Números, dúvidas e curiosidades

A saudade de falar de basquete atual bateu forte. Resolvi fuçar diversas páginas sobre estatísticas da NBA atrás de boas histórias inspiradas em números da temporada 2019-20. Encontrei LeBron James líder naquilo que não é mais tendência, uma estranha piora em DeAndre Ayton, o caso do quinteto já passou DOZE HORAS em quadra e uma lista confusa sobre aquilo que decidimos chamar Moreyball.


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REI DO POST-UP

Há muitos anos o Danilo escreveu aqui no Bola Presa que LeBron James deveria se tornar um pivô na parte final da sua carreira. Com a liga ficando mais baixa, os jogadores de garrafão mais versáteis e LeBron sendo um uma aberração de força, ele poderia fazer essa transição e prolongar seu tempo de vida sem se desgastar tanto levando a bola da defesa para o ataque, driblando por adversários e dependendo da explosão para infiltrar no garrafão. Porém, como vocês sabem, LeBron não deu ouvidos a um blogueiro do Brasil e seguiu sua vida de jogador de perímetro, nesse ano até finalmente sendo chamado oficialmente de armador na escalação do Los Angeles Lakers.

Mas ocorreram mudanças e temos números para provar que ao menos uma coisinha dos pivôs LeBron abraçou: os post-ups. Essas são aquelas jogadas de costas para a cesta, típicas dos jogadores de garrafão, que parecem cada vez menos comuns na NBA. Nesta temporada fizemos até um texto sobre isso após a polêmica do técnico Rick Carlisle dizer com todas as letras que jamais usaria Kristaps Porzingis em lances desse tipo mesmo com todas as cobranças de Charles Barkley e toda a velha guarda dos críticos. Seu argumento era simples e apoiado em números: o post-up não é eficiente. Muitos pensam assim e o lance até pode não ser usado no mesmo jeito dos anos 1990, mas segue vivo em alguns nomes, como mostra a tabela abaixo:

PostUp

Este é o Top 10 de jogadores com mais post-ups na temporada 2019-20. A lista considera jogadas que terminaram em arremessos vindos destes lances ou passes que IMEDIATAMENTE se tornaram arremessos, sejam eles certos ou errados. Estão no topo, com mais de 400 jogadas, Nikola Jokic, Joel Embiid, Anthony Davis e LaMarcus Aldridge, com destaque para o pivô do Sixers que está quase na cola de líder mesmo com VINTE JOGOS a menos que ele. Um pouco abaixo deles já aparece LeBron, que esteve em 288 posses de bola de post-up nesta temporada, empatado com Julius Randle na sétima posição em quantidade de lances deste tipo.

O resto da tabela mostra pontos por posse de bola (PPP), arremessos errados, feitos, tentados e o aproveitamento. E qual nossa surpresa ao ver que LeBron é o LÍDER tanto em PPP, com 1,163, quanto no aproveitamento dos arremessos, com 56,5%. Sua vantagem dispara em outro número, o aFG%, que é a porcentagem de acerto de arremessos ajustada para contar as bolas de 3 pontos. Nessa fórmula leva-se em conta que o aproveitamento normalmente mais baixo nos arremessos de 3 pontos é compensado pelo ponto extra em relação aos outros chutes. E é disso que falamos quando dizemos que o post-up não precisa ser uma mera reencenação dos pivôs de outras épocas, mas uma arma que pode ser reimaginada para os tempos atuais.

Nos lances abaixo, por exemplo, vamos LeBron de costas para a cesta e não necessariamente buscando atacar a cesta a qualquer custo, mas observando todos os jogadores a sua volta até eventualmente achar Danny Green ou Avery Bradley em uma bola de 3 pontos. Ele tira proveito da atenção que ganha da defesa e também da proteção que a posição do post-up proporciona, já que de costas para a cesta ele tem menos chance de ter a bola roubada pelo seu defensor e pode esperar a movimentação dos companheiros sem se preocupar em perder o drible:

