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LeBron é provavelmente o jogador mais odiado da NBA no momento e ele bem sabe que não adianta se defender. Seu técnico é patético, o time não tem jogadas ofensivas, e o elenco de talento não fez nada, o que na prática é a mesma coisa que não tê-lo, mas não há desculpa. O Celtics foi muito superior, a reação do Cavs durou pouco, todos estavam exaustos e o time humildemente aceitou a derrota no minuto final. O que para mim foi um gesto de respeito, similar ao jogador de xadrez que derruba o próprio rei quando a derrota é iminente (é falta de respeito prolongar a partida desnecessariamente até tomar um xeque-mate) e me tirou sorrisos quando aconteceu, foi para o resto do mundo uma desistência imperdoável de um jogador covarde. Não há defesa, o único modo de escapar a esse criticismo seria sair de quadra com a vitória.
O LeBron James não é burro. Na entrevista coletiva após a partida, repetiu um par de vezes que “só lhe interessa a vitória”, que ele “só quer vencer”. Seu modo de jogo, suas decisões, sua personalidade e sua história de vida serão julgadas em relação às suas vitórias e derrotas, e ele sabe disso. Seu fardo é um mundo sem desculpas: se o ginásio desabar, ele que segure o teto, leve os fãs para uma área segura, lhes fornece comida e água, salve as duas tabelas da quadra e então acerte o arremesso da vitória. É o que o Jordan faria. LeBron rapidamente entendeu que precisa vencer jogos para ter alguma chance, mas eventualmente precisará entender que não se pode competir com as memórias. Sabe aquela coisa de que, na sua memória, teve uma chuva de meteoros épica quando você tomou aquele fora da guria gostosinha e nada vai te convencer do contrário 10 anos depois? O reconhecimento para LeBron virá apenas quando for tarde demais e ele tiver reumatismo. Até lá, precisa dar um jeito de segurar as pontas.
O plano de LeBron, então, é simples: vencer imediatamente, e muito. Por diversas vezes indiquei no Bola Presa que LeBron provavelmente não sairia do Cavs e que não iria nem fodendo para o Knicks. Agora abaixo a cabeça, escondendo o rosto pra ver se ninguém me reconhece na rua, e mudo de ideia. Se o LeBron tiver um pouco de cérebro e quiser mesmo vencer, vai dar o fora de Cleveland rapidinho.
Minhas defesas ao Cavs sempre foram de que o time, ainda que pobre financeiramente, meio Chavinho do Oito, nunca poupou esforços para dar ao LeBron o melhor elenco disponível. O elenco que recebeu LeBron à NBA era horrendo, nível Preta Gil, e todo o possível foi feito para transformá-lo em algo pelo menos do nível “comia, mas não contava”. Por vezes as contratações e as trocas pareciam até aleatórias, como se o Cavs não soubesse bem que tipo de time estava montando mas quizesse mostrar serviço, pelo menos dar uma mudada no elenco. Tipo um estagiário fazendo qualquer coisa, estabanado, pro patrão ficar contente. Perto de outros estagiários, que observam a empresa morrendo e cospem em cima (tipo eu, ou tipo e o Warriors) até que o Cavs se saiu muitíssimo bem. O Mo Williams, que me parecia a peça mais idiota na época da contratação (achei que ele fosse levar o LeBron à loucura sendo um fominha biruta) conseguiu até enganar todo mundo e virar All-Star. Então por que o LeBron sairia dessa organização comprometida em mudar de novo, outra vez, quantas forem necessárias, mesmo se afundando em dívidas, até que sua estrela ganhe um anel de campeão?
São dois pontos cruciais. O primeiro que vamos abordar é o técnico. As vitórias que LeBron e o resto do elenco conseguem camuflam a falta de capacidade da comissão técnica. Recentemente o Denis colocou aqui no blog um vídeo com os pontos que LeBron marcou em seu primeiro jogo na NBA, e eu fiquei monstruosamente chocado:
No vídeo acima dá pra ver um LeBron cru, com movimentos que abandonou conforme foi amadurecendo, mas que é bastante eficiente ao participar de um esquema tático. O mais estranho é que LeBron era o armador daquele time na maior parte dos jogos, e mesmo assim existem jogadas planejadas para que ele finalize. Isso nunca mais aconteceu no Cavs e LeBron não pode passar a carreira inteira sofrendo por causa disso. Kobe e Jordan tiveram Phil Jackson, por que o coitado do LeBron tem que ter o Mike Brown? Parece que ele gastou todos os pontos de experiência em “força física de um cavalo” e esqueceu de comprar um técnico decente achando que não ia mudar nada na ficha de personagem.
