>
O post do Denis analisa muito bem qual o papel e a importância das estrelas num time que quer ser campeão da NBA. Na partida entre Bulls e Celtics, no domingo, era até difícil dizer quem ali não era estrela. Há pouco tempo atrás, ainda me lembro de um Boston Celtics que fedia mas começava a apontar para um futuro promissor com três pirralhos que seriam grandes jogadores: Rajon Rondo, Kendrick Perkins e Al Jefferson. Sem nenhum medo (é o famoso “pisou na merda, abre os dedos”), aquele Celtics horrível começou a se livrar de seus jogadores mais experientes e competentes para abrir espaço para a molecada que parecia ter algum potencial. A armação foi completamente entregue para o Rondo, em detrimento até mesmo de outro calouro talentoso na época, o Sebastian Telfair. No garrafão, na esperança de que se tornaria um monstro defensivo, Perkins ganhou todos os minutos que eram então de Mark Blount. Enquanto isso, Al Jefferson começava a ter jogadas planejadas para ele, dividindo a bola com a estrela de longa data que aturava aquele time cheirando a fralda, Paul Pierce. As apostas deram muito certo: Perkins se tornou um pivô competente, coisa rara nesse mundo pós-Clodovil, Al Jefferson se tornou uma estrela (e foi trocado por outra estrela, Kevin Garnett) e o Rondo, bem, o Rondo é um caso à parte.
Esse Celtics atual deveria ser a equipe de Ray Allen, Paul Pierce e Kevin Garnett, três futuros membros do hall da fama do basquete, três estrelas incontestáveis. Só que volta e meia, na temporada passada, Rajon Rondo conseguia um rebote ofensivo que acabava decidindo o jogo, em meio a caras que poderiam (e deveriam) estar colocando o jogo no bolso. Pelas beiradas, foi conquistando seu espaço, ganhando confiança, e agora quem disser que ele não é uma estrela merece uma surra bem dada. Rondo terminou o domingo com seu segundo triple-double da série contra o Bulls e sem dúvida alguma é o jogador mais importante do Celtics no momento. Ninguém no time tem vergonha de colocar a bola em suas mãos e deixar as coisas acontecerem, suas infiltrações têm precisão cirúrgica e seu jogo é completo demais. A confiança está nas alturas, vê-lo chamando jogadas dando indicações para Ray Allen ou então brigando com o vovô do Marbury chega a ser uma experiência cômica. Durante toda a partida, o Celtics foi o time de Rajon Rondo, estrela inquestionável, enfrentando o Bulls da estrela Derrick Rose, que mal tem idade para encher a cara de pinga. Os dois penetram no garrafão como se fosse filme pornô com a Vivi Fernandes, é fácil, rápido e indolor (para quem penetra, não para quem defende, deixemos claro).
Mas a quando a coisa apertou, no fim do tempo regular, a bola foi parar nas mãos de Ray Allen para uma cesta de três pontos certeira que levou a partida para a prorrogação. Aposto que todo mundo tinha até esquecido que o Ray Allen estava nesse time, não é comum um time ter tantas estrelas assim. O Doc Rivers desenhou a clássica e super-eficiente jogada que deixa o Ray livre e ele foi lá e fez o que precisa ser feito, no maior estilo Steve Seagal, Chuck Norris e Charles Bronson, doa a quem doer, custe o que custar. Sempre tem alguém dizendo que ele está velho, que ele amarela, e ele sempre vai lá e prova que a pessoa não tem internet, não viu nenhum jogo e não entende bulhufas de basquete.
Aliás, quase foi o meu caso. Estava vendo o jogo no chat do Bola Presa com um punhado de gente e então nosso link simplesmente expulsou todo mundo da transmissão, alegando que um limite de brasileiros havia sido ultrapassado (bem dizem que brasileiro dá em árvore). Não vimos a cesta do Ray Allen, acompanhamos apenas descrições na internet, batemos a cabeça contra a parede, ameaçamos pular pela janela, cortamos nossos pulsos e escrevemos frases de efeito pelo chão da sala ao som de músicas do NX Zero. Ofereci minha vida em troca de um link que funcionasse, e então ele veio, dos céus, com um link sagrado: uma alma caridosa no chat do Bola Presa ganhou minha vida e agora vai ter que arcar com as minhas responsabilidades, pagar minhas contas e postar de graça diariamente aqui no blog. Por enquanto, não passou para receber seu prêmio.
