[Livro: Era de Gigantes] Capítulo 4 – O pioneiro e o Logo

Perdemos nesta quarta-feira o grande Jerry West, um dos maiores nomes da história do basquete. Famoso por ter sua silhueta no logo da NBA (mesmo a liga nunca admitindo ou pagando por isso), ele é muito mais que essa curiosidade: revolucionou o estilo de jogar dos atletas de perímetro nos anos 1960 e 1970, foi um dos grandes cestinhas da história, um dos rostos da NBA e do Los Angeles Lakers na sua época e ainda se manteve na ativa a vida toda: primeiro como técnico, depois como executivo, sendo responsável pelo time vencedor do Showtime Lakers dos anos 1980 e pela construção da era Shaquille O’Neal-Kobe Bryant nos anos 2000. Ele também colocou vida no Memphis Grizzlies e foi peça fundamental na construção do Golden State Warriors que mudou o basquete nos anos 2010. Nessa último ano ele atuou como consultor do Los Angeles Clippers.

O texto abaixo é o capítulo 4 do livro “A Era de Gigantes”, do nosso amigo Vitor Camargo, que trata de toda a história do basquete da NBA. O livro pode ser encontrado em versão digital/ebook, ou então em versão física. Ele nos pediu para publicar esse capítulo como homenagem a um dos personagens mais interessantes e presentes da história da NBA.


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Capítulo 4 – O pioneiro e o Logo

Para iniciar esse livro, decidi começar por Bill Russell e Wilt Chamberlain – ainda que, por causa da esquisita decisão do NBA 2K12 de colocar o Los Angeles Lakers de 1972 como time de Wilt, estes não fossem, cronologicamente, os dois primeiros times da lista. Ainda assim, foi uma escolha fácil: a entrada de Bill Russell na NBA, em 1956, literalmente inaugurou uma nova era no basquete, de modo que ela precisa ser o ponto de partida; e é impossível contar a história da liga nos anos 60 sem falar da rivalidade entre Russell e Wilt. Mas isso também gerou uma situação esquisita: o Especial conta muito da história da NBA até 1969 (a aposentadoria de Russell) e, depois, praticamente pula para 1972, para o time que foi atribuído a Wilt. Isso deixa ainda dois anos por preencher, 1970 e 1971. E é justamente pra preencher esse biênio que temos Jerry West e Oscar Robertson, dois jogadores cuja história também é interligada e muito importante para a NBA – e que, curiosamente, estão representados em times da mesma temporada, 1970-71.

Duas das maiores estrelas da NBA nos anos 60, Jerry West e Oscar Robertson estavam em uma situação muito parecida chegando na temporada de 1971: os dois, que eram os melhores armadores (usando aqui o termo no sentido amplo; na época, a NBA pouco diferenciava PG de SG) da liga do período pré-merger (a fusão da NBA com a ABA, em 1976), estavam um pouco passados do seu auge (West um pouco menos), mas ainda eram dois jogadores de altíssimo nível, duas das estrelas que mais enchiam ginásios na liga, e ambos ainda em busca do seu primeiro título na NBA. A grande diferença entre Oscar e West, no entanto, foi o caminho que os dois trilharam na NBA até chegar nesse ponto, em boa parte por coisas além do seu controle. Isso fica em evidência quando lembramos que West era o astro e ídolo do time que o selecionou no draft, o Los Angeles Lakers, enquanto Oscar era apenas o segundo melhor jogador do Milwaukee Bucks depois de ter saído pela porta dos fundos no Cincinnati Royals, time onde fez a maior parte da sua carreira. E esses caminhos separados nos dizem muito sobre como era ser um astro da NBA nos anos 60.

Um astro contra o mundo
Pra podermos entender o caminho de Oscar Robertson na NBA, e por que um dos melhores jogadores da sua geração acabou trocado sem cerimônia mesmo não estando muito longe do seu auge, precisamos entender o que Oscar passou durante sua vida. Isso significa retomar um assunto sempre difícil e doloroso de falar, mas não por isso menos necessário. Mas por que não deixamos o próprio Big O explicar? Nas palavras finais da sua autobiografia The Big O: My Life, My Times, My Game: “Uma vez eu ouvi dizer que, para escrever uma canção de amor, você tem que ter passado por maus momentos. Para escrever uma canção de amor, você tem que ter seu coração partido. Se esse é o caso, eu posso afirmar aqui e agora que eu seria capaz de escrever as melhores canções do mundo.”

Bem pesado. Para quem ainda não entendeu, Oscar não estava falando de nenhuma ex-namorada, e sim de uma coisa muito mais grave: racismo. Assim como Russell e Elgin, Oscar foi uma das primeiras grandes estrelas negras do basquete. Assim como Russell e Elgin, seu físico e sua capacidade atlética, aliados ao seu enorme talento, elevaram-no acima dos demais jogadores da época de forma impressionante, fazendo dele um dos jogadores mais dominantes da sua geração e da história do basquete. E assim como Russell e Elgin, ele teve que lidar com a difícil situação de ser uma estrela negra jogando em um esporte assistido e acompanhado por brancos, em uma liga majoritariamente composta de jogadores brancos, coberta por jornalistas brancos, em meio a um cenário nacional de segregação e racismo, bem como um ainda jovem movimento pela igualdade racial nos EUA

