Mais do que um defensor

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Quem sabe defender, dá uma risadinha

Quando Kendrick Perkins foi trocado no meio da temporada passada, tudo levava a crer que o Celtics se sairia normalmente sem ele. Perkins era um bom jogador, pivô titular da equipe, mas não era nenhum gênio – até porque paredes sólidas de tijolos não costumam ser geniais. Havia passado todo o começo da temporada fora, contundido, e o Celtics nem por um segundo pareceu sentir sua ausência. Até, claro, ele ser trocado e a equipe inteira desandar como um bolo tirado do forno antes da hora.

Fizemos trocentos posts analisando aquela troca, as mudanças táticas que a saída do Perkins causou, os remendos que o Celtics fez para tentar tapar o buraco, mas a verdade é que o real estrago não aconteceu no campo tático, mas naquele campo intangível do emocional, do simbólico, do motivacional. A “família Celtics” foi desfeita e tudo aquilo que o Perkins representava, como âncora defensiva de uma equipe que se gabava justamente de sua defesa, virou farofa. Não foi a morte do Celtics, aos poucos a equipe até encontrou outros caminhos para refazer sua identidade, mas até hoje tem torcedor da franquia querendo voltar no tempo e matar  o Danny Ainge antes dele efetuar essa troca.

O Perkins permitia um estilo de jogo, representava um estilo de jogo, que ia muito além do seu simples talento individual. Mesmo no Thunder, equipe para o qual foi trocado, nunca teve grandes atuações e não passou de um jogador discreto em quadra – mas levou uma mentalidade defensiva, uma cara de quem iria proteger seus companheiros frente a qualquer contato mais agressivo do adversário, uma postura de quem vinha de time grande e podia chamar seus companheiros para dar bronca caso perdessem um jogo por bobagem. Repito: ele não é um grande jogador, teve uma temporada bem meia-boca, mas representa bem mais do que o seu talento em quadra deda à primeira vista.

Retomei o “caso Perkins” porque ele explica muito do que está acontecendo com outro jogador: Tyson Chandler escolheu sair do Mavs, onde acabou de ser campeão, para ir jogar com Amar’e e Carmelo em New York, com um contrato de 56 milhões por 4 anos. É tanta grana, mas tanta grana, que a contratação acabou virando uma bagunça só para conseguir fazer com o que valor funcionasse. Como o Knicks não tinha espaço na folha salarial, o Chandler teve que assinar com o Mavs, que podia oferecer esse contrato gigante porque estava reassinando o jogador. Aí o Knicks usou a anistia no Billups (que, até um dia antes, seria o armador titular da equipe) e teve que se livrar do pivô Ronny Turiaf. Mas o Mavs não queria o Turiaf, então entrou em cena um daqueles times oportunistas que estão abaixo do teto salarial – no caso, o Wizards – e aceitou o Turiaf só pra troca poder acontecer, levando como brinde 3 milhões de verdinhas do Knicks além de duas escolhas de segunda rodada do draft. O Mavs, por sua vez, levou de presente uma “trade exception”, que é uma espécie de vale-compra que pode ser usado em trocas por jogadores que custam mais caro do que aqueles que você está mandando – e que na prática o Mavs usou para conseguir o Lamar Odom do Lakers, mas dessa troca a gente fala outra hora. Ou seja, Wizards e Mavs se beneficiaram nessa bagunça apenas porque o Knicks fez questão de levar pra casa o Tyson Chandler por uma quantia surreal de verdinhas. Ele deve ser genial, não é mesmo?

Não, não é. Mas o que ele tornou possível em Dallas lembra o que o Perkins simbolizava em Boston. O Mavs da última década foi um time muito focado na parte ofensiva e que sempre teve problemas na defesa, especialmente no garrafão. Quando Avery Johnson assumiu a equipe em 2006 e levou o Mavs a uma Final de NBA, o foco na defesa transformou a equipe e mostrou que, embora faltassem os talentos individuais para formar uma defesa realmente competente, sobrava vontade e dedicação tática ao elenco inteiro. Tyson Chandler foi o talento individual defensivo que tanto faltou à equipe durante anos, mas acima disso ele mostrou que o esforço defensivo coletivo da equipe seria recompensado, que esse esforço teria um motivo para existir com a presença de Chandler embaixo do aro. Aquele esforço que sabíamos que o Mavs poderia efetuar, mas que não deu em nada, parecia mais justificável quando a pressão defensiva acabava afunilando o ataque adversário em direção à envergadura imponente do Chandler no garrafão. O Mavs continuou a ser aquele time de sempre, sem grandes estrelas defensivas no perímetro, com o Jason Kidd ancião quase de cadeira de rodas não conseguindo acompanhar os armadores adversários, mas o esforço e o comprometimento que mostraram culminou em título. Vale lembrar que nos playoffs contra o Mavs, Kobe conseguiu apenas um par de bandejas durante toda a série – o Mavs sabia que a dedicação na defesa resultaria no Tyson Chandler tendo a possibilidade de parar e intimidar qualquer infiltração no garrafão.

Tyson Chandler jogou por outras equipes e mesmo deixando claro suas capacidades, nunca teve um impacto tão grande nas partidas ou no funcionamento de uma equipe. Calhou de cair numa equipe que precisava dele, exatamente daquilo que ele era capaz de entregar, de representar tudo aquilo de que o Mavs precisava, e de mudar a mentalidade defensiva de uma equipe inteira – assim como o Perkins fez no Thunder. Mesmo na parte ofensiva o Mavs era a situação perfeita para o Chandler, que fez a festa nos passes de Jason Kidd assim como fazia nos passes de Chris Paul, só tendo que pular e enterrar sem movimentações complexas de costas para a cesta que ele nunca soube executar.