A prorrogação, então, todos pudemos acompanhar juntinhos, pra esquentar nesse inverno. A quantidade de estrelas na partida era imensa: enquanto Rondo e Derrick Rose faziam o que bem entendiam, Ben Gordon jogava como se seu salário dependesse disso (bom, acho que ele tem razão) e Ray Allen como se o Garnett fosse engolir ele com azeite e sal em caso de derrota. Foi o Allen quem acertou duas bolas de três seguidas para colocar o Celtics três pontos na frente, e foi o Ben Gordon que, sob os gritos de “sá-lá-rio“, acertou a cesta mais improvável de sua carreira. A Mari Alexandre me mandou uma mensagem dizendo que o Ben Gordon ia arremessar, todo mundo sabia que ele estava forçando o jogo, que a última bola seria sua, não importava quão bem o Derrick Rose tivesse jogado nas horas anteriores. Ele foi bem marcado, pressionado, mas o Ben Gordon sempre traz aquela dúvida: ele deve ou não ser levado a sério? Ele é ou não estrela? Ele ajuda ou atrapalha o time? Ele é humano ou um anão alienígena com poderes psiônicos? Em todo caso, a bola caiu e lá estava de novo o jogo empatado. Simples mágica:
Quatro segundos para o final, bola do Celtics, dou uma bala pra quem adivinhar a jogada pedida pelo Doc Rivers. Pois é, meu amigo, perdeu uma bala – e hora que era uma das muito úteis balas 7Belo. A bola não foi para Ray Allen, e sim para Rajon Rondo, o exato oposto do que o Celtics fez na posse de bola anterior. A idéia deve ter sido simples, se o Rondo estava dominando até então, porque não deixar ele continuar seu trabalho já que dá pra ganhar numa simples bandeja ao invés de mais uma bola de três pontos? (some a isso o fato de que Ray Allen não luta pelo seu futuro salário.) Não me levem a mal, eu adoro o Rondo, acho ele o melhor reboteiro do planeta (atualmente ele é o sexto dos playoffs, com 10.8 por jogo) e um monstro batendo para dentro, mas ele não é nenhum gênio da física nuclear e também nunca será um bom arremessador. A soma desses dois fatos impediu que ele batesse para dentro do garrafão, cavando uma falta, e preferisse dar um arremesso muito do vagabundo para tentar a vitória. Quase nem deu aro, nem as estrelas podem ser perfeitas. Mais uma prorrogação, ao que eu muito agradeci já que o link sagrado que havia surgido dos céus continuava funcionando.
Foi na segunda prorrogação que, mais do que nunca, deu pra perceber que o Denis tem razão: estrelas são fundamentais para vencer jogos, com bolas de três pontos decisivas e jogos dominados do começo ao fim, mas é o resto do elenco que faz as pequenas coisas necessárias para vencer uma série. Hora de dar os méritos devidos, portanto, para dois sujeitos menores do Chicago: Kirk Hinrich e John Salmons. O primeiro foi duramente criticado na temporada passada pela queda no seu aproveitamento nos arremessos, sua tendência a fazer cagadas na hora de comandar as jogadas e sua falta de liderança na equipe, mas tem uma coisa que não dá para criticar no moço: sua defesa. Me aponte um armador principal que marque tão bem quanto ele e também de dou aquela bala 7Belo que você perdeu minutos atrás. Hinrich é esquecido porque foi apodrecer no banco, passou tempo demais contundido e porque tem cara de vendedor de seguros, mas o trabalho que ele fez em Paul Pierce durante a partida de domingo foi espetacular. Rachou o trabalho com o John Salmons, que também defende bem e vem se superando no ataque. Já faz um tempo que seu jogo atingiu o ápice, mas no Kings não havia espaço para ele. Quando o Kevin Martin se contundia (toda quarta-feira, praticamente), Salmons assumia a vaga e jogava em alto nível, mas bastava a contusão sumir e o Salmons tinha seus minutos reduzidos a zero. Revoltado, o coitado sempre exigia explicações, que nunca vinham. Não precisa ser gênio para compreender que a prioridade era deixar a pirralhada jogar, não importa quão bom o Salmons fosse. Com isso em mente, foi trocado junto com o velho do Brad Miller. Foi justamente o Salmons quem, após assistir Paul Pierce meter uma bola de três importantíssima, apertou a defesa na última posse de bola que poderia definir o jogo. O toco em Pierce no arremesso final acabou com a partida e consagrou os jogadores secundários. Não dá pra esquecer também que meu queridinho Joaquim Noah, que pra mim tem toda a técnica de um cortador de lenha, manteve as prorrogações sob controle graças a uma forte defesa, tocos precisos e rebotes salvadores com muita raça e pouco talento. Às vezes, no meio de tanto talento com Derrick Rose e Ben Gordon, e exatamente de falta de talento que o time precisa para vencer. A vitória em geral não vem no talento, mas na unha.
Foi o caso do meu Houston Rockets, que abriu 3 a 1 na série contra o Blazers. Ao fim do jogo, os comentaristas da ESPN gringa estavam dizendo que alguns jogadores do Houston só servem pra alguma coisa se jogam com vontade, e por essa razão eles jogam sempre com vontade. Se o Battier faz corpo mole, ele vira um monte imprestável e desforme de carne inútil, e ninguém quer ser inútil numa série de playoff com toda sua família assistindo. Ele sabe que não poderá contribuir com sua técnica, com sua liderança, com seus passes, sobra então fazer cara de mal e tomar pancada. Foi assim que Scola aproveitou todo o espaço que Yao lhe forneceu, Carl Landry trombou no garrafão, Shane Battier esteve em todos os lugares da quadra (inclusive para arremessos decisivos), Von “Bolacha” Wafer arremessou sem parar e Chuck Hayes usou seu corpo gordo e corajoso (suas únicas qualidades) para cavar uma falta de ataque em Brandon Roy que acabou decidindo o jogo. Basicamente, o Houston ganhou o jogo porque o time fede e todo mundo teve que suar as pitangas. O Blazers, com mais recursos, mais jogadores técnicos e menos brutamontes, simplesmente não conseguiu lidar com o nível de energia imposto na quadra. Brandon Roy é uma estrela, um dos cestinhas desses playoffs, mas sua atuação foi desperdiçada. Já Artest, que é cada vez menos estrela e teve uma partida que deixou muito a desejar, jogou com uma raça impressionante e ganhou suas poucas cestas no músculo, na trombada, com direito até a mostrar o muque pra torcida. E isso, crianças, abre espaço para que as estrelas possam realmente ser efetivas.