Desde o colegial, Oscar era uma grande estrela do esporte e um dos melhores atletas do mundo, um jogador fenomenal que enchia ginásios mesmo antes de se formar no ensino médio. No entanto, fora do jogo de basquete, ele era mais um negro vivendo em um mundo de brancos, constantemente desprezado e tratado como se sequer fosse um ser humano. Histórias como as do capítulo 3 – quando seu time da Universidade de Cincinnati foi jogar no Texas e a entrada do hotel tinha um enorme aviso “Proibido negros” fixado na porta, ou quando Oscar foi à Carolina do Norte e recebeu uma carta do Grande Dragão da Ku Klux Klan dizendo “Nunca venha para o Sul” – eram mais do que apenas recorrentes para um atleta negro de destaque como Oscar: elas eram parte do seu dia-a-dia. Se pudéssemos juntar todas essas histórias, daria para encher um livro ou dois: a vez em que Oscar foi jogar em Dallas e torcedores colocaram um gato preto no seu quarto antes de ele chegar no hotel; as múltiplas vezes, durante seu recrutamento universitário, em que um técnico pediu a Oscar para ser “menos negro” para ser recrutado; quando Oscar e um companheiro negro foram almoçar em um restaurante local e todos os clientes brancos levantaram-se e deixaram o recinto assim que a dupla se sentou; e os incontáveis xingamentos e ofensas racistas que ele precisava ouvir dentro e fora das quadras, sem ninguém sair em sua defesa. Robertson estava ganhando milhões para a Universidade de Cincinnati e a NCAA com seu basquete genial, mas ainda precisava beber água de um bebedouro separado e, frequentemente, não podia comer nos mesmos restaurantes que os seus companheiros porque não serviam negros. Na esquina do campus onde Oscar era um astro do basquete, havia um cinema que separava as filas entre “brancos” e “coloridos”, onde ele não podia nem assistir normalmente a um filme sem ser discriminado. Esses são apenas alguns dos perrengues pelos quais Oscar teve que passar ao longo da sua carreira… E ele sequer tinha terminado a universidade ainda!

E, claro, ir para NBA não melhorou a situação. Na verdade, tudo isso acabou aumentando, pois agora Robertson estava em uma plataforma maior, com um holofote maior sobre sua cabeça. O racismo continuou sendo parte da vida de Oscar, da mesma forma que da de Elgin e Russell. Porém, o impacto em Oscar foi muito maior do que em Russell, por dois motivos: primeiro, porque Russell e Oscar lidavam com o abuso de formas diferentes. Russell era competitivo demais, e concentrava todas as hostilidades sofridas no seu jogo para destruir seus oponentes e fazer o que ele mais gostava: vencer. Russell sempre se importou de menos com o que os outros pensavam e demais com o seu time e com a vitória; de certa forma, isso o ajudava a canalizar todo o ódio que recebia para algo externo. Esse ódio virava motivação, e a vitória era uma forma de Russell triunfar sobre o abuso que recebia, ao invés de deixar que o racismo o envenenasse por dentro.

Segundo, e mais importante, Russell teve a seu lado o visionário Red Auerbach, um homem muito à frente do seu tempo (e, vale citar, judeu), que entendia perfeitamente pelo que Russell passava e iria passar, e sabia como montar um ambiente ideal para uma superestrela negra. Russell jogava cercado de mais jogadores negros do que em qualquer outro time (Satch Sanders, KC Jones e Sam Jones, pra citar três), e Red sempre tomou conta do seu astro para que esse ódio que ele recebia não se materializasse. Não é como se faltassem histórias racistas para Russell (por exemplo, quando ele se mudou pra Boston e comprou uma casa em uma região de brancos, seus vizinhos invadiram a casa, quebraram tudo e defecaram na sua cama) ou como se elas nunca tivessem afetado o pivô, que sempre se importou demais (e se importa até hoje) com o abuso sofrido por ele e por seus iguais, mas a questão é que a forma como ele lidava com isso e a forma como Auerbach o protegia (e, sim, a forma como seus companheiros de time – brancos ou negros – sempre o respeitaram e idolatraram) conseguiram protegê-lo de tudo isso, em certa medida.

Oscar não teve essa sorte. Ele viveu experiências que nós, 60 anos depois, não conseguimos nem imaginar. Vai muito além de simples humilhação: ele sequer era tratado como um ser humano. Como você explica a um jogador que todas as noites enche ginásios com fãs ansiosos para ver algo que só ele é capaz de fazer, mas que ele sequer pode estar na mesma sala que todos aqueles fãs em outras circunstâncias sem eles levantarem e saírem de perto? E Oscar, que nunca foi como Russell e nunca teve Red Auerbach por perto, acabou guardando tudo isso dentro de si. Todo esse ódio que ele teve que aguentar acabou sendo engolido como um veneno – e isso, lentamente, foi destruindo a pessoa que ele era.

Em fotos e vídeos dos tempos de colegial, Oscar lembra muito Magic Johnson: alguém que ostentava um sorriso enorme, que genuinamente se divertia jogando, que gostava de impressionar e deixar todo mundo feliz, interagindo com companheiros e mostrando prazer no que fazia. Conforme o tempo foi passando e Oscar foi tendo mais e mais contato com o que há de pior na natureza humana, ele foi mudando: seu jogo foi perdendo a alegria e, de tanto internalizar e guardar todo esse abuso, Oscar foi se isolando cada vez mais do mundo exterior e virando uma pessoa extremamente amarga. Mesmo quando chegou na NBA e destruiu tudo e todos no seu caminho, estabelecendo-se como um dos melhores jogadores e maiores astros da liga no processo, ele não conseguia mais jogar como o velho Oscar, feliz e despreocupado. Ele era um atleta extremamente talentoso e habilidoso, fisicamente superior a todos os armadores (mesmo quando, mais tarde, mais atletas negros começaram a povoar a liga, apenas três ou quatro podiam enfrentá-lo fisicamente), alguém que teve um triple-double de média na temporada de 1962 (em uma época na qual, embora os números em geral fossem inflacionados, assistências tinham um critério de contagem mais rígido e era mais difícil chegar a 10) e um triple-double de média quando juntamos suas CINCO primeiras temporadas; ao mesmo tempo, porém, era um jogador com quem ninguém conseguia, de fato, se conectar: nem fãs, nem outros jogadores, nem técnicos, jornalistas, etc. Eventualmente, todos foram desistindo.

