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Delonte West se finge de morto pra não levar pipoco

Há um bom tempo atrás, postei aqui sobre a depressão do Delonte West e sua luta contra ela. Após explodir contra um juiz aleatório nos treinos de pré-temporada, o armador resolveu procurar ajuda para seu transtorno bipolar e, com remédios, terapia em grupo e individual, alegou voltar a ter prazer em jogar basquete. Transformar uma coisa que se ama em trabalho, em obrigação, é sempre um passo perigoso e Delonte West precisou de ajuda para voltar a render em quadra, deixando um pouco de lado as pressões de se jogar em um time que busca o anel de campeão todos os anos.

Infelizmente, no entanto, os problemas do West parecem um pouco mais complicados do que isso. Recentemente, ao dirigir uma motocicleta de três rodas (chamar de triciclo parece que ele tem 3 anos de idade), o armador do Cavs fechou um policial e foi parado. Assim que o policial se aproximou, West disse para o “seu guarda” que estava com uma arma na cintura, coisa pouca. Ao ser revistado, o cenário era outro: Delonte West tinha uma Beretta na cintura (coisa de quem mata zumbis em Racoon City), uma Ruger amarrada na perna (coisa de quem é xerife no Velho Oeste), e uma shotgun guardada numa daquelas malas para guitarra (coisa de gângster do século XXI), colocada em suas costas. Na Dime, um leitor que mora na mesma região de Maryland em que o Delonte foi preso disse, meio-que-brincando, que é assim que as pessoas se armam para ir na biblioteca, ou seja, a região lá é barra pesada.

Em todo caso, é bem claro que ninguém coloca uma shotgun nas costas se estiver indo comprar pão na esquina. Talvez o salário do Cavs seja uma droga e o West precise complementar a renda da família sendo um exército mercenário de um homem só durante meio-período. Talvez ele esteja vingando a morte da esposa, morta pelo Coringa. Ou então ele está metido em coisas pesadas: gangues, drogas, ameaças de morte ou invasões alienígenas. Seu pai contou que recentemente o West anda com muito medo, olhando por cima do ombro e preocupado com a própria segurança. Pra mim, um sujeito que fecha um policial e se explica com “olá, boa noite, eu tenho uma arma na cintura” ou não consegue mentir (no maior estilo “O Mentiroso”, com o Jim Carrey) ou então acha mais seguro passar a noite na cadeia do que nas ruas. Pareceu a ação de um homem desesperado por segurança.

Antes de assinar com o Cavs, o Delonte West já tinha sido preso com maconha e prometido para a direção do time se afastar dessas coisas para poder fechar o contrato. Mas não é questão de falar com um cara, engravatado, e dizer que para ganhar milhões no novo emprego ele precisa ser um rapaz diferente. Por mais que a NBA procure esconder e disfarçar, seus jogadores são pessoas reais com problemas reais que nem sempre dá pra simplesmente deixar de lado. Na NBA rola até código de vestimenta, em que todo jogador que não entrará em quadra precisa estar de terno e parecendo um vendedor de seguros, tudo para que a gente esqueça que a maioria dos jogadores vem de regiões muito pobres dos Estados Unidos, da periferia, passaram dificuldades extremas e mantém em sua personalidade o lugar em que viveram. Uma coisa é ter que se preocupar em treinar basquete e tirar boas notas, outra completamente diferente é se preocupar em levar pipoco no caminho para casa e levar uma shotgun pra conseguir chegar na biblioteca. Quando escapam dessa realidade através do basquete, muitos jogadores não apenas fazem questão de não esquecer como também participam, ajudam, voltam. Ou simplesmente não deixam essa realidade de lado mesmo ganhando milhões e tendo vida boa. O Jamaal Tinsley foi baleado umas trocentas vezes, ele continua fazendo hoje em dia o que ele fazia quando era adolescente, alegando que tem dívidas com as pessoas de lá, que o ajudaram e o protegeram. O resultado é que ele não tem mais um emprego, time nenhum da NBA quer o sujeito no elenco (o fato dele nunca na vida ter pulado sequer uma gilete também não ajuda), mas não dá pra simplesmente exigir que um jogador deixe sua história de lado, sua vida, seus amigos, a realidade em que ele cresceu e que, muitas vezes, é a única que conhece. Não há contrato no mundo capaz disso, e muito menos um código de vestimenta, que não faz nada além de tentar enganar a torcida, fazendo o público acreditar que todos os jogadores são brancos, ricos e estudados, com infâncias felizes e novelinha “Carrossel”, sonhando com a Maria Joaquina (que, aliás, ficou grandinha).

O Cavs disse que quer ajudar o Delonte West, e espero que não seja com multas, ameaças e punições, que não vão adiantar nada. Precisam é construir uma fortaleza para ele dormir seguro, contratar um exército de guarda-costas e dar para o West uma identidade falsa e um novo nome como parte do programa de proteção a testemunhas.

O Heat, por exemplo, se comprometeu a ajudar o Michael Beasley. Ainda novato, sem ter jogado uma partida sequer, ele foi pego fumando maconha durante o programa de treinamento para os recém-draftados, com dicas para gerenciar o dinheiro, se portar dentro e fora das quadras e – tã dã! – ficar longe das drogas. A multa na época foi de 50 mil verdinhas, e olha que o rapaz não tinha sequer recebido seu primeiro salário. A punição não adiantou de nada, Beasley continuou tendo problemas com drogas e com as pessoas envolvidas na brincadeira, até que a situação ficou um pouco impraticável. Michael Beasley se internou numa clínica de reabilitação com todo o apoio possível por parte do Miami Heat, que bancou as contas, arrumou os melhores médicos e ainda mandou uma equipe de treinadores para que ele pudesse continuar treinando basquete durante o processo, ainda que no máximo por 90 minutos diários.

Com essa história, aprendemos principalmente que não dá para misturar uma pessoa em reabilitação com o Twitter (ao saber que sua reabilitação duraria um mês a mais do que o planejado, Beasley soltou no Twitter mensagens de desespero um tanto suicídas), mas também aprendemos que existem modos mais eficazes de ajudar alguém do que tacando punição na cabeça. O Beasley se sentiu aceito e querido pelo Heat, depois de uma temporada em que enfrentou muitas críticas e teve seu papel relegado ao banco de reservas. Agora ele sente que faz parte de uma organização que o deseja, que acredita nele, que estará lá quando ele precisar. Sente que faz parte de algo maior e que, portanto, tem motivos para cuidar da própria saúde. Esperamos que o Delonte West receba também a atenção e o apoio necessários para sentir-se como parte de algo maior do que ele próprio, de modo que possa escapar dos buracos em que se enfiou. Nas entrevistas, ele é sempre muito divertido e engraçado, mas assim como o código de vestimenta trata-se apenas de um modo de disfarçar a origem, o que está por trás das coisas. O basquete que se lasque, o mais importante é o Delonte West conseguir dar um jeito na própria vida. Mas como vimos com Beasley e o Miami Heat, o basquete pode ajudar o West – assim como ajudou tantos outros garotos que, no esporte, encontraram apoio e refúgio. E, claro, alguns milhões de verdinhas.

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