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Quando o Houston Rockets, na temporada passada, estava chutando uns traseiros e surpreendendo todo mundo apesar da ausência de Yao Ming, o maior pânico do técnico Rick Adelman era que Tracy McGrady ficasse saudável novamente. Não importava que T-Mac fosse uma estrela, e que pudesse vencer um ou outro jogo sozinho – a dúvida diária sobre ele entrar em quadra ou não, dadas suas lesões constantes, não valia a pena. Nada é tão eficiente para acabar com um time do que lhe tirar a certeza da rotação, dos papéis em quadra e do padrão de jogo. Uma equipe que tem que jogar de um jeito diferente todas as noites não aguenta o tranco. Aquele Warriors do Don Nelson, em que os jogadores nunca sabiam se iam jogar, por quantos minutos, e em qual posição, era um pesadelo kafkaniano. Aposto que jogadores como o Marco Belinelli até hoje acordam chorando no meio da noite após um pesadelo em que o Don Nelson é contratado para treinar o Hornets. O Belinelli agora está muito bem obrigado, e o próprio Warriors é um time bastante diferente só de saber quem vai entrar em quadra.
Mesmo estando supostamente saudável, o Houston se livrou do T-Mac o mais rápido que conseguiu. Agora ele está lá no Pistons e mesmo jogando cada vez mais minutos ainda é uma dúvida constante, nunca dá pra saber se ele estará em condições de jogo. Somando isso ao fato que o Pistons não faz ideia se está tentando vencer ou se está reconstruindo o time, temos casos bizarros como o Austin Daye ser titular num dia e sequer entrar em quadra no outro. E os resultados são sempre catastróficos.
O Houston da temporada passada, sem T-Mac, não foi para os playoffs – mas foi por pouco. Com Kevin Martin na melhor forma física da carreira, as chances de se sair melhor nesse ano eram grandes. Mas aí o Houston passou a lidar com a volta de Yao Ming. Seria ridículo achar que o time piora com sua presença em quadra, pelo contrário, só de estar lá existindo e respirando, sem nem levantar os braços, o Yao Ming já faz o Houston um time melhor. Seu tamanho por si só altera infiltrações no garrafão defensivo e cria espaços ao ser marcado no garrafão ofensivo. Mas seus minutos limitados por ordens médicas (sempre os sugestivos 24 minutos por jogo) e a proibição de jogar em dias seguidos trouxe para o Houston aquele fantasma de Tracy McGrady.
Quando Yao está em quadra, o time precisa aproveitá-lo ao máximo, afinal ele terá que ir para o banco em breve. E isso é até bom, porque os passes chegam em sua mão e o time é realmente melhor quando as jogadas ofensivas se focam nele e em sua capacidade de passar a bola para o perímetro. Mas quando ele senta e não pode mais entrar em quadra, é como se o time inteiro precisasse encontrar um outro modo de jogar que tivesse esquecido durante o jogo. Os jogadores não estão envolvidos, as movimentações de bola precisam ser diferentes, é como começar um novo jogo no meio de outro. E aí, no jogo seguinte, caso seja um jogo em dia seguido, Yao está fora desde o começo da partida, então é preciso se acostumar com Brad Miller em quadra. Mas no jogo seguinte é o Yao Ming quem joga, e aí a bola tem que ir pra ele. E assim o Houston não tem padrão nem ofensivo, nem defensivo.
É claro que os problemas se extendem: com a saída de Trevor Ariza para dar espaço para Kevin Martin, a defesa de perímetro do time sofre um absurdo. Tirando Yao Ming, nenhum jogador do elenco é capaz de dar um único toco, então impedir infiltrações é ainda mais essencial – coisa que Kevin Martin e Aaron Brooks não conseguem fazer. Kyle Lowry, que é um defensor melhor na armação, passou todo o começo de temporada contundido. Quando voltou, Aaron Brooks já estava fora e assim permanecerá por mais um mês. E o próprio Yao Ming, quando começou a reclamar que deveria no mínimo voltar a jogar partidas em dias seguidos para não ferrar com a química do time, acabou torcendo o pé e ficando fora pra valer. E com o Yao nunca tem lesão simples, a torção deixou uma lasca de osso no pé dele, e o tempo de recuperação foi mais longo do que o esperado. O retorno deve ser no comecinho de dezembro.
Mas dentre todos esses problemas, o que mais afeta o Houston é mesmo a impossibilidade de criar uma rotação e um padrão de jogo definidos. As primeiras derrotas da equipe foram todas por muito pouco, nos minutos finais, em bolas decisivas. Era preciso manter um ritmo e deixar que o time aprendesse a fechar os jogos. Mas não, a rotação mudou tanto que a equipe não sabe mais o que precisa fazer para mudar o placar da noite anterior. Uma hora joga com Brad Miller, que arremessa de três e não defende, na outra joga com Chuck Hayes, que só defende mas é nanico, aí coloca o Jordan Hill em quadra, que consegue pular mas é desmiolado. Não seria surpresa uma hora dessas o Tiririca entrar em quadra e passarem a bola pra ele normalmente, como se nada estivesse acontecendo. Não basta apenas ficar esperando o Yao Ming voltar de contusão e rezar pra ele não se contundir de novo – o que já é difícil o bastante – porque quando ele estiver em quadra ainda haverá incerteza, minutos limitados, padrões diferentes de jogo. Nessas circunstâncias, a temporada do meu Houston provavelmente foi pelo ralo.
