đź”’LeBron como pivĂ´

Na temporada 2005-06, Boris Diaw teve o melhor momento de sua carreira. Depois de começar como armador reserva no Hawks, chegou ao Suns e rapidamente foi improvisado como pivĂ´ no meio da loucura tática do tĂ©cnico Mike D’Antoni, que pregava velocidade e o máximo possĂ­vel de arremessos dados em 7 segundos ou menos passados no cronĂ´metro de cada posse de bola. Com 2,03m de altura, o pivĂ´ improvisado teve naquela temporada mĂ©dias de 13 pontos, 7 rebotes, 6 assistĂŞncias, 1 toco e 0.7 roubos por jogo – tudo, com exceção dos roubos, sĂŁo a melhor marca de sua carreira de 13 temporadas na NBA. Ganhou o prĂŞmio de jogador que mais evoluiu na temporada, se tornou uma das marcas do sucesso do Suns e do Mike D’Antoni, e abriu as portas para que toda a NBA repensasse o papel dos pivĂ´s e o que significava vir determinado como tal num boxscore. Afinal de contas, Diaw jogava mesmo como pivĂ´? Com seu tamanho diminuto, passava tempo dentro do garrafĂŁo?

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Diaw Ă© tipo o Parker tornado gigante por um vilĂŁo dos Power Rangers”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Diaw.jpg[/image]

Seu companheiro de garrafão por mais tempo durante aquela temporada foi Kurt Thomas, que apesar de não ser muito imponente com seus 2,06m de altura, sabia usar seu tamanho, era excelente nos rebotes e ocupava muito espaço perto do aro. Mesmo que Diaw viesse indicado como pivô, com Thomas sendo o ala, os dois podiam trocar constantemente de função, especialmente na defesa, toda vez que Diaw não dava conta do serviço contra adversários maiores. Já na segunda formação mais utilizada pelo Suns, o companheiro de garrafão de Diaw era Shawn Marion, com apenas 2,01m de altura apesar do jogo físico e do bom tempo nos rebotes. Nessas circunstâncias, Diaw tinha menos possibilidades de trocar de função defensiva e era obrigado a passar mais tempo dentro do garrafão. A enorme maioria dos quintetos utilizados pelo Suns naquela temporada envolvia Diaw e Marion no garrafão, e foi com um companheiro mais baixo em quadra que Boris Diaw passou mais tempo jogando basquete aquele ano. Curiosamente, quanto mais baixo é o time que estava com Diaw em quadra, estatisticamente menos faltas ele cometia contra seus adversários e mais bolas de três ele arremessava. Os motivos são simples: quanto mais tempo ele passava como pivô, mais seus defensores esperavam defendê-lo embaixo do aro e portanto mais espaço ele tinha para arremessar. Defensivamente, quando ele era o jogador mais alto do próprio garrafão contra adversários muito maiores o que lhe cabia era apenas ocupar os espaços, cavar faltas de ataque e roubar bolas, sem contestar arremessos e portanto cometendo menos faltas. Nessa situação, seu número de roubos de bola é consideravelmente maior do que nos minutos que passou ao lado de Kurt Thomas no garrafão, por exemplo.

Isso significa que esse tipo especĂ­fico de pivĂ´ de altura limitada, quando colocado definitivamente na situação de se tornar o pivĂ´ da equipe – e, consequentemente, a âncora defensiva no garrafĂŁo – acaba tendo mais espaço para arremessar de trĂŞs pontos, roubar mais bolas e contestar menos arremessos. É o resultado natural de um jogador que precisa, para se encaixar na posição, encontrar outros caminhos para conseguir os resultados esperados.

