>Muito ajuda quem não atrapalha

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Aqui jaz um McGrady

Enquanto Allen Iverson decidiu se aposentar e provavelmente apenas vai tirar um ano de folga pra fazer umas cruzadinhas em casa, outra estrela se segura pelas beiradas para não se aposentar: Tracy McGrady. A diferença principal é que, ao contrário do Iverson, McGrady está sendo aposentado, não se aposentando.

Os problemas de saúde do T-Mac são antigos, desde seus tempos de Orlando Magic. Sempre sentiu dores terríveis nas costas, o que era bastante simbólico já que ele carregava a equipe inteira sozinho sendo o cestinha da NBA. No Houston, as dores nas costas começaram a dar as mãos para uma dor no joelho. Toda vez que um chinês espirrava no mundo, McGrady perdia um jogo graças a alguma contusão. As partidas que jogou ao lado de Yao Ming foram pouquíssimas ao longo dos anos, porque sempre um dos dois tinha virado farofa – McGrady, sozinho, perdeu 125 partidas ao longo de suas 6 temporadas em Houston. Aos poucos, a equipe teve que aprender a se virar sem os dois. Mas o que sempre estragou as coisas era aquele ar de dúvida, “será que o McGrady vai ou não vai jogar essa noite?”, porque ninguém sabia que papel teria em quadra e como enfrentaria o outro time até o último segundo, quando o estado do T-Mac era liberado. Alguns jogos ele entrava, outros não, e o time inteiro ficava refém de sua condição. Nem sei se o Houston tinha “Síndrome de Gilbert Arenas”, aquele fenômeno que faz o Wizards jogar melhor sem sua estrela (e o Kings chutar traseiros sem o Kevin Martin), o que importa é que o time jogava muito melhor tendo certeza de que o T-Mac não iria entrar em quadra do que quando ficava na dúvida.

Conforme o Houston foi pegando mais as manhas do esquema do técnico Rick Adelman e abraçando um basquete mais coletivo, começou a ficar meio óbvio que o McGrady não era tão importante assim. Foi sem ele que o time passou da primeira rodada dos playoffs, foi sem ele que o time surpreendeu todo mundo e se mantém na elite do Oeste mesmo sem nenhum sinal de estrela. Mas o tempo passa, o tempo voa, a poupança Bamerindos foi à falência, e eis que a reabilitação de Tracy McGrady está completa: ele pode voltar a jogar.

A verdade é que, depois da temporada passada, T-Mac foi liberado para treinar em Chicago, no paraíso dos ratos de ginásio, com o sujeito responsável por fazer Dwyane Wade voltar de contusão e quase ser MVP. T-Mac passou todas as suas férias treinando com o próprio Wade e com o Devin Harris em regime integral, sem falar nos outros jogadores que sempre dão uma passadinha para torrar suas verdinhas e tentar se manter em forma. Para participar dos treinos, McGrady foi liberado por um cirurgião fodástico – ainda havia dor, mas o corpo estava recuperado.

Quando a temporada começou, no entanto, o Houston preferiu não liberar o T-Mac para jogar. Sequer deixaram que ele participasse dos jogos de pré-temporada. Disseram que dessa vez ele precisava voltar com o corpo impecável e sem qualquer sinal de dor, ou seja, disseram que ele precisava nascer de novo ou trocar de corpo com a mãe, tipo aquele filme com a Linsey Lohan. Juntos, marcaram uma data para sua volta, mas desde então continuam adiando à espera de mais e mais exames, alegando que os resultados ainda não são suficientes. O Iverson percebeu que não era querido no Grizzlies em apenas um jogo, ele precisa dar uns toques para o McGrady perceber que o pessoal em Houston não parece gostar muito do sujeito.

Os motivos são bem óbvios e não muito nobres: após perder 41 jogos seguidos, a NBA passa a devolver para o time até 80% do salário do jogador bichado. É quase um seguro para jogadores com defeito de fabricação e acredito que, secretamente, essa regra deve chamar “Cláusula Tracy McGrady”, porque nenhum jogador de basquete passa mais tempo contundido na história do esporte do que ele. Com um time funcionando bem pra burro, temores reais (e bem válidos) de que seu jogo interrompa a química do time e o jogo mais coletivo da NBA até agora, e o maior salário da NBA na temporada (são mais de 23 milhões de doletas!) podendo ser devolvido em grande parte para os cofres da equipe, não é surpresa nenhuma que estejam empurrando T-Mac com a barriga. Todo mundo por lá quer mais é que ele encha o saco e aposente, como o Iverson, e como seu contrato acaba ao fim da temporada, ele pode voltar ano que vem e arrumar outra equipe que tope lidar com suas contusões.