Para ganhar a atenção da defesa é preciso ser capaz de pontuar mesmo sem passar a bola, claro. E nisso LeBron tem sido bem eficiente já há alguns anos. Seu principal trunfo é a versatilidade, algo que vários outros especialistas na jogada não têm. Quando o técnico adversário coloca alguém muito alto e pesado para defender LeBron e dar conta das trombadas do post-up, ele volta para o perímetro e ataca com velocidade e dribles. Se alguém mais baixo é colocado na função, aí LeBron vira de costas e leva o pequeno para o moedor de carnes do garrafão:

O segredo de LeBron, portanto, não foi virar um pivô. Não foi virar armador também. Sua longevidade acontece pela sua capacidade de virar o que bem entender dependendo do momento do jogo e sempre manter a excelência. Não bastava ser só bom no post-up, ele virou o mais eficiente de todos.


Ayton

CAMINHANDO PARA TRÁS?

Há outros números legais sobre jogo no garrafão. Um deles é o de paint touches, que conta quantas vezes um jogador recebe a bola dentro do garrafão. E o líder da NBA nesta categoria nem apareceu na lista dos especialistas em post-up lá em cima, então nada de Joel Embiid ou Nikola Jokic. Seria então dominada por finalizadores como Clint Capela e Rudy Gobert? Nada disso, quem mais recebe a bola na área pintada é DeAndre Ayton, do Phoenix Suns. Na temporada passada, quando era um novato relativamente perdido em quadra, ficou em QUINTO na lista e neste ano já assumiu a ponta: são, 14,6 paint touches por jogo. Atrás dele aparecem Clint Capela, Andre Drummond, Rudy Gobert e Steven Adams.

A sua liderança já é um número curioso por si só, mas não responde uma pergunta mais importante: o que acontece depois dele receber todos esses passes? Na temporada passada, enquanto estávamos ocupados vendo o quanto Ayton era ruim na defesa e infinitamente inferior a Luka Doncic no ataque, o então novato se destacou com seu jogo old school de costas para a cesta. Seus 1,03 pontos por posse de bola no post-up eram iguais aos de mestres da posição como Aldridge e Jokic ao mesmo tempo em que era o sétimo na NBA que mais tentava o lance. Volume e aproveitamento:

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Não que o post-up seja o caminho para um pivô da NBA dominar o jogo hoje em dia, mas será que o Suns seria capaz de tirar proveito desse talento? Bom, pulamos para esse ano e só dos números ficam iguais. Ele continua com 4,3 jogadas de post-up por jogo, mas os pontos por posse de bola despencaram de 1,03 para… 0,81! É simplesmente o QUARTO PIOR de toda a liga entre jogadores com ao menos 1,5 jogadas desse tipo por jogo. Atrás dele só Russell Westbrook, Nikola Vucevic e Kristaps Porzingis, o pior de todos justificando as críticas já citadas do técnico Rick Carlisle.

Da onde veio essa queda vertiginosa de aproveitamento? Gastei valiosos minutos da minha vida no site da NBA vendo quase todos os arremessos errados de Ayton nesta temporada e fiquei assustado com o que vi: é incrível a quantidade de vezes que ele está bem posicionado, no lugar que quer, faz sua bola de segurança e mesmo assim a bola não cai. Em alguns lances ele parece incomodado fisicamente pelos rivais, mas não é sempre. Tudo o que funcionava um ano antes parou de dar certo:

Em arremessos próximos ao aro, Ayton viu seu aproveitamento cair de 73% para 67%. É o equivalente a sair dos 10% melhores da NBA na categoria e cair para a exata média. Uma explicação possível, mas não definitiva, é a falta de ritmo de jogo. Ayton foi suspenso logo no começo da temporada por doping e ficou fora por 25 partidas. Só que ele treinou normalmente nesse período e somou 30 jogos no ano, tempo o bastante para se acostumar. De qualquer forma, o mais interessante desse número é justamente sua falta de explicação e, somada à carreira ainda curta de Ayton, uma insegurança sobre o que pensar do jogo do pivô. Afinal como o Suns da próxima temporada deve usar sua jovem promessa?