Depois de Scola receber bons passes para finalizar, acertar seus arremessos, de Carl Landry pegar rebotes ofensivos e atrapalhar no garrafão, e de Battier e Von Wafer arremessarem bolas que sobraram para eles quase por engano, o Blazers percebeu que a marcação dupla em cima de Yao Ming gerava espaços demais na quadra para o resto de um elenco tão animado e disposto a fazer alguma coisa. Com a marcação simples, Yao tirou de letra o Pryzbilla Gorila e nem viu a cor do Greg Oden, que não consegue parar de fazer faltas nem quando vai ao banheiro. Em suma, foram os jogadores grossos que permitiram à estrela fazer aquilo que ela deveria. Do mesmo modo que Ben Gordon teria tido mais uma atuação fenomenal seguida por derrota se não fosse pelo Hinrich e o John Salmons, jogadores mais-ou-menos. Alguém tem que decidir o jogo, mas alguém precisa segurar as pontas.
Pro Magic, aliás, o problema é sempre esse: um cara pra decidir, porque segurar as pontas todo mundo lá consegue. É possível argumentar que a equipe tem muitas estrelas (pelo menos pra quem der uma espiadinha nas contas bancárias), mas não há ninguém ali que seria merecedor de uma bola decisiva. Da última vez, coube ao Dwight Howard, que converteu seus lances livres. Dessa vez, a bola foi pro Turkoglu. Justiça seja feita, ele acertou trocentas bolas dessas na temporada passada, quando foi cotado para ser o jogador que mais evoluiu e começou a comentar por aí que queria ganhar mais grana e iria terminar seu contrato assim que pudesse. Nessa temporada, no entanto, ele fedeu muito (bate papo com os Monstars, alguém?) e certamente deixou todos os torcedores do Magic desesperados com a idéia dele arremessar a última bola. Boatos dizem que tentaram colocar o Jameer Nelson em quadra, mesmo numa maca. Mas Turkoglu foi lá e, com bagos de jumentinho, converteu uma desnecessária bola de três pontos com a graça de quem arremessa de mais longe só porque podia. Decidiu o jogo.
Pelo Pistons, quem tentava decidir o jogo, não apenas no domingo mas em toda série, era o zé-ninguém do Will Bynum. E justamente por isso, não posso dizer nada além de um “bem feito” para a eliminação humilhante do Pistons pelo Cavs (quem responder “beija a bunda do prefeito” eu vou ter que ficar de mal). O negócio é o seguinte: Iverson chegou como uma opção para definir jogos, criar jogadas individuais quando necessário, resolver as partidas que o Pistons insistiu em perder no finalzinho nos playoffs mais recentes. O elenco não aceitou a brincadeira, alegou que seu estilo não se encaixava, que a família estava desfeita, que não fazia sentido, rejeitaram o Iverson, apertaram o botão vermelho e chamativo da autodestruição e depois deram a descarga. Uma misteriosa contusão alienigena atacou Iverson, que alegou “não estar em condições de jogar”, e o casamento estava desfeito. E aí, contra o Cavs, desesperados por alguém capaz de pontuar e chamar o jogo para si contra uma das melhores defesas da NBA, eles são obrigados a colocar a bola nas mãos do Will Bynum? Vai me dizer que não era melhor ter o Iverson, fosse como fosse? Não quiseram, não aceitaram, o ego falou mais alto. O descontentamento não permitiu que se encontrasse uma maneira de fazer funcionar, e o resultado foi um time experiente e calejado dependendo de um moleque de Liga de Desenvolvimento e tomando de quatro (sem duplo sentido, ou talvez só com um pouco) do Cavs nos playoffs. Ridículo.
Pois bem, para Celtics, Bulls, Magic e Rockets, não faltaram estrelas e nem elencos de apoio, gente menos capacitada disposta a dar uma força, mesmo que seja na unha. Mas para o Pistons, faltaram repentinamente estrelas. Mesmo que, para encontrá-las, bastasse olhar para o banco de reservas, vestindo um terninho e ganhando uma grana preta. Pra ficar parado, assistindo uma das maiores humilhações que eu já vi nos playoffs. Maior até do que a humilhação do Hornets na partida de segunda contra o Nuggets, mas dessa a gente já fala daqui a pouco.