E o próprio Oscar, claro, também não tinha nenhum interesse de se conectar com ninguém. Grande parte dessa angústia que ele tanto guardava acabou sendo canalizada pra todo mundo ao seu redor – fãs, mídia, colegas de time, técnicos, enfim, todo mundo que não conseguia compreendê-lo, acompanhá-lo ou simplesmente fazer as coisas como ele gostava. Todo mundo respeitava Oscar, mas ninguém realmente gostava dele. Ele virou um homem amargo, um perfeccionista no pior sentido da palavra, com quem era impossível conviver. Ao contrário de Wilt, Oscar não usava sua superioridade técnica como motivo para fazer de si o centro das atenções e jogar sozinho; ao contrário de Russell, ele não usava essa superioridade como meio para elevar o nível de seus companheiros menos talentosos; Oscar estava um nível acima do resto da liga, mas usava isso para cobrar que seus colegas também estivessem no mesmo patamar – e descontar sua raiva e frustração em qualquer companheiro que não fosse capaz de fazê-lo. Era comum Oscar gritar e desmoralizar qualquer colega de time que (na sua visão) o decepcionasse dentro de quadra, o que acabava com a moral dos menos talentosos e tornava insuportável o ambiente, e impossível a convivência, dentro da equipe; foi por esse motivo que ele foi mandado para Milwaukee sem muita cerimônia mais tarde. Mas Oscar tem uma desculpa legítima: se qualquer estrela negra futura da NBA (Jordan, Magic, LeBron, pode escolher) tivesse lidado com tudo que ele lidou nos anos 50 e 60, o racismo e o abuso constantes ao longo de toda uma vida, num sistema cuja própria lei permitia e regulava a discriminação sofrida, eles também não seriam capazes de seguir sua carreira sem desvios e apenas ser eles mesmos: todos seriam profundamente afetados e mudados pelo que viveram. No fundo, Oscar foi uma vítima da sua era, e de algo que acontecia ao seu redor – algo que nada tinha a ver com esportes.

Também não ajudou a vida interna de Robertson uma falta de sucessos definitivos do Royals dentro de quadra (leia-se: um título), em parte por fatores que também estavam além do controle da equipe. Primeiro (e mais óbvio), Oscar e o Royals tiveram seu auge numa época em que NINGUÉM conseguia vencer o Celtics de Russell (período de 1962 a 1966). Nesses anos, o time celta eliminou o Royals três vezes na pós-temporada, incluindo duas finais de divisão, de modo que Oscar e o Royals não chegaram nenhuma vez às Finais da NBA – algo que poderia ter alterado o destino do armador e da franquia.

Em segundo lugar e mais bizarro, a verdade é que isso aconteceu porque, em 1963, a NBA abriu uma nova franquia em Baltimore e, de alguma forma, achou que fazia sentido o Royals se mudar para a divisão Leste para acomodar o recém criado Bullets no Oeste, ao invés de colocar Baltimore no Leste e deixar o Royals no Oeste – uma decisão absurda, considerando que Baltimore fica na costa leste dos EUA, em Maryland, 800 quilômetros mais a leste que Cincinnati. O resultado foi que o Royals passou seu auge enfrentando e perdendo nos playoffs para o Celtics de Russell e, depois, para o Sixers de Wilt; se nunca tivesse ido para o Leste, o time teria muito mais chances de chegar a diversas Finais, passando por um Oeste menos competitivo entre 1963 e 1967; quem sabe até conseguiriam roubar um título de Celtics ou Sixers, que chegavam às Finais mais desgastados após se enfrentarem entre si na pós-temporada.

Por fim, o terceiro (e mais trágico) motivo da falta de sucesso do Royals foram os problemas de saúde de Maurice Stokes, astro do time antes da chegada de Oscar. Negro, jovem, forte e muito atlético, Stokes era um jogador à frente de seu tempo: um ala de força dominante nos rebotes e no garrafão, mas que também jogava muito bem longe da cesta e com a bola nas mãos, muitas vezes armando a equipe – talvez o primeiro exemplo do que viria a ser conhecido depois como point forward. Stokes teve médias de 17 pontos, 18 rebotes e 6 assistências em 1958, e teria sido o parceiro perfeito para Oscar Robertson, que só chegou a Cincinnati em 1960. Junte Stokes a Oscar e ao time do Royals como ele veio a ser, e teria sido possível para Cincinnati mudar o cenário da NBA como o conhecíamos.

Infelizmente, Stokes teve um caso grave de encefalopatia quando tinha apenas 24 anos de idade, graças a uma série de eventos infelizes: primeiro, ele bateu a cabeça com força em um jogo de temporada regular e sofreu um trauma cerebral, que não foi diagnosticado. Ao invés disso, Stokes voltou para o jogo, depois viajou de avião no dia seguinte pra jogar com o Royals pelos playoffs, bateu a cabeça de novo, e viajou mais uma vez de avião antes de desmaiar e, enfim, ser diagnosticado. A essa altura, porém, já era tarde demais, e o dano cerebral já era permanente e irreversível: a encefalopatia limitou consideravelmente as suas funções motoras, e Stokes passou o resto da sua curta vida numa cadeira de rodas antes de morrer aos 36 anos, o que levou a uma das histórias mais comoventes desse período tão conturbado: quem acolheu Stokes quando isso aconteceu foi seu companheiro de time Jack Twyman, que trouxe Strokes pra morar com sua família, juntou dinheiro para pagar suas dívidas e sustentou e cuidou do amigo até sua morte. Em um momento de enorme tensão racial, quando jogadores como Oscar estavam sofrendo com casos sérios de estresse pós-traumático por causa do tratamento que recebiam por sua cor de pele, ver um jogador branco como Twyman acolhendo um companheiro e amigo negro como Stokes, ainda mais numa época em que jogadores de basquete ainda ganhavam relativamente pouco dinheiro, é o tipo de lembrete importante de que ainda podemos encontrar um pouco de humanidade mesmo nos piores cenários.

O Logo
Se Oscar Robertson foi alguém que acabou definido por um ambiente de hostilidade racial ao seu redor, Jerry West, por outro lado, nunca teve que lidar com nada disso. Pelo contrário, West foi quem acabou virando desde cedo um grande ícone da NBA: um grande astro branco, carismático, que não criava problemas fora de quadra e era adorado pelos outros atletas, fossem companheiros ou rivais. West não era fisicamente superior aos demais jogadores como Oscar, Elgin, Russell ou Wilt, tampouco conseguia jogar acima do aro e com a verticalidade dessas outras estrelas; mesmo assim, ele conseguia dominar a NBA com um jogo que só pode ser descrito como perfeito. Seu arremesso era irretocável, seu drible era muito refinado, sua técnica defensiva impecável, cada movimento em quadra absolutamente preciso e eficiente. West também foi um dos primeiros astros– talvez O primeiro astro – a maximizar o arremesso como uma arma, arremessando de meia e longa distância com grande eficiência, e chutando bolas de três pontos antes de sequer existir uma linha de três pontos. O jogo de Jerry West era tão moderno e completo que ele é, talvez, o jogador dos anos 60 mais fácil de se imaginar jogando e indo a um All-Star Game na NBA de hoje em dia.

