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Quando, pouco antes da temporada começar, fizemos uma análise de todos os técnicos da NBA, apontamos a Divisão Atlântica como o lar dos incompetentes. Para mim, o técnico Sam Mitchell podia ser apontado como o pior de toda a liga, enquanto Mo Cheeks não se encontrava muito longe, sendo um dos técnicos mais invisíveis quando seu time está em quadra. Os dois levaram suas respectivas equipes para os playoffs e, após serem chamados de burros e incompetentes, foram consagrados “gênios incompreendidos” e receberam total apoio dos dirigentes. Foram extensões contratuais, milhões de dólares indo parar em seus bolsos, discursos de que todos acreditavam em seus trabalhos técnicos que agora estavam dando resultado. Legal, e eu sou a Vovó Mafalda. Um punhado de meses depois, os dois estão no olho da rua.
Eu queria muito compreender o critério por trás das demissões, de verdade. Nenhum dos dois técnicos tinha qualquer talento, isso todo mundo sabe, e a melhor coisa a se fazer era colocar ambos para vender cachorro-quente. Mas frente aos resultados de certo modo positivos, os dirigentes se comprometeram com os trabalhos, assinaram embaixo, deram aquele clássico soquinho no queixo seguido por um “continue assim”. Pois bem, “continuar assim” foi justamente o que Sam Mitchell e Mo Cheeks fizeram. Como demitir alguém que está fazendo exatamente a mesma porcaria que fazia antes, e pelo qual foi tão elogiado, aliás? A impressão que dá é de que os responsáveis pelas franquias não fazem a menor idéia do que estão fazendo, apenas acompanham os resultados e julgam baseados inteiramente nos números. E não em números difíceis, como “posses de bola por 48 minutos”, mas apenas no número de vitórias e derrotas – talvez no número de torcedores por partida também, vá lá. Isso é até normal, o objetivo das franquias é dar lucro, ninguém é bonzinho e financia uma equipe de basquete porque isso traz alegria para o mundo ou é uma linguagem que permite a ampla expressão de seus membros constituintes. Seria como dizer que o objetivo do McDonald’s é alegrar as crianças e espalhar a arte gastronômica como forma de comunicação. Pois é, o Joâo Kléber também só queria tornar o mundo um lugar melhor, pobre gênio imcompreendido.
Mas justamente por visar ao lucro é que mais atenção deveria ser dada ao que diabos os técnicos estão fazendo em quadra. Se colocassem um gorila de circo no Raptors que passasse os jogos comendo bananas e trepando em cima do banco de reservas, e o time chegasse aos playoffs, seria ridículo parabenizar-lhe por isso – pior ainda seria lhe oferecer uma extensão de contrato. O que dizer, então, da demissão do gorila caso o time desse errado na temporada seguinte? Sua ação no time (comer bananas) sempre foi a mesma e provavelmente eu tive mais influência nos resultados da equipe quando tirei meu pijama pela manhã do que ele.
No caso do Mo Cheeks, ainda há o agravante de ninguém ter percebido o desastre óbvio que se aproximava. Nenhuma estrela jamais conseguiu se encaixar em um time seu, de Rasheed Wallace a Allen Iverson, basicamente porque seu estilo de jogo parece ser invariavelmente coletivo para alguns, ridiculamente inexistente para outros. Ele tornou a meia tonelada de jogadores secundários do Sixers um conjunto coeso, mas era óbvio que a chegada de uma estrela obrigaria que ele mudasse sua tática e explorasse as novas possibilidades, coisa que ele nunca seria capaz de fazer. De certo modo, Elton Brand foi o atestado de óbito de Mo Cheeks por vários motivos: a princípio, porque o obrigou a utilizar-se de uma estrela; depois, porque o time deixou de ser uma porcaria que surpreendeu todo mundo para se tornar um time de verdade que supostamente deveria ser capaz de vencer. Convenhamos, vencer sem querer é muito mais fácil do que vencer quando você precisa mostrar resultados. O técnico quebra-galho será Tony DiLeo, que pelo menos não terá muita responsabilidade de vencer porque pegou o bonde andando. Se ele tem chances eu não faço idéia, afinal escrevo sobre NBA mas tenho mais o que fazer na minha vida do que digitar o nome desse pentelho no Google.
Também não faço idéia de quem seja o novo técnico do Raptors, o Jay Triano, que era assistente técnico da equipe (e tem nome de boxeador latino). Mas assim é que é bom, a gente julga o trabalho do cara na prática, não graças ao seu nome ou resultados passados, o que também é uma excelente desculpa para esconder a preguiça de ir pesquisar sobre alguém que pode ser mandado embora em 15 minutos. Mas vale dizer que suas poucas alterações no time me pareceram muito bem-vindas. Antes de mais nada, colocar o Jason Kapono pra jogar já é motivo de alegria. Militantes dos Direitos Humanos festejaram a libertação de Kapono do fim do banco do Raptors, onde ele apodrecia vivendo a pão e água. Sua situação não era tão ruim quanto a do Belinelli ou do JJ Redick, que estão escravizados e utilizados como pesos de papel em suas equipes, mas também era bem feia. Sam Mitchell não faz a menor idéia de como utilizar jogadores unidimensionais, especialistas em fazer apenas uma coisa, e os arremessos de fora do Kapono foram abandonados no banco graças à sua dificuldade nas outras funções – ainda que tenha sido peça fundamental naquele Heat que foi campeão da NBA. É verdade que o Anthony Parker está contundido e abriu uma vaga, mas Kapono está tendo minutos que nunca teve em Toronto e nem teria com o Mitchell, sem contar que Jamario Moon retornou à escalação titular. Com isso Bargnani voltou ao banco, o que compromete sua temporada de claros aprendizados, mas o italiano ainda é inconstante demais e seu amadurecimento não pode ser feito às pressas. Na verdade, tem que ser secundário frente ao elenco do Raptors que deveria poder vencer agora, e tem que se preocupar mais em encontrar um equilíbrio entre Bosh e Jermaine O’Neal do que qualquer outra coisa. Ser técnico em Toronto parece fácil porque ninguém dos Estados Unidos presta atenção no Canadá, e os torcedores do Raptors estão mais interessados em hockey e em chegar em casa sem serem atacados por ursos. Mas esse elenco é na verdade uma bomba para o próximo técnico: bom demais para ficar fora dos playoffs, limitado demais para ser campeão do Leste, apesar da obrigação de vencer imediatamente. Essa é uma zona perigosa de mediocriedade que fada times ao fracasso. A intenção declarada alguns anos atrás de se tornarem “o Suns do Leste” pode na verdade ser uma maldição e apontar os problemas presentes e futuros: o eterno “quase-chegamos-lá”. Quem pegar os dinossaurinhos roxos vai ter que decidir se esse será o modelo a ser seguido, se eles correrão, se defenderão, se apostarão em Jermaine O’Neal, ou se já é hora de se preocupar com uma possível partida de Chris Bosh e, portanto, começar tudo de novo.