Isso não quer dizer que não se trate de um pivô, apenas que a variação de tamanho exige outras estratégias. Assim como um armador é o responsável por fazer o esquema tático ofensivo funcionar, e para isso pode usar arremessos, dribles, velocidade ou simplesmente passar a bola para o lado, o pivô deve dificultar as infiltrações, impedir que a bola chegue embaixo do aro na defesa, e no ataque criar jogadas de segurança, atrair a marcação e criar com isso espaços para os outros jogadores arremessarem. Vejam que um pivô muito pequeno pode realizar essas responsabilidades de outras maneiras: a defesa de infiltrações pode ser feita ocupando os espaços com velocidade lateral, cavando faltas de ataque ao invés de com força bruta ou tocos; a bola pode deixar de chegar próxima ao aro através de interceptação das linhas de passe ao invés de expulsando os jogadores do garrafão na base do muque; a jogada de segurança pode ser um arremesso de longa distância quando o pivô adversário não sair do garrafão, e o espaçamento pode vir ao forçar o pivô adversário a deixar seu lugar embaixo do aro para marcar arremessos de fora, sem contar no simples fato de que o pivô mais baixo, provavelmente treinado em outras posições desde criança, tende a ter uma melhor capacidade de passar a bola.

É claro que perde-se em tocos e em presença fĂ­sica, mas ganha-se em outros aspectos que tambĂ©m suprem as necessidades que um time tem com seu pivĂ´. Se Boris Diaw provou uma coisa 10 anos atrás foi que usar um jogador de outra posição como pivĂ´ nĂŁo significa, na prática, jogar sem pivĂ´ – como tantos times que jogam sem ala de força, ou sem segundo armador, por exemplo – e sim encontrar outras abordagens para que um pivĂ´ seja eficiente em quadra. Diaw nĂŁo era “menos pivĂ´” sĂł porque precisava ter um estilo pouco convencional para cumprir sua função.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Draymond Green abusa da dança contemporânea”][/image]

Esse Ă© um preconceito muito importante de jogarmos fora no basquete atual: quando Draymond Green e seus 2,01m de altura aparecem como pivĂ´ no boxscore, nĂŁo Ă© apenas por convenção enquanto ele jogará como ala ou como armador – ele, de fato, joga como pivĂ´, cumprindo o papel que pivĂ´s possuem em quadra, mas para isso tendo que jogar de maneira totalmente diferente de seus adversários mais altos. Green Ă© um dos melhores defensores de garrafĂŁo da NBA atual, mesmo que seus mĂ©todos para isso precisem ser bizarros: entrar na frente dos adversários de um lado para o outro do garrafĂŁo, sendo sempre um corpo no caminho, roubando a bola de pivĂ´s maiores que tentam colocar a bola no chĂŁo, interceptando os passes por ser mais rápido do que os adversários, e dando tocos na cobertura. Se a temporada acabasse agora, muito provavelmente ele levaria o prĂŞmio de melhor defensor do ano. O fato de que ele Ă© sempre um corpo prestes a entrar no meio do trajeto entre o adversário e a cesta faz com que os pivĂ´s que jogam contra ele precisem apressar seus arremessos, diminuir as infiltrações, jogar mais de costas para a cesta e nunca colocar a bola no chĂŁo. É um conjunto muito grande de limitações que obriga os adversários a estarem sempre fora da zona de conforto, e que induz a uma situação – o jogo de costas para a cesta, contra um Draymond Green mais fraco – que Ă© exatamente a ideal para o Warriors, que gosta de dobrar a marcação, cercar o garrafĂŁo e forçar turnovers no processo, gerando uma bagunça controlada. E se o jogo de costas para a cesta acontece contra outro jogador, Ă© Draymond Green quem dobra a marcação para gerar os desperdĂ­cios. Sua capacidade de ocupar muitos espaços distintos rapidamente compensa sua incapacidade de ocupar de maneira sĂłlida um espaço sĂł, como os pivĂ´s mais fĂ­sicos. Suas bolas de trĂŞs pontos forçam os marcadores para fora do garrafĂŁo, gerando espaço para outros jogadores infiltrarem. Sua capacidade de passar a bola e armar o jogo permite que a bola esteja sempre em movimento mesmo que ele nĂŁo tenha que se isolar contra um marcador no processo. NĂŁo Ă© um “quebra-galho”, mas uma das outras possibilidades disponĂ­veis, mais adequada a vários modelos táticos atuais. No futuro, veremos esse tipo de pivĂ´ com a naturalidade que vemos hoje armadores que arremessam e armadores que infiltram – variações de um mesmo tema, e Draymond Green será lembrado como um dos melhores de um estilo especĂ­fico.