A NBA, eventualmente, também acabou vendo em Jerry West a chance de vender a imagem que ela tanto queria: a de um fenômeno branco capaz de bater de frente com as emergentes estrelas negras da liga. Mesmo que a NBA soubesse que precisava desesperadamente do tipo de basquete que estava vindo com os Oscars e Russells para impulsionar seu produto e continuar a crescer, ela também sabia que seu público ainda era composto majoritariamente por telespectadores brancos – muitos deles ressentidos de acompanhar uma liga cada vez mais dominada por homens negros, com os quais eles não conseguiam se identificar. Ter um jogador como West para vender a esse público era uma forma extremamente importante para a NBA de se conectar com os Estados Unidos ainda racistas dos anos 60; logo, não demorou muito para a liga começar a vender Jerry West como seu novo rosto.

E ajudava muito o fato de que, mesmo deixando a questão racial de lado, Jerry West tinha tudo que você poderia desejar no rosto da sua liga. Ele era carismático, competitivo, cativante e muito divertido de se assistir. West jogava em uma das mais importantes franquias e um dos maiores mercados da liga, e estava envolvido com frequência em grandes jogos e séries de pós-temporada, com uma coleção crescente de momentos e jogadas marcantes. Sua fama de ser decisivo lhe rendeu o apelido Mr. Clutch, e sua capacidade de dominar jogos contra adversários maiores e mais atléticos fez dele um dos atletas mais respeitados e admirados da NBA, dentro e fora das quadras. A liga logo percebeu que o camisa 44 era o tipo de jogador que tinha apelo para qualquer audiência, e sua popularidade foi crescendo ao ponto de, eventualmente, levar a NBA a fazer da jogada patenteada de West – reconhecível para qualquer fã do esporte – seu logo oficial. A silhueta de Jerry West driblando para a direita, com o corpo inclinado, pronto para puxar a bola em um arremesso, continua até hoje no centro do logotipo da maior liga de basquete do mundo.

Também é importante destacar que West era o oposto de Oscar na relação com os outros jogadores e o resto da liga. Todo mundo – companheiros e adversários – respeitava Oscar, mas ninguém gostava dele, e ele não fazia questão de que gostassem. Mas West? Todo mundo na NBA adorava West, tanto como jogador quanto como pessoa: um competidor do mais alto grau, extremamente habilidoso, que jogava para o time, liderava como nenhum outro na época (exceto Russell), tornava todos seus companheiros melhores e colocava sempre a vitória e seu time antes de seus números e glórias pessoais. Adequadamente (ou ironicamente, como preferir), o maior fã de Jerry West não era outro senão o próprio Bill Russell. Quando West teve média de 38 pontos e 7 assistências por jogo nas Finais de 1969, mas viu seu Lakers perder para o Celtics em um dramático Jogo 7 em casa, tornando-se o único MVP das Finais até hoje a perder a série, a primeira coisa que os três principais jogadores do Celtics (Russell, Sam Jones e John Havlicek) fizeram antes de ir para o vestiário comemorar foi abraçar um devastado West, quase como se pedissem desculpas por estragar o que deveria ter sido seu primeiro e tão esperado título. Naquele momento, Havlicek até disse: “Você merece um título mais que qualquer outro a algum dia jogar esse esporte”. Quando o Lakers fez a “noite Jerry West” alguns anos depois, uma tradição na época para jogadores em fim de carreira receberem presentes e o carinho da torcida, Bill Russell pagou seu próprio ingresso pra entrar e fez um discurso muito comovente para o Logo, dizendo que ele era, “em qualquer sentido da palavra, um verdadeiro campeão”, e destacando que ele tinha “o respeito e a amizade dos seus colegas mais do que qualquer pessoa que [eu] conheça”. Além disso, West foi escolhido pra ser literalmente o logo da NBA! Todo mundo gostava do cara, provavelmente o jogador mais amado da NBA pré-merger. Dito isso, ao mesmo tempo, West nunca teve que lidar com o que Oscar lidou ao longo da vida; por isso, ele pôde ser ele mesmo durante sua carreira, um benefício que o armador do Royals nunca teve. No final, esses dois jogadores brilhantes acabaram definidos por coisas além do seu controle: que West era branco e Oscar era negro.

(O que, é importante deixar claro, não quer dizer de forma alguma que West não teve que enfrentar e superar suas próprias dificuldades ao longo da vida, incluindo uma série de problemas pessoais e familiares: além da pobreza, West passou sua infância lidando com um pai abusivo, a morte prematura de um irmão e uma longa batalha contra a depressão).

Mas West acabou gerando um certo problema com essa coluna, com a ajuda da 2K Sports: por que dar a ele o Lakers de 1971 como time? Não faz sentido algum. O capítulo 2 explicou por que dar ao Wilt o Lakers de 1972 era uma ideia ruim: esse deveria ter sido o time de West, enquanto Wilt deveria ficar com o Sixers de 1967, o auge de sua rivalidade com Russell. Ao invés disso, Jerry West ficou com a temporada de 1971 para si – um ano que o armador passou lidando com lesões, perdendo 13 jogos da temporada regular e toda a pós-temporada machucado, e o Lakers perdeu sem cerimônia nas finais do Oeste.

