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Foi um sonho realizado. Meu Houston Rockets estava envolvido em um ou dois boatos de troca, sempre algum cenário em que Tracy McGrady fosse embora, mas ao invés disso as trocas de ontem mandaram outro jogador do meu time: Rafer Alston. Sou um homem mais feliz, sou um homem pleno. Nem mesmo se tivessem mandado o LeBron James para o Houston eu teria ficado tão feliz quanto ver o Alston dando o fora do meu time. Para quem acompanha o Bola Presa a mais tempo, minha birra com o armador vem de longa data.
Tenho que reconhecer que o Rafer Alston tem seus méritos. Burocrático, sempre foi o único jogador do Houston a continuamente deixar a bola nas mãos do Yao Ming, custe o que custar. Sem ele em quadra, muitas vezes o pivô passa longos minutos sem tocar na bola, o que nunca é uma boa idéia para um time com problemas nos arremessos no perímetro. Na defesa, Rafer é competente e bastante capaz na hora de interceptar linhas de passe. Seus arremessos de três pontos são bastante úteis em alguns momentos do jogo, também. Mas tudo isso não passa de “Síndrome de Gustavo Nery”, aquele conjunto de qualidades que escondem uma capacidade gigante de colocar o jogo a perder. Às vezes, Alston perde a noção dos esquemas táticos e começa a arremessar sem critério. Mesmo quando está calmo e controlado, ele sempre arremessa no “segundo toque”, ou seja, caso a bola volte para ele depois de iniciado o ataque, ele arremessará. Quando impõe velocidade, é incapaz de tomar boas decisões com a bola e acaba causando inúmeros turnovers, tem problemas em bater para dentro do garrafão e não cava faltas porque nunca foi um bom cobrador de lances livres. A pontaria de trás da linha de três, que às vezes parece tão calibrada, é na verdade tão inconstante que parece aleatória. Mas nada disso é meu maior problema com ele.
O que tira do sério qualquer fã do Houston que acompanhe de perto é a vontade do Rafer Alston de ser herói. Aquele arremesso no último segundo dele pelo Heat não fez bem pra sua cabeça e montou um padrão: quando o jogo fica mais apertado, disputado, crítico, ou nos minutos finais, Alston começa a tomar o jogo para si numa série infinita de arremessos forçados ou tentativas de criar espaço para si mesmo. Às vezes dá certo e ele realmente ganha a partida, torna-se o diferencial, a peça que faltava. Mas nas outras, ele compromete de modo tão grave que não há como tolerar sua presença em quadra. O Houston Rockets depende demais de Rafer Alston, é ele quem acaba decidindo se o time sairá com a vitória ou com a derrota. E convenhamos, ele é o último jogador que deveria ter tanto poder, tanta responsabilidade. Sem ele em quadra, outros jogadores tentam coletivamente decidir os jogos, e o resultado é ao menos mais tranquilo. É difícil encarar um armador inconsistente que se acha o Kobe Bryant. Pense bem, se você torcesse para o Cavs, iria querer que as vitórias ou derrotas dependessem exclusivamente do Daniel Gibson?
O armador Aaron Brooks, seu reserva, assumirá as rédeas da armação no time titular. Sou um fã dele, que é um pontuador nato, mas ele certamente não é o jogador ideal para comandar o ataque de um time. Às vezes ele fica com um problema de vista e acha que o Yao é invisível, em outras exagera nas infiltrações. Mas como pontuador ele é mais constante, mais confiável e mais controlado, com a cabeça no lugar. Com McGrady na equipe controlando o ritmo de jogo e iniciando as jogadas de ataque, Aaron Brooks deveria ter sido o titular já faz muito, muito tempo.
Acontece que o T-Mac não está mais na equipe. Depois de uma temporada inteira com dores no joelho, sentindo que seu físico não permitia que ele fosse o mesmo em quadra, e sendo obrigado a descansar periodicamente deixando o time na mão, resolveu fazer exames mais detalhados que não mostraram sinais claros de contusão. Resolveu-se, então, optar pela cirurgia e tentar resolver aquilo que tanto o incomoda. É muito triste ver um jogador de tanto talento ter toda uma carreira diluída em contusões, em dor, em sacrifícios. Já foi cestinha da NBA, em seus tempos de Magic, apesar das terríveis dores nas costas que sofria. No Houston, as costas e o joelho nunca o deixaram em paz – assim como a pressão de passar da primeira rodada dos playoffs, de vencer ao lado de um pivô dominante. T-Mac nunca consegue se dar bem e ainda tem que lidar com uma chuva de críticas, em geral injustas e ridículas. Por exemplo, chorou ao ser eliminado pelo Jazz nos playoffs após ter dito que, se o Houston perdesse, seria sua culpa. Mas justamente naquele jogo ele havia feito chover e o resto do time é que perdeu sozinho, o que não poderia gerar outra coisa além de lágrimas – de frustração, de raiva, de vergonha, do que quer que seja. Parece que o psicológico do McGrady o está abandonando assim como seu físico, que o obriga cada vez mais a jogar como um velho, ficando longe do garrafão e conseguindo seus arremessos na base da experiência e da técnica, não da explosão e velocidade.