As coisas no Miami Heat são um tanto parecidas. Não tem ninguém com minutos limitados, mas assim que o time começou a mostrar fraquezas e precisava buscar um ritmo para engrenar, começou a ficar claro que quase todo mundo lá é quebra galho e não tem, ainda, papel definido. Culpa, em parte, das contusões. Mario Chalmers poderia ser titular na vaga do Carlos Arroyo, mas se machucou nas férias e ainda está fora de forma. Mike Miller poderia jogar de SF para que finalmente o LeBron pudesse ser escalado oficialmente como PG e resolveria, em parte, as dificuldades da equipe com o arremesso de três pontos, mas ele só volta no fim de dezembro. Udonis Haslem, que não decidiram ainda se é reserva do Bosh ou se joga ao lado dele, sofreu uma lesão séria no pé e agora pode estar fora por toda a temporada. E para tapar o buraco no garrafão, o Heat acaba de contratar Erick Dampier, que pega a temporada no meio e vai ter que correr tanto na parte física quanto na parte tática.
Todo mundo tinha aquela pergunta básica sobre o Heat, “quem é que vai decidir os jogos?”, mas essa é menor das preocupações do elenco. Wade e LeBron continuam batendo cabeça no perímetro porque nenhum deles é um arremessador consistente de três pontos, e a resposta para isso nunca aparece porque uma hora o James Jones está em quadra, outra hora é o Eddie House quem tem mais minutos, tem hora que o Arroyo é que arremessa mas sempre com a incerteza sobre ter a posição porque ele não defende nem tem a função de armar o jogo, tem hora que é o Wade o responsável pela armação, o Mario Chalmers é sempre um dúvida se vai entrar ou não, e o Mike Miller continua lá lesionado e com cara de menina. Sabe como o Pacers deu um pau no Heat? Toda vez que LeBron e Wade fizeram o pick-and-roll, a marcação da equipe de Indiana deixou o armador livre e seguiu os jogadores de garrafão, fechando o caminho para a cesta. Pronto! Não requer prática tampouco habilidade! O treinador do Pacers, Jim O’Brien, chegou a dizer que se o Heat tivesse acertado alguns dos seus arremessos teria dado uma surra no Pacers, porque é sempre uma tática arriscada deixar jogadores tão bons constantemente livres para arremessar. Mas nessa equipe em que os coadjuvantes não têm papéis e rotações definidas, sem arremessadores de três designados, dá pra arriscar numa boa.
O meu Houston vai ter que tomar decisões duras que vão definir, agora, a carreira de Yao Ming. Quando voltar da nonagésima contusão de sua vida, jogará em dias seguidos? Continuará jogando apenas 24 minutos? Vale a pena arriscar a saúde de um jogador numa temporada praticamente perdida? Pior: vale a pena manter um jogador que pode arriscar sua saúde num time de temporada perdida? Como o contrato do Yao termina ao fim dessa temporada, o Houston precisa decidir até onde está disposto a seguir com essa bagunça – e começar a dar as respostas agora, o quanto antes, para definir o que fará mais para frente.
No caso do Heat, parte da solução para o problema é aguardar os jogadores voltarem de contusão, mas o mais importante é tomar um banho de água bem gelada. O time precisa de estabilidade na rotação e nas funções em quadra, mas como esperava estar vencendo tudo logo de cara e todo mundo quer arrancar o coitado do técnico Erik Spoelstra de lá para colocar seu chefe Pat Riley no lugar, cada hora o time acaba tentando um troço novo pra ver se funciona. Não dá pra criar um padrão se o técnico precisa fazer qualquer coisa pra vencer ou seu emprego vai pro saco, o cara nunca vai pensar em criar uma equipe a longo prazo, ele vai pensar é em pagar o leitinho das crianças. O Spoelstra é um bom técnico, ele só está com a cabeça a prêmio, um elenco cheio de buracos, lesões pra burro, e muita dificuldade de coordenar o ataque. E o problema é que, pra consertar o ataque, ele deixa de se focar na sua especialidade, que é a defesa, e aí o Heat se ferra ainda mais por culpa das falhas defensivas. É preciso respirar e se concentrar em coisas específicas e transformá-las em padrão. Vamos ganhar os jogos com a defesa e se focar só nisso? Vamos. Vamos tornar o James Jones o arremessador designado e deixar ele em quadra o tempo todo? Vamos. O buraco no garrafão ainda vai continuar, LeBron e Wade ainda vão sofrer com o arremesso, e o Mike Miller ainda vai ter cara de menina lesionado no banco de reservas, mas as coisas já iriam melhorar um bocado.