Individualmente, West atingiu seu auge em 1965, 1966 e, depois, 1970. Como líder de time, o auge de West foi entre 1965 e 1968, quando levou o Lakers nas costas por tantos anos como potência do Oeste depois que Elgin estourou o joelho e nunca mais foi o mesmo, e depois em 1972. E seus melhores times foram em 1962, 1969 e 1972. Seus dois momentos mais icônicos aconteceram em 1969 (quando foi MVP das Finais mesmo perdendo) e 1970. Qualquer uma dessas temporadas seria uma representação melhor para Jerry West do que a esquecível temporada de 1971. Por isso, esse livro vai ignorar que o time do camisa 44 é o Lakers de 1971 e fingir que deram ao West o Lakers de 1970, o que faz mil vezes mais sentido mesmo sendo uma temporada pela qual ele nunca recebeu o devido crédito. E já vamos ver o porquê.

O MVP esquecido
Entrando na temporada 1969-70, o Lakers não passava por um bom momento. A derrota para o Celtics nas Finais de 1969 (perdendo um Jogo 7 em casa, com Wilt mofando no banco, depois de o dono do Lakers ter enfeitado o ginásio com balões e faixas para comemorar o título antecipadamente) foi extremamente traumática. Wilt Chamberlain estava passando por mais uma das suas fases de ficar mudando constantemente seus objetivos e se colocando na frente do time, culpando os companheiros pela derrota nas Finais, e Elgin Baylor envelhecia rapidamente devido à lesão no joelho que sofreu em 1965. Para piorar a situação, logo no começo do ano, o Lakers viu Wilt Chamberlain estourar o joelho e perder o resto da temporada regular (70 jogos); Elgin Baylor e Happy Hairston ainda perderiam 55 jogos combinados ao longo do ano, com lesões diversas, e não conseguiriam desenvolver uma continuidade. Em outras palavras, Jerry West perdeu seus três melhores companheiros de time pela maior parte da temporada regular, e o resto da equipe estava bastante enfraquecido (o melhor companheiro de West por boa parte da temporada? Mel Counts, que nunca teve mais de 13 pontos por jogo em nenhum ano da carreira). Para piorar, apesar de o Celtics ter decaído com as aposentadorias de Sam Jones e Bill Russell, uma nova potência surgia no Leste na figura do Knicks de Willis Reed – um time não só excelente, mas que jogava muito bonito e de forma muito coletiva, e que chamou toda a atenção da mídia e dos fãs pra longe de Los Angeles. Além disso, um time novo na NBA, o Milwaukee Bucks, agora ameaçava montar uma nova potência em torno de um muito antecipado calouro chamado Lew Alcindor. Some tudo isso e, após as lesões de Wilt, Baylor e Hairston, todo mundo estava praticamente descartando o Lakers para a temporada 1969-70.

Mas foi aí que alguma coisa ligou dentro de Jerry West. Talvez tenha sido a derrota para o Celtics no ano anterior (traumática especialmente para West, que foi o melhor jogador e MVP da série apesar de jogar com uma lesão na perna, e teve uma performance lendária de 53 pontos e 10 assistências no Jogo 1); talvez, e mais provável, tenha sido o fato de um grande jogador extremamente competitivo simplesmente perceber que estava sozinho e sem ajuda, e que, se não fosse ele fazendo tudo, o time não ia a lugar nenhum naquele ano. E não teria sido a primeira vez que isso acontecia: quando, em 1965, o então craque do time Elgin Baylor estourou o joelho no primeiro jogo dos playoffs, foi West quem assumiu o bastão e levou o Lakers sozinho para as Finais da NBA (perdendo novamente para o Celtics), com médias de 41 pontos e 5 assistências por jogo – uma primeira amostra de como Jerry West estava à altura desse desafio. Agora, o armador precisava fazer isso durante uma temporada inteira.

Percebendo o perigo da situação, West elevou seu jogo em mais um patamar: o camisa 44 assumiu as rédeas da equipe e levou o Lakers nas costas com médias de 31 pontos, 6 rebotes e 7,5 assistências por jogo. West liderou a NBA inteira em pontos e ficou em terceiro em assistências, chutou 49,7% de quadra (um número absurdamente alto para um armador em 1970) e foi ao primeiro time All-Defense da NBA, conduzindo o Lakers a 46 vitórias e o segundo lugar no Oeste mesmo jogando boa parte do ano com um time de Mel Counts, Dick Garrett, Keith Erickson e Rick Roberson, que parecem mais nomes de roqueiros do que astros do basquete. Com o time sentindo falta (devido, em parte, aos desfalques) de jogadores capazes de criar o próprio arremesso, West também foi obrigado a adaptar sua maneira de jogar: se, no começo da carreira, ele era o que chamamos hoje de ala-armador, ou shooting guard, alguém mais focado em pontuar e jogar sem a bola, a falta de outros criadores na equipe fez West jogar muito mais como armador principal, com a bola nas mãos o tempo todo e criando cestas fáceis para seus companheiros menos capacitados, de forma a manter o time funcionando. West terminou o ano com 7,5 assistências por jogo, o terceiro no quesito dentro da liga; ambas eram as melhores marcas (até então) da sua carreira, e essa transformação de West de 2-guard para armador principal seria crucial para os próximos anos da franquia de Los Angeles. Em 1970, West carregou o Lakers sendo seu ballhandler, principal pontuador, melhor defensor, líder emocional e líder via exemplo, e quem tinha a bola nos momentos decisivos das partidas. Ninguém fez mais pelo seu time que West naquela temporada: era o grande auge de um dos maiores jogadores da história do basquete.

Por que ninguém se lembra mais dessa temporada de West, provavelmente a melhor pré-merger de um não-pivô junto com a temporada de 1964 de Oscar Robertson? Porque em 1970 todo mundo estava ocupado demais prestando atenção no New York Knicks, um time extremamente divertido e empolgante que ocupou as atenções das TVs e mídias esportivas de modo geral, num momento em que elas ainda não eram abundantes o suficiente para cobrir a liga como um todo. O pivô do Knicks, Willis Reed, acabou ganhando (leia-se: roubando) o prêmio de MVP da temporada, que deveria ser de West, mesmo jogando numa equipe em que era impossível dizer quem era mais valioso no time entre ele (22 pontos, 14 rebotes e defesa de garrafão) e Walt Frazier (21 pontos, 6 rebotes, 8 assistências e o melhor defensor de perímetro da NBA), para não mencionar Dave DeBusschere no seu auge. West fez mais do que os dois individual e coletivamente, jogou sozinho a temporada quase inteira e foi mais valioso para sua equipe do que qualquer outro jogador naquele ano; todavia, o Knicks era um time melhor e mais interessante, que atraiu os olhos do mundo do basquete, e os votantes acabaram dando o prêmio para um jogador do time no qual todo mundo estava mais interessado. Assim, West foi assaltado à mão armada do prêmio de MVP que deveria ter coroado a maior temporada da sua carreira.