É hora, então, do LeBron ir atrás de um técnico. Para o Cavs, é muito difícil demitir Mike Brown. É uma questão de ética, de boa educação, tipo não colocar os cotovelos na mesa: como você demite um técnico que ganha mais de 60 partidas com um time em todas as temporadas? Não rola. Mike Brown está comodamente escondido atrás da aura de LeBron James. E como o Cavs não vai mandar o cara vender pipoca, o LeBron vai ter que arrumar um técnico em outro lugar. A escolha óbvia, aqui, é Mike D’Antoni, técnico do Knicks. Os dois já jogaram juntos na seleção americana e o LeBron ficou fascinado com as movimentações ofensivas (deve ser como crianças se sentem ao ver o mar pela primeira vez), mas existe o erro do excesso. Criança que é obrigada a só comer brócolis, quando ganha liberdade, tende a só comer chocolate, e ninguém sobrevive comendo só chocolate por muito tempo. Depois de tanto tempo num time que só defende, o LeBron pode correr pro colo do D’Antoni só para desforrar e jogar num time que só ataca. Mas assim com o Cavs não ganhava só na defesa, o D’Antoni nunca ganhou nada só no ataque. Dá pra entender se o LeBron infantilmente quiser fugir para o outro extremo, mas desconfio que não deve dar muito certo.
Outros times com técnicos razoáveis são também uma opção, mas nesse caso em especial eu prefiro uma escolha hipotética, saída diretamente do inútil mundo da boataria. As ofertas para que o técnico Mike Krzyzewski, lenda universitária, vá para a NBA nunca param, mas podem ficar muito tentadoras quando envolverem treinar LeBron James. Fala-se muito sobre um possível projeto de reconstrução do Nets que envolveria um novo dono, uma mudança de cidade, o Coach K e a primeira escolha do draft para convencer LeBron a jogar por lá. Faz bastante sentido, porque o elenco do Nets é muitíssimo melhor do que parece, e pegaria muito bem para o LeBron chegar nos playoffs com um time que quase bateu o recorde de pior campanha da NBA – se beneficiando secretamente de bons jogadores que ninguém sabe que são bons de verdade e, talvez, de um técnico genial. A equipe vai se mudar para o Brooklyn em breve e aí o LeBron estaria em New York como quer tanto o pessoal que vive de propaganda. O primeiro golpe nesse projeto do Nets foi que eles são tão azarados, mas tão azarados, que acabaram com a terceira escolha ao invés da primeira, então não vai ter a tentadora presença de John Wall por lá (deve ir para o Wizards tirar duelo de pistola com a Arenas, mais disso a gente fala depois). Funhé. Ainda assim, é uma possibildade.
Mas existe outro ponto crucial, além do treinador, para que LeBron saia do Cavs: mercado. Cleveland é um lugar famoso por ser uma joça, por estar falido e por “pelo menos não ser Detroit”. Em New York, LeBron poderia se tornar um bilionário apenas com vendas de camisetas. Na verdade, se apenas os turistas que visitam o Madison Square Garden tivessem o acesso para comprar as camisetas, as vendas já seriam centenas de vezes superiores ao que são agora, com LeBron em Cleveland.
Essa possibilidade financeira abre um caminho único para LeBron James. Como vimos acima, o que importa na carreira de um jogador são as vitórias. O esporte ficou assim, dependente das vitórias, quando tornou-se uma fonte tão gigantesca de renda para os que trabalham com ele. O esporte é uma empresa, os funcionários precisam gerar lucro. Quando você vê algum vovôzinho falar sobre o esporte poético, sobre o futebol-arte ou alguma coisa emo desse tipo, é porque está falando do esporte amador, ou quase-amador, em que a pessoa pratica aquilo por amor, e a vitória é apenas secundária. Agora, o esportista deve fazer tudo para alcançar a vitória assim como um empresário engravatado, os escrúpulos existem apenas se eles pegarem bem com os clientes e gerarem, por isso, mais lucros. Os ursos só param de ser chacinados pelas empresas alimentícias porque hoje em dia dizer que você é “ecologicamente correto” lhe dá um aumento percentual nas vendas. Do mesmo modo, o Bruce Bowen pararia de torcer tornozelos apenas se isso deixasse a torcida mais feliz, satisfeita e comprando mais camisetas e burritos – mas não é o caso, o que importa é a vitória (como os torcedores do Spurs sabem tão bem). O esporte, como insisto em dizer, é a continuação do mundo, não um universo à parte. Então como fazemos parte de uma cultura obcecada pelo sucesso e pela vitória, esperamos sucesso e vitória dos esportistas pelos quais torcemos, custe o que custar. De novo, o esporte é apenas uma janela, um recorte, pela qual podemos ver melhor o mundo: na quadra fica mais claro como as pessoas só se importam em vencer, fazem o que for necessário, enquanto nas ruas e no escritório ocorre o mesmo mas de forma mais velada. O pessoal se sacaneia para conseguir uma promoção, mas não fala disso no seu Twitter.