Harden

MOREYBALL NÃO É SINÔNIMO DE EFICIÊNCIA

O termo “Moreyball” é um dos mais divertidos neologismos da NBA contemporânea. É um jeito fácil e prático de resumir o estilo de jogo que consiste em concentrar o máximo de arremessos de um time em bolas de 3 pontos e bandejas/enterradas, os lances mais eficientes do basquete segundo os números históricos da liga. Quem dá nome ao termo é Daryl Morey, General Manager do Houston Rockets e líder da revolução estatística da liga e que não demorou para conseguir colocar seu time para jogar dessa forma.

Não precisa ser gênio matemático para sacar de onde isso veio: bolas de 3 pontos valem 50% a mais que a de 2 pontos e o aproveitamento de bandejas feitas coladinhas à cesta é bem maior que o de arremessos mais distantes. Em outras palavras, se for para arremessar uma bola que só vale DOIS pontos, que seja lá pertinho do aro pra não errar. Com a disseminação dessa forma de enxergar o basquete, foi criado um MEDIDOR de Moreyball que verifica que porcentagem dos arremessos de um determinado time são arremessos colados ao aro ou bolas de 3 pontos. Um beijo em quem acertar que time é o líder…

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É isso mesmo, nada menos que 83% dos arremessos do Houston Rockets são bandejas ou bolas de 3 pontos! A lista ainda tem outros times que são famosamente “modernos” como o Brooklyn Nets, Minnesota Timberwolves, Dallas Mavericks e Milwaukee Bucks. Só que chama ainda mais a atenção ver a outra coluna da lista, aquela com a posição de cada um desses times no ranking ofensivo que mede os pontos marcados a cada posse de bola. É simplesmente impossível cravar que há uma relação clara entre adotar o Moreyball e ser um ataque eficiente ou não. Nesse Top 10 de modernidade temos QUATRO times entre os dez melhores ataques da NBA, mas também TRÊS dos nove piores. O resto está no meio do caminho, incluindo aí o Toronto Raptors beirando os dez do topo e o Brooklyn Nets beirando os dez de baixo.

Isso não quer dizer que o Moreyball é irrelevante ou que os números estão contando alguma mentira, mas mostra que só o plano de jogo não é nada sozinho. Meu exemplo favorito é do Minnesota Timberwolves, que tem o TERCEIRO PIOR aproveitamento de toda a NBA em arremessos de 3 pontos. O time entendeu que precisava modernizar seu jogo após o fracasso com Tom Thibodeau, mas não foi capaz de montar um elenco condizente com o novo estilo que escolheram usar. Nesta temporada o time teve só três jogadores com aproveitamento superior a 35% em bolas de 3 pontos, a mera MÉDIA da NBA. Além de Karl-Anthony Towns, disparado o melhor do time, os outros eram Gorgui Dieng e Jeff Teague, que não estavam lá ajudando muito em outras áreas do jogo. Eles finalmente atacaram o problema na Trade Deadline e trouxeram Malik Beasley e Juan Hernangomez, que acertaram 42% de suas bolas de longa distância nos 14 jogos que fizeram pelo time para se tornarem líderes na categoria dentro do time. Não à toa a troca deu um gás ofensivo para a equipe.

Da mesma forma que um ataque de pick-and-roll precisa de jogadores que dominam os detalhes dessa jogada e que os triângulos pedem jogadores que sabem tirar proveito de jogar de costas para a cesta, o Moreyball exige bons arremessadores. Só que em 2020 todos os times querem bons atiradores de longa distância, há o bastante em alto nível para 30 times? É possível adotar o sistema antes e conseguir os especialistas depois? Alguns desses times podem treinar seus arremessadores medíocres e transformá-los em algo ao menos próximo da média?

Mas talvez exista um outro jeito de ler isso tudo. Talvez o Moreyball já não seja uma mera tendência, mas uma realidade. O Houston Rockets e outros times até podem levá-lo a um extremo, mas esse pode ser simplesmente o padrão da NBA. Sendo assim, você não joga nesse estilo para ser o melhor, mas simplesmente para não ser o pior. Analisando o fim da lista vemos que dos times que MENOS finalizam no estilo Moreyball, apenas UM está no Top 10 de melhores ataques, o Denver Nuggets.