Ao final da temporada, Wilt e Elgin voltaram para os playoffs, mesmo que ainda abaixo do seu melhor; novamente, sob o comando de West, o Lakers ganhou uma série sofrida do forte Phoenix Suns antes de varrer o Atlanta Hawks de Walt Bellamy e Lou Hudson para, adequadamente, chegar às Finais da NBA justamente contra o Knicks. E, apesar de o Knicks ser o franco favorito e ter um time superior (especialmente com Wilt e Elgin baleados), West e o Lakers levaram a série para sete jogos depois de Willis Reed se machucar no Jogo 5, em uma série que envolveu uma das cestas mais famosas da história da NBA e da carreira de Jerry West: acertando uma bola épica de trás do meio da quadra, no estouro do cronômetro, para levar o Jogo 3 para a prorrogação depois de Dave DeBuscherre ter acertado um arremesso de meia distância para colocar o Knicks na frente por 102 x 100, faltando dois segundos para o fim da partida. Se isso acontecesse 10 anos depois, o arremesso teria dado a vitória para os Lakers, mas em 1970 não existia linha de três pontos e portanto o arremesso mágico de West valeu apenas dois pontos, suficiente para levar o jogo para a prorrogação mas não vencer no tempo normal – e, no tempo extra, os Knicks saíram com a vitória.

E, infelizmente para ele, as Finais também acabaram com outro dos momentos mais marcantes da história do basquete, e dessa vez o Lakers estava do lado errado da história: Willis Reed, que perdera o Jogo 6 lesionado e era considerado dúvida para a partida decisiva, saindo do túnel do Madison Square Garden mesmo com o músculo da perna rompido, pra jogar o Jogo 7 no sacrifício, enquanto o narrador Marv Albert gritava “And here comes Willis!”, para acertar os dois primeiros arremessos do jogo e trazer o ginásio abaixo, criando uma atmosfera que seria essencial para empurrar o Knicks a uma vitória convincente no jogo decisivo rumo ao seu primeiro título. Mesmo com um time inferior, West e o Lakers quase roubaram aquelas Finais fora de casa. Não fosse uma combinação de três coisas no Jogo 7 – Reed entrando em quadra, levando o MSG ao delírio e empurrando todo o time; Walt Frazier jogando um dos melhores jogos de todos os tempos (36 pontos, 19 assistências, 7 rebotes e 5 roubos de bola) na hora certa; e Wilt tendo uma atuação muito passiva sem atacar seu defensor (Reed), que estava jogando quase literalmente com uma perna só –, é possível que o Lakers teria roubado esse título do Knicks. Mas o time de Nova Iorque prevaleceu na frente da sua torcida, e Jerry West teria que esperar mais dois anos pelo tão sonhado título.

Uma nova superestrela e um velho coadjuvante
Enquanto Jerry West fazia a melhor temporada da sua carreira em Los Angeles, uma outra coisa importante aconteceu na temporada 1969-70 em Milwaukee: a chegada na NBA de um dos prospectos mais antecipados e promissores da sua história, um jovem pivô de UCLA então conhecido como Lew Alcindor – que, anos mais tarde, mudaria seu nome para Kareem Abdul-Jabbar.

O Milwaukee Bucks, em apenas seu segundo ano de NBA, selecionou Alcindor com a primeira escolha do draft de 1969 e, com sua nova estrela, imediatamente estabeleceu-se como um dos times mais fortes da liga. Levado por sua nova aquisição, o Bucks saltou de 27 vitórias em 1969 para 56 vitórias em 1970, com Alcindor despontando como o próximo grande pivô da NBA. Embora a temporada do Bucks tenha acabado nas mãos do Knicks nas finais do Leste, ficou claro que o time estava pronto para brigar por títulos já no curto prazo e, dada a falta de um bom armador que ajudasse Alcindor, o Bucks tomou a ousada decisão de ir atrás de um grande armador veterano para a temporada de 1971, alguém capaz de comandar o ataque e controlar o ritmo de jogo nos momentos decisivos. E, com o Royals ansioso pra se livrar de Oscar Robertson (por tudo que já foi dito anteriormente) e vindo de três temporadas consecutivas sem playoffs, o Bucks aproveitou e pegou Oscar praticamente de graça, em troca de dois jogadores de menor expressão chamados Charlie Paulk e Flynn Robinson.

Agora jogando na mais fraca Divisão Oeste, com o melhor jogador da NBA em Alcindor e um Oscar Robertson que, embora passado do auge, ainda estava entre os melhores da liga, o Bucks tinha se posicionado como grande favorito para dominar a competição. E foi exatamente o que aconteceu em 1971, quando o Bucks liberou o inferno na Terra com a mais dominante temporada de um time em toda a era pré-merger: Lew Alcindor foi eleito MVP da NBA com médias de 32 pontos, 16 rebotes e 3 assistências e chutando 57,7% de quadra; já Oscar Robertson se adaptou surpreendentemente bem ao papel de coadjuvante, controlando o ritmo do jogo com maestria e tendo médias de 19-6-8. O Bucks tinha dois dos dez ou quinze melhores jogadores de todos os tempos jogando juntos: um no seu auge absoluto e o outro um pouco passado, mas ainda muito dominante. Junte a isso o emergente segundanista Bob Dandridge, que deu um salto de produção na sua segunda temporada, e o Bucks passou o trator por cima da NBA de uma forma que a liga nunca tinha visto antes.

