Máquinas de triple-doubles

Tentando dar ritmo de urgência para um Thunder que ainda não viu Kevin Durant plenamente saudável nessa temporada graças a uma insistente lesão na coxa, Russell Westbrook registrou na semana passada dois triple-doubles seguidos, em vitórias contra Wizards e Sixers. Exatamente durante esse período, outro armador realizava a mesma proeza, com dois triples-doubles seguidos e o adendo de somar três triple-doubles num período de quatro jogos: Rajon Rondo, do Kings. Rechear a coluna de pontos, assistências e rebotes das planilhas ao mesmo tempo não é nenhuma novidade para os dois. Com 25 triple-doubles em seus 9 anos de carreira, Rondo já tem a décima terceira melhor marca de todos os tempos, se aproximando a passos rápidos dos 28 conquistados por Michael Jordan. Russell Westbrook, também empatado com 25 triple-doubles na carreira, tem acelerado em velocidade vertiginosa: foram 11 apenas na temporada passada, incluindo 4 seguidos no desespero de levar o Thunder aos playoffs na ausência definitiva de Kevin Durant. O mais impressionante a respeito da sequência de 4 triple-doubles seguidos de Westbrook foi que após os três primeiros, o armador sofreu uma cotovelada, fraturou um osso da face, passou por uma cirurgia, perdeu apenas um jogo e voltou em seguida para conseguir a absurda marca de 49 pontos, 16 rebotes e 10 assistências. Sua sequência só foi quebrada quando teve um jogo mais singelo de 43 pontos, 8 rebotes e 7 assistências.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Condição médica rara: os dedos do Westbrook estão se soltando de suas mãos.”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/11/westbrook.jpg[/image]

O que Westbrook e Rondo possuem em comum além de colecionar triple-doubles nos últimos anos como nenhum outro jogador em atividade é a agressividade com que impõe seu jogo em quadra. Conseguir dígitos duplos em três categorias não é apenas ser um jogador completo, mas também usar todas as suas armas o tempo inteiro – de modo que o adversário nunca possa relaxar. O fato de que os dois são armadores impõe um clima de paranoia nos defensores rivais, porque todo rebote pode virar potencialmente um contra-ataque sem que a bola tenha que passar por intermediários; todo contra-ataque pode virar uma infiltração contra uma defesa em transição ou um passe para um companheiro melhor posicionado, não há pra onde correr. Simplesmente não é possível relaxar, recompor a defesa, focar a defesa no melhor jogador da quadra, porque Rondo e Westbrook podem fazer toda a ligação entre defesa e ataque acontecer sem etapas, em uma única ação de um único jogador. É preciso jogar o tempo inteiro com medo de sofrer um contra-ataque e, portanto, todos os arremessos ganham um grau a mais de complexidade e pressão que funciona por si só como um elemento importante de defesa.

É curioso que ambos os jogadores tenham tido problemas, ao longo de suas carreiras, com os arremessos de dois ou três pontos, porque essa era justamente a única área do jogo deles com a qual as defesas adversárias não precisavam se preocupar. Nos contra-ataques, era possível amontoar o garrafão ou fechar os passes para os adversários; no ataque de meia quadra, era possível dar espaço para o arremesso enquanto se bloqueava o caminho para a cesta. Rondo usava esse espaço constantemente para encontrar melhores ângulos de passe para seus companheiros, mas eventualmente percebeu que não ter um arremesso consistente permitia que seus adversários o temessem menos, podendo focar a defesa em outros elementos quando ele tinha a bola nas mãos. Nos últimos anos, mesmo que seu aproveitamento esteja longe dos especialistas, Rondo passou a arremessar constantemente quando o espaço lhe era oferecido. Basta um par de arremessos certeiros, ou um par de jogos ganhos com um arremesso ou outro, para que os adversários não tenham mais coragem de ignorar essa faceta do seu jogo mesmo que ela seja a mais fraca em seu arsenal. Não é sobre aproveitamento real, mas sim sobre o impacto psicológico das suas atitudes em quadra. Um arremesso certeiro obriga o defensor a encurtar a distância mesmo que você não seja consistente nele, abrindo mais espaço para infiltrações, que por sua vez geram espaço para as assistências. Sem saber o que defender, as defesas são muito mais vulneráveis e cometem muito mais erros.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”A melhor tática para assustar um marcador, o famoso ‘olhe, atrás de você!'”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/11/Rondo-dedo.jpg[/image]

Westbrook também passou por essa experiência e, se ainda não é um arremessador de elite, ao menos provou que deixá-lo sem marcação no perímetro é receita para derrota. Tornou sua especialidade o arremesso de três pontos em transição, o que deixa as defesas em pânico porque esse é um arremesso virtualmente indefensável quando é preciso se preocupar também com infiltrações e o avanço dos alas. Seu aproveitamento pode não ser impecável, mas é suficientemente bom para deixar defesas em frangalhos e compensar os arremessos perdidos. Desde que seu arremesso melhorou significativamente – em especial depois da sua passagem pela seleção dos Estados Unidos, que mudou um pouco sua mecânica – suas infiltrações ficaram mais fáceis e seu número de assistências por jogo disparou. E, claro, o número de turnovers – os desperdícios de bola – também.