Mas o McGrady não está muito interessado em se aposentar, deve ter enjoado de fazer cruzadinhas nesse tempo todo que passou lesionado. Quando ele cansou de perder, de jogar em times que fediam, de ter dores terríveis nas costas, falou para os jornalistas que jogaria apenas mais alguns anos, ganharia um título e daria o fora desse esporte idiota. Mas o título, que parecia tão plausível no Rockets, foi ficando cada vez mais distante, a maldição de não passar da primeira rodada dos playoffs foi pegando cada vez pior pro currículo, e agora o papo de aposentadoria deixou de vir à tona. Com o fim do seu contrato, é bem possível que T-Mac aposente, principalmente se apenas o Grizzlies se interessar em lhe oferecer um contrato mequetrefe, mas o mais provável é que ele ainda tenha muita energia para tentar mudar a fama que adquiriu nos últimos anos. Sem dores pela primeira vez desde que chegou a Houston, tendo aprendido a centralizar menos o jogo, atacar menos a cesta e a armar as jogadas da equipe, McGrady quer mostrar que pode vencer, que pode se encaixar, que ele só se lasca porque está doendo ou porque seu time fede. Ou seja, ainda não está preparado para assumir a responsabilidade pelos seus fracassos.

Então, com isso em mente e de saco cheio de ficar sendo deixado de escanteio (prática conhecida como “a técnica ninja Jamaal Tinsley de ignorar um jogador tempo o suficiente para ver se ele desaparece sozinho”), T-Mac vestiu seu uniforme mesmo sem ter sido liberado pela equipe e foi se aquecer normalmente como se estivesse listado para a partida. Sentou no banco de reservas, torceu pelos companheiros, e a torcida ficou mesmo achando que ele entraria em quadra. Ele próprio sabia que não entraria, mas a ação foi o bastante para gerar uma discussão épica com o técnico Rick Adelman nos bastidores e alertar o planeta inteiro de que ele quer e pode jogar, é o time que não deixa.

Estou me divertindo muito com o Houston nessa temporada, o time fede mas funciona, o jogo é bonito de se assistir, o banco de reservas é cheio de energia, o elenco é recheado de especialistas e todo mundo está disposto a dar um passe a mais. Mas no final do jogo contra o Spurs, ontem de noite, faltou alguém para decidir o jogo no finalzinho – Kyle Lowry estava no fim da bateria e o Trevor Ariza não é particularmente decisivo, nem anda com a pontaria boa. Contra o Mavs foi ainda pior, sem uma jogada de segurança quando as coisas estavam dando errado, o Houston tomou um pau vergonhoso. A previsão para a equipe continua: vão ganhar muitos jogos, ir para os playoffs, mas não tem como ganhar dos times grandes de verdade, principalmente em uma série de 7 jogos. Ninguém vai querer enfrentar o Houston, isso é verdade, porque os jogos vão ser brigados, suados e censurados para menores de 18 anos, mas a vitória seria difícil.

Aquele Tracy McGrady que participou da sequência de 22 vitórias seguidas do Rockets se encaixaria nesse time. Jogaria de armador, abusaria nos passes, arremessaria de longe mas sem forçar arremessos. Já o McGrady de antes afundaria esse time, todo mundo iria parar para ver a estrelinha jogar e todo o coletivo iria para o buraco. É por isso que eu confio no T-Mac: ele sabe se adaptar, sabe mudar seu jogo, é capaz de jogar pelo coletivo – só não consegue assumir a responsabilidade nas horas decisivas, mas certamente consegue pontuar quando ninguém mais está tendo sucesso. Só não sei se, nos moldes do Iverson no Grizzlies, ele toparia jogar só uns 20 minutos por jogo para continuar dando espaço para toda a pirralhada que está mantendo o Houston vivo. Sou a favor de sua volta, e é bem claro que ele quer voltar, mas não sabemos do que ele está disposto a abrir mão para isso.

Assim como o Jamaal Tinsley foi ignorado no Pacers até desaparecer e agora tem nova chance no Grizzlies (sempre o Grizzlies, pegando essas estrelas em decadência), que aliás está aproveitando muito bem, McGrady pode passar a temporada ignorado no Houston e ano que vem arrumar espaço em outra equipe para aproveitar o pouco que sobra no seu tanque (e no seu saco). Só esperamos que ele não seja aposentado antes da hora contra sua própria vontade apenas por razões financeiras. No Houston, a política é que o T-Mac ajuda quando não estraga o time e quando devolve seu salário para os engravatados, mas se isso levar McGrady a se aposentar será uma enorme tristeza. Ele e Iverson podem ter papeis secundários na NBA, mas ainda são capazes de transformar partidas, adaptar seus jogos e iluminar esse nosso esporte que já tem saudade dessas estrelas. Quer dizer, o Grizzlies não tem saudade de nada – e o Houston, se receber o dinheiro de volta, também não.

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