Os números deixam essa afirmação clara: o Bucks teve duas das maiores sequências de vitórias da história da NBA na mesma temporada (uma de 16 jogos logo no começo, depois outra de 20 jogos na reta final), liderou a NBA em todas as categorias relevantes, teve o melhor ataque E a melhor defesa, e terminou o período com a terceira maior diferença de pontos por jogo da história da NBA (12,2), perdendo apenas duas partidas em casa na temporada inteira incluindo playoffs (segunda melhor marca de todos os tempos, atrás apenas do Celtics de 1986). Milwaukee terminou a temporada regular com 66 vitórias (ninguém teve mais que 52), e só não chegou a 70 porque garantiu a primeira colocação cedo demais e tirou o pé do acelerador, perdendo 5 dos seus últimos 6 jogos por puro desinteresse.

Chegando na pós-temporada, o Bucks conseguiu melhorar ainda mais: perdeu apenas dois jogos nos playoffs inteiros, vencendo o forte Warriors em 5 jogos, depois o Lakers em mais 5 e, por fim, varrendo as Finais; ganhou todas as 8 partidas que fez em casa; venceu 11 dos seus 14 jogos por dois dígitos; e estabeleceu um recorde da história dos playoffs pra margem de vitória, o qual ainda se sustenta até hoje (14,2 pontos por jogo). Milwaukee varreu as Finais com todos os jogos decididos por 8 pontos ou mais, e venceu o Jogo 4 em Baltimore com três jogadores (Oscar, Alcindor e Dandridge) anotando pelo menos 20 pontos e 6 assistências. Se você quer um bom exemplo do que é um time ter uma temporada realmente invencível, o Bucks de 1971 é um ótimo lugar para encontrar: por nove meses, ninguém teve a menor chance de encostar nesse time. Eles jogaram não só pra ganhar, mas pra destruir – e o fizeram por cima da NBA inteira. Tirando um certo time (guarde essa informação), Milwaukee terminou 12-4 na temporada regular contra times que venceram 48 jogos ou mais. Isso é tudo que você pode exigir de um time dominante. Nem o Knicks de 1970, nem o Lakers de 1972, nem nenhum outro time da época foi tão invencível do começo ao fim da temporada como o Bucks de 1971.
No papel, o Bucks de 1971 teve uma temporada transcendental em todos os aspectos até para os dias de hoje. No entanto, precisamos levar isso com um grão de sal por alguns motivos: primeiro, a NBA começou a expandir seu número de franquias em 1969-70, então ela estava passando por um período de diluição dos talentos, beneficiando as equipes que já tinham duas grandes estrelas como Lew e Oscar (ou Wilt e West, Reed e Frazier, etc) jogando juntas. Além disso, a NBA tinha melhorado bastante em relação ao início da era Russell/Elgin, mas ainda era um pouco branca e lenta demais, principalmente por causa da concorrência da ABA, que lhe tirava boa parte do talento mais jovem, atlético e explosivo que a tinha tornado tão grande durante os anos 60. Segundo, o Bucks daquele ano teve alguma sorte no seu processo: Elgin Baylor e Jerry West se machucaram, ambos nos playoffs, atrapalhando seu maior rival no Oeste (Lakers), e o Boston Celtics ainda estava na transição entre a era Russell e a era Havlicek/Dave Cowens (eleito Calouro do Ano em 1971), não sendo ameaça ainda. Terceiro e mais importante, aquele time já citado, que era exceção à dominação do Bucks e terminou vencendo quatro de cinco confrontos contra Milwaukee na temporada regular, era o atual campeão Knicks – que perdeu nas finais de conferência, graças a algumas lesões, e não chegou a enfrentar o Bucks naquela pós-temporada. Ao invés disso, o adversário de Milwaukee nas Finais foi um Baltimore Bullets que venceu apenas 42 jogos e estava jogando sem uma das suas maiores estrelas em Gus Johnson, machucado. Então, essa temporada não foi tão dominante quanto pareceu no papel: questões de timing e sorte fizeram Milwaukee ter um caminho muito mais fácil e menos desafiador do que deveria na pós-temporada. Mesmo assim, nenhum time anterior a 1977 teve o nível de dominância e de pura invencibilidade que esse Bucks teve. Quando você tem Alcindor/Kareem perto do seu auge e Oscar é seu SEGUNDO melhor jogador, você provavelmente tem alguma coisa especial. Esse Milwaukee Bucks tinha, e provou isso dentro de quadra para chegar ao seu primeiro (e, até hoje, único) anel de campeão da NBA.

Contexto histórico
Um ano depois, em 1972, Jerry West e o Lakers teriam sua própria temporada dominante para marcar para sempre a história da NBA: o time de Los Angeles venceu 69 jogos na temporada regular e 33 partidas em sequência, levado por West e Wilt Chamberlain. Nesse ano, a transformação de Jerry West em armador principal atingiu seu ápice e o camisa 44 liderou a NBA inteira em assistências. A história desse time já se encontra no capítulo 2; por isso, não vai ser repetida aqui.

Mas é importante destacar que, para Jerry West, esse título teve um sabor especial. Depois de chegar em sete Finais diferentes só para perder todas tão perto do seu objetivo final, sendo seis delas para o Celtics do seu amigo Bill Russell, quatro delas chegando a levar as Finais a um decisivo Jogo 7, uma delas vencendo até mesmo o prêmio de MVP das Finais na derrota, Jerry West enfim tinha chegado ao topo da montanha para conquistar seu primeiro campeonato com o seu melhor time. E West não estaria sozinho na sua comemoração: o mundo inteiro do basquete, dos fãs aos jogadores, estava em festa ao ver seu jogador mais querido e popular, enfim, levantando o troféu de campeão da NBA.

Esse sofrido primeiro título para West também veio na hora certa da sua carreira. Ele jogaria apenas mais uma temporada completa na NBA, em 1973 (quando o Lakers perdeu mais uma vez nas Finais, novamente para o Knicks – a oitava derrota em Finais na carreira do Logo), até uma lesão durante a temporada seguinte encerrar de vez sua gloriosa carreira. Curiosamente, Oscar Robertson também se aposentaria na temporada de 1974, depois de seu Milwaukee Bucks perder para o Boston Celtics nas Finais daquele ano. Jerry West e Oscar Robertson, os dois gênios do basquete que entraram juntos na NBA em 1960, tornaram-se os dois armadores emblemáticos dos anos 60 e começo dos 70, venceram seus primeiros e únicos títulos com apenas um ano de diferença e serviriam de exemplo de como a trajetória de um jogador na NBA nesse período poderia ser afetada pela questão racial que o país vivia na época, agora encerravam suas lendárias carreiras juntos – duas carreiras tão parecidas e tão distintas, dentro e fora das quadras.