LeBron precisa vencer, é para isso que ele está na NBA. Foi isso que ele repetiu diversas vezes na coletiva de imprensa, que é apenas com isso que ele se importa. Mas é claro que não é verdade: ele, assim como todos os outros jogadores e a esmagadora maioria das pessoas do planeta, se importa também com ganhar dinheiro. Todo mundo na NBA procura o maior salário que puder agarrar, o Zach Randolph reclama de ganhar salários menores do que jogadores que ele acha serem inferiores (agora deu pra dizer que quer o mesmo salário que o Pau Gasol, por ser tão bom quanto ou até melhor), e muitas das estrelas que assinarão contratos na temporada que vem procuram “salários máximos”, o valor máximo estipulado pelas regras da NBA. Alguns não conseguirão, mas Dwyane Wade e LeBron James, por exemplo, devem alcançar tal marca. É assim que funciona, os melhores vão receber a remuneração devida pelas regras do jogo.
O Knicks tem grana o bastante para assinar duas estrelas de salário máximo, por exemplo. Acaba funcionando como um jogo de videogame em que cada membro da equipe tem um valor em pontos e, pra não ficar apelão, existe um máximo de pontos que cada time pode ter. Mas é aqui que LeBron James pode subverter essa relação universal com o capital. Como um dos melhores e mais famosos jogadores dos nossos tempos, LeBron tem uma oportunidade única na história: ele pode mandar o salário às favas.
Funciona assim: se for para New York (ou para o Brooklyn), por exemplo, LeBron pode re-assinar um contrato milionário com a Nike e outras diversas empresas, ganhando mais do que nunca por estar num mercado de enorme exposição, público e poder de compra inigualável. Um grupo de investidores pode se unir e financiar, em troca de propagandas, um salário de 10 milhões anuais para LeBron, ou até mais. Seria o bastante para que ele ficasse rico, garantisse o resto de sua vida, mantivesse o mesmo padrão biliardário que conquistou. E pudesse assinar um contrato com o Knicks ou o Nets de “apenas” 2 milhões por temporada, ou quanto for o mínimo permitido para veteranos segundo as normas da temporada que vem. Sem mudar um centavo em sua vida, e se realmente “vencer” é aquilo que mais lhe importa, LeBron pode mandar as regras para a privada e competir num Knicks com outras duas estrelas de salário máximo, como Wade e Bosh, por exemplo. Que tal?
Financeiramente falando, LeBron nem precisaria do apoio de investidores ou de assinar contratos publicitários gigantescos, bastaria assinar o contrato de 2 milhões e qualquer um já pode levar uma vida fantástica, nada modesta, para sempre (é só não comprar casa pra todo mundo que cruza o seu caminho e nem apostar 10 milhões num cassino toda semana, né, Antonie Walker?). Diabos, o LeBron pode até assinar um contrato de 5 ou 6 milhões e viver numa casa de ouro com piscina de champagne ainda assim sem quebrar o cofre do Knicks.
O esporte foi completamente tomado pela mentalidade corporativa, onde só importa a vitória, cumprir as metas, e ganhar salários maiores do que se pode engolir ou enfiar na orelha. Quando fazem algo a respeito, é apenas um Karl Malone velho abrindo mão da grana para ganhar um anel desesperado em seu último ano de NBA para não voltar para casa e ser chamado de perdedor por uma legião de fãs que só se importam com a vitória. E se uma grande estrela em seu auge, que ainda não está desesperada, fizesse isso? E se LeBron tivesse coragem para tornar isso uma tendência? Ganharia certamente todos os anéis de campeão possíveis durante a extensão do seu contrato (como perder com Wade, Bosh e D’Antonni), e na hora de assinar novos contratos outros iriam querer (ou teriam que) fazer também. Vale mais a pena jogar com um técnico de verdade, com Wade, com Bosh, sair vencedor de quadra, ou ganhar um salário de 20 milhões anuais? Hein?
O discurso do LeBron só fala em vencer, vencer, vencer. É o único jeito dele se safar dessa legião burra que não lhe para de tacar cocô. Mas até onde ele está disposto a levar esse discurso, ou é apenas um barulhinho que ele faz com a boca para se safar de que pensem que “ele não se importa”? Dificilmente o veremos assinar um contratinho mixuruca, mas da próxima vez ouvirei seu discurso sobre vitórias de um modo diferente, porque ele vai ter escolhido aquilo que lhe cair sobre a cabeça. O único modo de escapar do mundo burro é fazer diferente. Será que ele é capaz?