No entanto, acredito que neste momento existe na NBA um pivĂ´ desse estilo ainda melhor do que Draymond Green. Um jogador ainda mais completo e com ainda mais recursos para a função. Os motivos para que tĂŁo pouco se fale a respeito Ă© que nĂŁo estamos acostumados a pensar nele como um pivĂ´ – e ele prĂłprio resiste um tanto Ă  função. Mas nĂŁo adianta resistir quando fazemos algo tĂŁo bem, nĂŁo Ă© mesmo? Estou me referindo, claro, a LeBron James – armador de origem, dos tempos de colegial atĂ© sua primeira temporada pelo Cavs, ala durante a maior parte da carreira, mas constantemente ala de força e pivĂ´ durante os anos que mais importaram: seus dois tĂ­tulos de campeĂŁo.

Em 2012, LeBron constantemente assumia a posição de ala de força, recebendo a bola de costas para a cesta ou fazendo o corta-luz para Wade quando Bosh ia para o perímetro ou Udonis Haslem era o homem de garrafão. Com isso, LeBron conseguia colocar a bola facilmente para arremessos no perímetro e podia ser isolado contra seus adversários, mesmo que ele preferisse colocar a bola no chão antes de atacar a cesta. O técnico Erik Spoelstra gastou muito tempo mostrando àquele Heat como LeBron mais perto do garrafão era benéfico para o espaçamento de todos os jogadores e quanto mais seu plano se concretizava, melhores eram os resultados. Na temporada seguinte, sem Joel Anthony como pivô, LeBron passou ainda mais tempo como ala de força e passou a se aventurar como pivô de fato. Udonis Haslem e Shane Battier lhe davam a possibilidade de atacar dentro do garrafão mas poder defender no perímetro, o que era o ideal. O quinteto em que LeBron mais dava assistências tinha Mario Chalmers na armação, Wade, Ray Allen e Bosh no perímetro, e LeBron no garrafão fazendo a bola chegar nos arremessadores. O quinteto em que LeBron mais pontuou tinha ele e Haslem no garrafão, com Shane Battier ajudando nas dobras, e Wade e Chalmers no perímetro. LeBron foi forçado a nessa situação desenvolver um jogo sólido de costas para a cesta, ainda que meio contrariado, mas que se mostrou essencial para criar os espaços necessários para Wade infiltrar e Bosh arremessar. Se no princípio LeBron era constantemente o armador principal do Heat, quando ganhou seu segundo anel de campeão LeBron já passava mais tempo como pivô e ala de força do que chamando jogadas. Marcou o pivô adversário individualmente em muitas noites, com o Spoelstra chegando a dizer que ele deveria ganhar o prêmio de melhor defensor da temporada pelo trabalho que teve defendendo o Gasol, por exemplo. A dificuldade de aceitarmos isso está no fato de que LeBron jogava como um tipo específico de pivô, aquele de Diaw e Dryamond Green, em que a defesa é feita com interceptações da linha de passe e o ataque se aproveita dos espaços para arremessos de três pontos eventuais. É fácil achar que, na verdade, estamos vendo um ala jogar.