Tirando a parte extra-quadra, West e Oscar também são fascinantes do ponto de vista de seu legado – justamente pelo efeito da época sobre seus números e prêmios, que afeta diretamente como nos lembramos desses jogadores. É uma tecla que vai ser muito martelada aqui: com o passar do tempo, as memórias e o contexto vão se esvaindo, e o que acaba ficando mais evidente de jogadores antigos são os números e registros físicos, como MVPs, All-NBAs e All-Stars, o que acaba afetando muito a nossa percepção. A era anterior à fusão entre NBA e ABA é, de longe, a que mais precisa ser levada em consideração nesses aspectos. A liga, de modo geral, era mais baixa, lenta e pouco atlética demais; portanto, atletas mais fisicamente imponentes como Oscar e Wilt tinham uma grande vantagem sobre os demais – sem falar na inflação estatística gerada por um estilo de jogo veloz, no qual posses de bola, arremessos, pontos e rebotes abundavam.

Isso afeta diretamente nossa percepção de um jogador como Oscar, alguém cujo brilhantismo chega até nós principalmente por causa das suas incríveis estatísticas, sendo a mais notável o seu triple-double de média em 1962. Mas, como já foi comentado anteriormente aqui e no capítulo 2, essa foi uma era de grande inflação estatística, e isso ajudou muito Robertson a ter os números que hoje nos maravilham. Não que isso esteja errado – se obter esses números fosse fácil, todo mundo em 1962 o teria feito – mas eles parecem ainda mais impressionantes quando os comparamos aos números dos jogadores que vieram depois, em épocas estatisticamente mais conservadoras. Então, historicamente, o fato de ter jogado nos anos 60 ajudou Oscar em termos de legado: não só pela superioridade física perante os adversários, que lhe permitiu dominar a NBA no seu período, mas porque a época inflacionou e tornou ainda mais impressionante o principal meio através do qual o armador chega até nós em 2019.

No caso de Jerry West, temos exatamente o oposto: em termos de legado, não houve jogador mais prejudicado pela conjuntura histórica do que o Logo. Além de não desfrutar da superioridade física que elevou nomes como Oscar, Wilt e Russell, West foi atrapalhado também por dois grandes fatores. O primeiro é o mais prático e estilístico, que é a falta de uma linha de três pontos na sua era. West foi um dos grandes arremessadores de sua geração, um dos primeiros astros a ter um jogo dominante baseado nos chutes longos e em arremessos de pull-up a partir do drible, mas passou boa parte da carreira chutando (e bem) bolas de três pontos que só valiam dois. Uma linha de três pontos teria não só aumentado consideravelmente sua pontuação, mas aberto toda a quadra para os seus dribles e infiltrações, tornando-o ainda mais dominante.

E segundo, West foi um dos melhores defensores da sua geração, mas esse é o tipo de coisa que se você não foi exaustivamente atrás, vendo vídeos e lendo relatos da época, você não tem como saber, pois não há nada que perdure que nos mostre isso. A NBA só passou a contabilizar roubos de bola como uma estatística oficial em 1974, e roubos (e tocos) ainda são muito usados como referência para boa defesa. West foi um dos maiores ladrões de bola da sua geração, mas isso nunca foi registrado até o ano final da sua carreira. Da mesma forma, a NBA só foi criar times All-Defense em 1969; West foi eleito para o primeiro time (quatro vezes) ou o segundo (uma) nos cinco anos seguintes até se aposentar, mas teria ido a pelo menos o dobro caso os times já existissem antes. Não seria muito mais fácil para West ser reconhecido hoje como um dos maiores defensores da sua geração se, entrando na sua página do Basketball-Reference, pudéssemos ver que ele foi a 11 All-Defense Teams e teve média de 3 ou 3,5 roubos de bola por jogo? Da mesma forma, não alteraria historicamente sua carreira e nossa percepção em 2019 sobre Jerry West se ele estivesse (e existissem registros disso) arremessando três ou quatro bolas longas por jogo e chutando 40% de três pontos, com todos os benefícios que isso adicionaria ao seu jogo? Nesse sentido, poucos jogadores foram tão prejudicados historicamente pelo seu contexto quanto Jerry West.

E, pra terminar, um ponto adicional a ser contado a favor do Logo: existe algum jogador que teve mais sucesso dentro E fora das quadras do que ele? West não foi só um dos melhores armadores da história da NBA: depois de se aposentar, ele foi parte integral em montar duas das maiores dinastias da rica história da liga – o Lakers dos anos 80, que venceu cinco títulos e chegou a nove finais em 12 anos, e depois o Lakers dos anos 2000, da dupla Shaq e Kobe, que foi tricampeão. West foi técnico e depois olheiro, assistente de GM e GM do Lakers nos anos 70 e 80, participando do processo de tomada de decisões quando o Lakers trouxe Magic e James Worthy e montou sua segunda dinastia; em seguida, voltou como presidente de operações quando Shaquille O’Neal e Kobe Bryant vieram para Los Angeles, para comandar a montagem do time dominante que venceria outros três anéis (e ainda criaria a base para mais dois). Como se não bastasse, West foi uma das principais vozes na diretoria do Golden State Warriors que montou a mais recente dinastia dominante da NBA, um dos principais nomes que insistiram em montar a equipe ao redor de Stephen Curry e Klay Thompson, a mesma que já levou o Warriors a três títulos; e depois ainda foi para o Clippers, onde transformou o eterno patinho feio de Los Angeles em uma das franquias mais atraentes da NBA para estrelas e jogadores de modo geral. Acreditem quando eu digo que o Logo entendia muito de basquete. E me acordem de novo quando alguém for um dos melhores jogadores da história do esporte E montar três das maiores dinastias da história da NBA em uma mesma vida.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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