Quando o Knicks monta o circo para poder oferecer 14 milhões por ano para o Tyson Chandler, não está querendo um jogador cujo talento corresponda a esse valor. Está querendo comprar a mudança de postura, a presença, a justificativa para um esforço defensivo coletivo. O técnico Mike D’Antoni sempre focou exclusivamente no ataque, Amar’e Stoudemire sequer finge tentar defender, e o Carmelo Anthony até se esforçou em alguns momentos no Knicks, mas não consegue esconder que é um defensor medíocre. A esperança é de que Chandler mude tudo isso, que ele seja a presença defensiva que tire o Knicks das 10 piores defesas da liga sem, no entanto, comprometer no ataque porque pode acompanhar o resto do elenco na correria e finalizar em transição.

O único problema é que o Knicks não é o Thunder e nem o Mavs. Tyson Chandler não foi contratado pelo seu talento individual, ele não pode ser uma força defensiva solitária na defesa e com isso ter algum impacto no time. Seria necessário comprometimento de todo o elenco, esforço, obediência tática na defesa – coisas que o Knicks, mesmo se quisesse, não conseguiria ter. Pelo menos não sem comprometer o esquema ofensivo desenhado por D’Antoni. A intenção do Knicks é compreensível, eles precisam defender melhor especialmente no garrafão, mas a situação é muito diversa daquela em que Chandler fez a diferença e em que mereceria, forçando a barra, os 14 milhões por ano. Dificilmente sua presença será tão marcante quanto foi para o Dallas, o investimento foi muito maior do que ele pode oferecer realmente à equipe, mas é uma atitude desesperada de um time consciente de que só vai chegar em algum lugar com um sistema defensivo mais elaborado.

Com a mesma intenção, o Knicks contratou o ex-técnico do Hawks, Mike Woodson, para ser o responsável pelo sistema defensivo. O Hawks de Woodson tinha uma defesa forte e gostava de partir em velocidade para o ataque, então deve casar bem com aquilo que o Knicks pretende fazer. Jared Jeffries também assinou novamente com a equipe para manter seu papel de único defensor consistente do elenco – em muitos momentos, cabia ao Jeffries defender quem fosse, armador ou pivô, e o pior é que ele nem é tão bom defensor assim. O salário é pequeno, num contrato de apenas um ano (ao invés do contrato gigante ridículo que havia assinado com o Knicks na época do Isiah Thomas cuidando das finanças), então o Knicks faz bem de mantê-lo. Woodson e Jeffries são, ao menos, a garantia de que Tyson Chandler não será o único responsável por tornar o Knicks uma equipe defensivamente respeitável.

Para balancear e impedir o Universo de entrar em colapso, o Knicks também contratou um jogador puramente ofensivo, Mike Bibby, que está velho e pedindo arrego e mesmo assim teve uma temporada respeitável no Heat no papel de arremessador ocasional – armava pouco, defendia bulhufas, não forçava nenhum arremesso, mas manteve um aproveitamento bem alto quando acionado. O próprio Bibby disse que sempre sonhou em jogar para o D’Antoni, que seu estilo é perfeito para o treinador, e realmente acho que a união dos dois seria perfeita – uns 5 anos atrás, claro. No estado em que está, Bibby ainda será útil, especialmente agora que o Billups teve que ser jogado fora como modess usado, mas deve render mesmo apenas como arremessador eventual que vem do banco. Deve armar mais o jogo do que armava no Heat, mas nada  digno de nota, até porque o D’Antoni anda comentando que vai tentar usar o Carmelo mais tempo na armação nessa temporada, e Toney Douglas deve ser o armador titular.

Mas um time com Bibby vovô, Carmelo armando e Amar’e no garrafão não tem como ser transformado simplesmente com a chegada de Tyson Chandler. Será preciso um longo trabalho com Woodson e um comprometimento de gente que, em toda carreira, nunca pareceu capaz disso. Defesa não é só vontade, é compreensão, é costume, cacoete. Chandler e Perkins encabeçam uma lista de pivôs que recebem contratos gigantescos porque se imagina que possam mudar toda a mentalidade de suas equipes, transformar todo mundo em um defensor exemplar. Mas há tanta responsabilidade dos outros jogadores, da comissão técnica, da situação, que nem sempre essas apostas bilionárias podem dar certo. Se der, o Knicks dá o passo definitivo rumo à relevância nos playoffs, enfim, após décadas gastando mais do que qualquer outro time e não ganhando necas. Mas se der errado, é só mais um pivô de contrato milionário que ganha uma quantia que não tem nada a ver com os próprios talentos – e vai estar mais relacionada com a esperança de que Carmelo e Amar’e se empenhem em defender como fizeram Jason Kidd e Nowitzki. Não é esperança demais em cima de um simples pivô enquanto o D’Antoni e sua defesa pífia continuam intocáveis? Aos poucos o Knicks tenta mudar velhos hábitos, mas precisa encontrar um modo de conciliar essa vontade de ser defensivamente imponente e a presença de D’Antoni – que, no fundo, é o responsável por Carmelo e Amar’e (e agora Bibby) quererem jogar no Knicks.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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