Pessoalmente, sinto que o número de turnovers é uma estatística mal lida na NBA. Isso porque simplesmente indicar o número de desperdícios não tem como medir o impacto psicológico que eles causam na quadra. Tomemos como exemplo os desperdícios causados por um pivô, por exemplo. Em geral, quando um pivô recebe a bola de costas para a cesta, deve realizar uma jogada individual. Se receber uma marcação dupla, deve então decidir se mantém sua jogada individual ou se tenta encontrar, com um passe, o companheiro que ficou livre, em geral no lado oposto ao da bola e portanto o mais difícil de se acessar. Quando essa marcação dupla gera um desperdício de bola, seja num movimento individual errado ou num passe incorreto para fora do garrafão, o contra-ataque é inevitável com o pivô naturalmente deixado para trás. A frustração psicológica que isso causa na equipe é monstruoso: quebra o ritmo de jogo, os jogadores fora do garrafão tendem a ficar estáticos, e a sensação é de que a equipe está sendo punida por conta de um erro individual do pivô. Como resultado, é normal ver a bola não chegando mais nas mãos do pivô nas jogadas seguintes. Após um par de erros em jogadas desse tipo, cansei de ver o Dwight Howard sendo ignorado no garrafão pelo restante de uma partida, só recebendo a bola em último caso.

Mas os desperdícios de bola por parte dos armadores são notavelmente diferentes. Primeiro, o armador tem a prerrogativa de estar procurando os espaços para acionar os companheiros, então se ele erra um passe ou deixa a bola escapar para fora da quadra, ao menos ele o fez não numa jogada individual que quebra o ritmo de jogo dos demais membros do elenco, e sim numa jogada coletiva em que todos estavam se movimentando e com a intenção de ajudar outros companheiros a pontuar. Além disso, os erros do armador têm uma maior chance de serem interruptores do jogo e portanto não gerarem contra-ataques diretos, com passes para fora da quadra, faltas de ataque ou erros nos dribles que geram uma pausa no cronômetro. Isso ajuda os erros dos armadores a serem vistos como parte essencial do trabalho coletivo, e não como erros individuais de um jogador à parte. Mesmo no caso de jogadores que monopolizam muito a bola ou atacam muito a cesta, como é o caso do Westbrook, as 10 assistências por jogo garantem que o resto do elenco sinta-se envolvido na movimentação ofensiva, e as infiltrações ou os arremessos forçados aparecem, na narrativa interna da quadra, como ações necessárias para criar o espaço adequado para que as assistências ocorram.

Na prática, um jogador que ataque a cesta e arremesse o tempo inteiro monopoliza uma atenção defensiva tão grande que os demais jogadores, se acionados eventualmente com uma assistência certeira, passam a ter a percepção de que seu companheiro os torna melhores. Westbrook e Rondo, independente do grau de aproveitamento em seus arremessos ou dos desperdícios de bola que cometam, deixam seus marcadores em pânico constante e eterno, impedindo que descansem, respirem ou sintam-se em posições confortáveis. O fato de que os dois são excelentes ladrões de bola leva esse pânico até mesmo para o outro lado da quadra, quando seus adversários não podem relaxar nem para passar a bola para o lado. A isso se chama “controlar o ritmo de jogo”: colocar os defensores numa situação tão frenética que passa a ser necessário correr o tempo inteiro, na defesa e no ataque, aumentando a quantidade de faltas bobas, erros simples, e impondo um cansaço físico com o qual podem não estar acostumados. Enquanto isso, Westbrook e Rondo parecem conseguir jogar nessa intensidade o tempo todo, sem descanso nunca. Para se ter ideia, na semana passada o Kings não tinha à disposição reservas para a armação da equipe e Rondo teve que jogar todos os 48 minutos de uma partida por dois jogos seguidos. No terceiro jogo teve que descansar um pouco – jogou “apenas” 44 minutos.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Rondo e Cousins, um tórrido caso de amor.”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/11/Rondo-Cousins.jpg[/image]

Isso enquanto falou abertamente na imprensa de como seu maior erro no Kings até então era não estar sendo agressivo o bastante, deixando seus marcadores à vontade demais na quadra. Agora, muito mais agressivo mesmo sem conseguir sentar no banco, está impondo o ritmo de jogo que deseja e forçando os adversários a jogar como ele quer enquanto gera mais e mais espaço para seus companheiros de equipe. Nos bastidores, já se fala de como as últimas semanas transformaram inteiramente a relação de Rondo com seus companheiros no vestiário, já sendo colocado em uma posição de enorme respeito e se tornando o líder verbal da equipe. Nas entrevistas, já falou de ser para o DeMarcus Cousins o que Kevin Garnett foi para ele: um mentor, um incentivador, um irmão mais velho, coisa que só é possível quando o elenco não lhe vê como um individualista, uma disrupção ou um desperdiçador de bolas. Ninguém no elenco quer saber se Rondo está na lista dos 5 jogadores que mais cometem turnovers na NBA (lista, aliás, liderada por Russell Westbrook e que tem em seu topo outros jogadores constantemente agressivos como James Harden, John Wall e Reggie Jackson). Seus 4 desperdícios por jogo não são nada perto do pânico que causa, do ritmo que impõe, dos espaços que gera, dos 2 roubos de bola que consegue a cada partida. O impacto psicológico do seu estilo de jogo – que, pelo grau de agressividade e de controle de bola inevitavelmente gerará muitos turnovers – é muito mais positivo do que um par de desperdícios de bola de pivôs acaba sendo para o elenco independente dos pontos que venha a marcar no garrafão.

Não basta ser completo, portanto. O diferencial desses jogadores é que a intensidade com que jogam em quadra gera algo além de triple-doubles constantes, rumo ao topo da lista dos melhores de todos os tempos na categoria – gera uma mentalidade específica, tanto nos companheiros quanto nos adversários, que é suficiente para que sejam colocados na elite da Liga. Mesmo que a fama dos dois seja constantemente vítima de detratores, seus principais defensores deveriam ser um indício da eficiência psicológica de seus estilos: seus próprios companheiros de equipe.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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