Imaginem se LeBron topasse assumir em definitivo a posição de pivô do Cavs, tanto em quadra quanto no terreno simbólico do boxscore. O que teríamos seria um jogador forte o bastante para desequilibrar muitos pivôs adversários, mas com a velocidade lateral necessária para cobrir os caminhos para a cesta e dobrar a marcação constantemente, gerando os turnovers tão essenciais para que o Cavs seja um time mais eficiente no ataque. O Cavs poderia finalmente colocar em quadra, defensivamente, um elenco mais baixo, veloz e versátil, sem Mozgov, e que desse mais espaço para o Tristan Thompson nos rebotes e na transição. LeBron é excepcional em interceptar passes, o que ajudaria a acelerar o ataque do Cavs e criaria o mesmo medo de cometer erros que Draymond Green e o resto da defesa do Warriors causam nos seus adversários. No ataque, LeBron teria mais espaço para arremessar, Kyrie Irving teria mais espaço para infiltrar sem Mozgov ou Varejão ocupando lugar, e JR Smith e Kevin Love receberiam passes no perímetro de um LeBron de costas para a cesta, como acontecia com sucesso com Ray Allen e Bosh no Heat campeão.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Ossos do ofĂ­cio: volta e meia ter que marcar Tyson Chandler”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/LeBron.jpg[/image]

Mais importante ainda: LeBron como pivô o colocaria em confronto direto com Draymond Green, anulando os problemas que foram para Mozgov e Tristan Thompson marcá-lo, e fazendo com que um dos jogadores mais essenciais do esquema do Warriors tenha que marcar o melhor jogador do planeta no outro lado da quadra, arriscando exagerar nas faltas especialmente porque o forçará a defender constantemente na transição. Ao invés de ter que decidir como abordar o small ball do Warriors, tentando usar Mozgov ou Thompson, perdendo na transição, ganhando nos rebotes, tentando fazer funcionar mas nunca tirando o Warriors de sua zona de conforto, LeBron como pivô poderia ser tão funcional tanto no ataque quanto na defesa que talvez forçasse o Warriors a ter que usar o Bogut, o que por vezes é até bastante eficaz, mas pouco confortável para um time que depende tanto de Draymond Green para garantir o ideal funcionamento das jogadas de ataque.

A resistĂŞncia por parte de LeBron vem especialmente da parte defensiva, desde os tempos de Heat, porque jogar como pivĂ´ tem um impacto fĂ­sico muito grande em cima de jogadores mais baixos. Noite apĂłs noite os danos acumulam-se, mesmo que LeBron seja fisicamente bem mais forte que Draymond Green e, portanto, totalmente apto a aguentar o tranco. Justamente por isso, Ă© pouco real imaginar que o Cavs simplesmente adote esse caminho ao longo da temporada regular. Mas Ă© essencial, especialmente se o Cavs já quiser se preocupar com o Warriors desde já, que o LeBron como pivĂ´ esteja dentro do repertĂłrio da equipe – especialmente contra Draymond Green, ou sempre que Kyrie Irving nĂŁo estiver sendo efetivo por ausĂŞncia de espaço para infiltração. A chave para o Warriors está justamente no espaçamento, e o Cavs ainda nĂŁo encontrou seu funcionamento ideal nesse aspecto com Irving em quadra. Agora que ele retorna aos poucos aos seus minutos habituais, Ă© importante que o espaçamento adequado seja conquistado, mesmo que para isso Kevin Love tenha que ser colocado inteiramente pra fora do garrafĂŁo – e LeBron inteiramente pra dentro, ao menos na maior parte do tempo possĂ­vel.

Se o mundo inteiro fica boquiaberto em ver como o Warriors tem sorte de encontrar um jogador como Draymond Green, com esse conjunto tĂŁo especĂ­fico de habilidades para resolver as questões de espaço em quadra e manter o ataque fluindo, nĂŁo seria um desperdĂ­cio grande demais ignorar que esse conjunto especĂ­fico de habilidades tambĂ©m está presente em LeBron, e com uma qualidade muito acima do que jamais vimos esses “pivĂ´s alternativos” sendo capazes de ter? É a chance que o Cavs tem de entrar em definitivo no basquete moderno, e talvez com isso ser o Ăşnico time capaz de vencer o Warriors dentro do seu prĂłprio jogo. Deixar de tentar “quebra-galhos” para se igualar ao rival, e tentar um jogador que se encaixa melhor nos rigores dessa posição do que qualquer outro na NBA atual.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamĂ­stico.

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