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Com o clássico caso de DeMar DeRozan e LaMarcus Aldridge e suas paixões pela meia distância, o San Antonio Spurs é disparado quem mais ignora o Moreyball, mas o time não é tão ruim ofensivamente no geral. Vale lembrar que eles até passaram a arremessar mais de 3 pontos a partir de Janeiro, quando melhoraram no ataque e passaram a vencer mais. Apenas o Moreyball não faz um sistema ofensivo ser bom, mas ignorá-lo parece fazer o caminho para isso ser mais tortuoso do que deveria.


denvernuggets

O QUINTETO MAIS RODADO

Apenas 49 quintetos conseguiram somar ao menos 250 minutos juntos de quadra nesta temporada 2019-20. Só 34 passaram de 200 minutos e 15 deles chegaram aos 300. Se seguirmos o jogo, vamos descobrir que só OITO quintetos compartilharam a quadra por mais de 400 minutos, QUATRO chegaram a 500, apenas DOIS passaram de 600 minutos e UM chegou a absurdos 735 minutos de basquete em quadra. Palpites sobre esse vencedor?

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Pois o campeão de entrosamento da temporada é o time titular do Denver Nuggets com Jamal Murray, Gary Harris, Will Barton, Paul Millsap e Nikola Jokic ficando mais de 12 horas em quadra ao mesmo tempo. Com +7,7 pontos marcados a cada 100 posses de bolas disputadas (mais ou menos a duração de uma partida), o time tem boa média de saldo de pontos, mas está longe da líder entre as mais usadas. Duas formações do Utah Jazz e os times titulares de LA Lakers e Milwaukee Bucks dominam a soma de eficiência e tempo de quadra.

É raro e curioso que o técnico Mike Malone use os seus cinco titulares tanto tempo juntos sem mesclar um ou outro reserva por mais tempo. O número mostra várias coisas: uma que o time não sofreu com lesões desses jogadores na temporada, outra que o treinador mostra confiança que seus reservas podem atuar ao mesmo tempo também. Não à toa um grupo com Monte Morris, Torrey Craig e Jerami Grant juntos seja a terceira formação mais utilizada pela equipe e com bom saldo.

Mas o número que mais chama a atenção entre os principais quintetos do Nuggets é outro. O grupo líder em saldo de pontos tem +33,4 pontos marcados a cada 100 posses! Domínio absurdo! Sabe que quinteto é esse?  Quase o mesmo do time titular que jogou 735 minutos, mas com Monte Morris na armação no lugar de Jamal Murray. Com essa pequena mudança o time pula de sofrer 104 pontos por 100 posses de bola para sofrer 74, a MELHOR MARCA de toda a NBA. O problema aqui é que essa formação atuou por apenas 50 minutos na temporada. Dá pra confiar? Mas se o número é mentiroso, a tendência pode ser real. Pode ser um sinal que Jamal Murray está atrapalhando a defesa e que Monte Morris ajuda mais nesse aspecto sem necessariamente comprometer no ataque. Ofensivamente a diferença é mínima, com 112,9 pontos para o time com Murray e 111,9 pontos para o time com Morris. É uma estatística que o time deveria investigar mais a fundo pensando nos estranhos Playoffs e na próxima temporada.

Segurar rivais a tão poucos pontos a cada 100 posses de bola é praticamente impossível no longo prazo. Nos elencos mais rodados da liga, a melhor marca é o grupo titular do Milwaukee Bucks (Eric Bledsoe, Wes Matthews, Khris Middleton, Giannis Antetokounmpo e Brook Lopez) com 89,8 pontos sofridos. Só outros quatro quintetos com ao menos 200 minutos de quadra seguram adversários a menos 100 pontos a cada 100 posses de bola.

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Agora vocês me dizem qual quinteto dessa lista aí chamou mais sua atenção. Já sabíamos da força defensiva de Bucks, Sixers e Pacers, mas e esse time do Chicago Bulls segurando muito bem as pontas em mais de 300 minutos em quadra? E o que dizer dessa ABERRAÇÃO de +26 pontos de saldo a cada 100 posses do New Orleans Pelicans em 230 minutos? Zion Williamson comandando o quarto melhor ataque e segunda melhor defesa entre os quintetos com mais de 200 minutos jogados. Esse time ainda vai dar muito trabalho.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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