Assim que foi trocado para o Houston, o McGrady deu a entender em uma entrevista que se aposentaria em breve, talvez em mais dois ou três anos. Ele sabia que o corpo estava se desintegrando como a cara do Pedro de Lara e provavelmente imaginava ser campeão da NBA com Yao num futuro próximo e então parar com o esporte. Não conseguiu. O elenco sempre teve buracos e T-Mac e Yao nunca foram jogadores que se complementassem, uma dupla perfeita nos moldes de Kobe e Shaq. A verdade é que o Yao precisava de outras características em um companheiro. O ideal seria um jogador pior do que o T-Mac, mas especialista da linha de três (sempre achei que, bizarramente, o Houston seria melhor com Michael Redd). Assim, Tracy McGrady foi arrastando sua carreira, seu corpo deteriorado, perdendo jogos em todas as temporadas assim como o próprio Yao Ming, até que finalmente o Houston arrumou um elenco capaz de ser campeão. Com Artest no barco, um técnico excelente e um banco de reservas completo, era finalmente a hora de T-Mac ganhar um anel e parar com o basquete. Mas todos sabiam que esse elenco iria se desmanchar com lesões cedo ou tarde, e foi cedo. T-Mac não passou um segundo saudável nessa temporada, Artest só está ganhando ritmo agora depois de passar a primeira metade da temporada contundido. Agora, fora pelo resto da temporada, McGrady vai assistir um Houston desfalcado se tornar um time muito melhor sem ele.
Rafer Alston vai fazer um pouquinho de falta chamando as jogadas, mas Aaron Brooks vai carregar melhor nas costas a carga ofensiva necessária com T-Mac fora. Artest agora será titular, ao lado de Shane Battier, e terá mais responsabilidade e liberdade ofensiva no time (na defesa, os dois serão monstros juntos). O armador Kyle Lowry, vindo do Grizzlies, pode não ser um gênio mas é mais do que capaz de defender e armar o jogo. Talvez até seja titular, tem mais experiência na área do que o próprio Brooks. E assim o Houston ganhará uma identidade, ritmo, virará um time de verdade.
Nada estraga mais o entrosamento de uma equipe do que não saber se algum jogador importante vai entrar em quadra ou não. Todo jogo é a mesma história, T-Mac e questionável, então o Artest não sabe se ele ataca ou se defende, o banco não sabe qual função vai desempenhar, eles não sabem que tipo de esforço ou mentalidade levar para o jogo. Chega com essa besteira, é melhor deixar o T-Mac de fora e deixar que o time lide com isso. Agora eles sabem o que terão em quadra, quer seja um time bom ou um ruim, sabem que terão que lidar com isso e poderão se ater a um plano. Ninguém no time tentará bancar o herói, é hora do time entrar focado e consciente de suas possibilidades e de suas limitações.
Pode parecer coisa de fã, mas agora é a hora em que o Houston Rockets realmente terá um impacto na NBA. É o momento de escalar a tabela do Oeste, ganhar 20 jogos em sequência, chutar uns traseiros e deixar para trás os problemas de identidade e de química que assolaram o vestiário nos últimos meses. Infelizmente, é sem o T-Mac que eu finalmente passo a botar fé nesse time. Para ser sincero, torço para que ele volte temporada que vem saudável e pronto para destruir a NBA, mas no fundo eu fico numa torcida para que ele finalmente se aposente apesar de não ter nem 30 anos ainda. A NBA já foi cruel demais com ele, em muitos sentidos diferentes.
Fica aqui o palpite: se Yao conseguir finalmente passar uma temporada inteira sem uma contusão grave, e se Artest deixar para trás a lesão no tornozelo que infernizou seu começo de campanha com a equipe, o Houston vai realmente longe nos playoffs. Mas esse é sempre meu fardo como torcedor do Rockets, ter que contar com o “se” num time que invariavelmente vai se desmanchar e ir parar na enfermaria. Estou sempre prestes a ter um ataque cardíaco, mas ao menos dessa vez minha saúde agradece: Rafer Alston é coisa do passado. Deixe que o Magic permita ao rapaz arremessar quinhentas bolas de três por jogo, e que depois se negue a passar para o Dwight quando a coisa for realmente importante. Torcedores do Orlando, desejo a vocês boa sorte.