celtics (que, aliás, fazia péssima partida) pegar uns 568 rebotes ofensivos seguidos. Num pedido de tempo, o novato Corey Brewer foi cobrar o lateral mas estava com tanto medo que acho que até vi um pouco de xixi escorrendo pelas suas pernas. Não conseguiu passar a bola, não pediu tempo e estouraram-se os 5 segundos. Bola desperdiçada, eis que o Celtics pegou mais 237 rebotes ofensivos em sequência para, enfim, assumir a liderança com uma cesta de (quem diria!) Kendrick Perkins, o cestinha do Celtics. Mais um tempo para o Wolves, mais um medroso mijão incapaz de colocar a bola em jogo. A mocinha da vez foi o Jaric, que pelo menos tem dois neurônios a mais que o Brewer e conseguiu pedir tempo. Na terceira tentativa o Wolves enfim colocou a bola em quadra e a alegria foi tão grande que até nublou a importância de se pensar em uma jogada planejada. Al Jefferson sobrou isolado no improviso, recebeu marcação dupla e passou a bola destrambelhado para o Telfair que não conseguiu dominá-la porque Garnett se tacou como um débil mental para cima dela, conseguindo o roubo de bola.
Como fã do Garnett que sou, fiquei meio triste de vê-lo comemorando o roubo de bola vencedor levantando o nome “Celtics” de sua camisa e mostrando para a torcida. Foi o tipo de coisa para machucar bastante os testículos dos fãs de Minessota, mas como o KG foi nobre o bastante para aguentar anos e mais anos por lá mesmo com times mequetrefes sem nunca, jamais, pedir para ser trocado, acho que está tudo bem extravasar um pouco.
No time perdedor, o desânimo era mais do que avassalador, era constrangedor. A equipe foi derrotada pelo desespero, pelo pavor, pela infantilidade. Se havia alguma chance de melhorar a auto-estima dos jogadores, essa chance durou menos do que popularidade de ganhador de Big Brother. Sebastian Telfair, Al Jefferson e Ryan Gomes são talentosos e uma das melhores bases jovens de qualquer time da NBA hoje em dia. Mas eles são uma base sem moral alguma, formados em ambientes que só perdem jogos atrás de jogos desde que entraram na Liga. Que tipo de fundação pode ser criada na derrota? Ninguém no Wolves sabe como é vencer e, justamente por isso, o time entrou em parafuso nos 2 minutos que o separava da vitória. O que fazer com um time desses, com tanto potencial mas incapaz, ainda, de conseguir as vitórias necessárias para moldar a equipe em uma franquia futuramente vencedora?
Eu sou um chato que insiste em dizer de 5 em 5 minutos para pessoas aleatórias nos elevadores e nos pontos de ônibus que eu acredito no Wolves desde que a troca do Garnett aconteceu. Que eu boto fé nessa pirralhada, que eles podem vencer um dia e que (como o Blazers provou) eles podem vencer agora mesmo apesar da pouca idade. Talvez o primeiro passo fosse um técnico novo para dar uma nova abordagem, dar uma nova esperança para esses jovens e, acima de tudo, ensiná-los como jogar defesa de forma menos patética.
Aquele Hawks jovem demais, com mais alas do que escola de samba, só agora está dando resultado e tem chances enormes de ir aos playoffs dessa vez. O Timberwolves tem ainda mais talento, melhor espalhado entre várias posições diferentes. A dupla Al Jefferson e Randy Foye, que aliás ainda não jogou nessa temporada por estar machucado, é uma base que faria o Hawks de anos atrás babar de inveja: ter um armador excelente apoiado por uma presença dominante no garrafão é a fórmula dos campeões.
Uma vitória em cima do Celtics poderia ter sido o primeiro passo para que esse time acreditasse em suas condições, e acho que esse derrota dolorida mostrou fraquezas que atormentarão essa meninada como as histórias da Loira do Banheiro atormentaram a minha geração. Fico preocupado com as repercussões que essa derrota terá em suas mentes pelo resto da temporada e, até mesmo, pelo resto de suas carreiras. Mas ainda assim acredito em suas capacidades. Esse é um time que estará em seu auge em alguns anos e será apenas uma questão de mentalidade: estarão preparados para vencer ou perderão para sempre sem sequer repor a bola em quadra? Vão ficar só latindo para sempre ou vão morder alguém eventualmente?