🔒O Brasil procura a sua cara no basquete

A gloriosa Confederação Brasileira de Basquete é ótima em não nos surpreender. Há anos ela acumula dívidas, não organiza campeonatos internos e sua gama de decisões consiste basicamente em escolher quem será o técnico da seleção. Com a decepção da eliminação precoce da Rio-2016 era natural que acontecesse o que aconteceu: Rubén Magnano não teve seu contrato renovado e não irá mais treinar a seleção nacional.

A decisão nos leva a uma quase obrigatória retrospectiva para analisar os resultados que ele alcançou no comando do time brasileiro. Em duas Copas do Mundo foram um lugar (2010) e um (2014); em Olimpíadas foram um (2012) e um (2016). Nos torneios menores, não muito mais sucesso, com um e dois NONOS lugares em Copas Américas e um lugar no Pan de 2011. O Pan de 2015, por outro lado, viu o único título do argentino.

Agora é a hora da pergunta essencial: isso é bom ou ruim? E boa parte da discussão sobre o basquete brasileiro passa pelas nossas expectativas do que DEVERIA ser.

Sobre os resultados olímpicos, por exemplo, é sempre bom lembrar que o país sequer se classificou para os TRÊS Jogos anteriores à chegada de Magnano. Sobre a Copa do Mundo, no entanto, o fato importante a ser lembrado foi o patético CONVITE para a participação do último, após não conseguir a vaga direta pela Copa América. Quando teve os melhores jogadores do país em mãos, Magnano montou bons e competitivos times, mas nunca espetaculares. Quando os caras da NBA recusaram os convites para descansar, tirar férias, se dedicar aos times da liga americana, aí Magnano não conseguiu tirar NADA do pessoal que joga por aqui ou na Europa.

O começo do fim do namoro, aliás, foi esse. A todo momento Magnano fazia questão de alfinetar os atletas da NBA que não vinham para cá, criando um clima péssimo: a imprensa acabava por perguntar sobre eles, a torcida foi jogada contra os caras e criou-se uma narrativa onde parecia que eles não vinham todo santo ano por pura falta de amor à pátria. Por fim, Magnano começou a ficar ultra defensivo sempre usando essa justificativa para falar dos maus resultados. Se no começo do seu tempo por aqui o papo era sobre ajudar o NBB, evoluir as categorias de base, desenvolver o basquete em diversas regiões do país e revelar jogadores, no fim o tema era um só: convencer “os NBA” a jogar pela seleção na Olimpíada. Talvez lidar com a CBB tenha sido demais pra ele.

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O foco dado para essa Olimpíada no Brasil foi enorme, por isso o mau resultado faz todo o período parecer pior do que foi. O grupo era dificílimo, com 5 times tradicionais e fortes brigando por 4 vagas. Um único coitado iria ficar de fora, e foi o Brasil. Um fim triste, mas que condiz com o que foi o histórico dessa geração na seleção brasileira. Muito sucesso na NBA (Nenê, Leandrinho, Varejão, Splitter, etc.), muito sucesso na Europa (Augusto Lima, Huertas, o mesmo Splitter, Raulzinho), total DOMÍNIO do cenário nacional (Alex, Marquinhos, Giovanonni), mas sem grandes conquistas pela seleção. Todos poderão se aposentar cedo ou tarde orgulhosos de grandes carreiras, conquistas individuais e títulos ENORMES por seus clubes, mas pela seleção simplesmente não rolou. Rubén Magnano tirou o Brasil da lama, colocou o time na mesma prateleira dos grandes, mas ficou no quase. Perde quase sempre por pouco, mas perde quase sempre.

Embora os resultados sejam um pouco broxantes, fico mais decepcionado com o fracasso de Magnano nas suas ambições iniciais de ajudar o basquete brasileiro a crescer. Sua péssima relação com a imprensa, a falta de humildade para conversar sobre suas decisões e para aceitar as críticas, fizeram com que ele se afastasse de um público que já tem dificuldade para se informar e saber o que se passa no basquete nacional. E, como disse acima, ele logo desistiu de bater de frente com a CBB para conseguir o que sonhava. Se no começo falava como um agente de mudança, no final estava como nós, criticando a formação de jogadores no país como se não pudesse fazer nada a respeito.

Assunto recorrente no nosso podcast, também sonhei que sua chegada poderia significar uma nova discussão (dessa vez com uma conclusão no final) sobre qual é o estilo brasileiro de jogar basquete, e como implantá-lo. Nos clubes brasileiros é difícil achar um padrão que mostre o que gostamos de fazer aqui, e nossas características históricas não parecem mais viáveis. O ex-jogador e técnico Marcel disse que o estilo brasileiro passa por armadores agressivos e pontuadores, que aceleram o ritmo do jogo. Faz sentido, a velocidade já fez muita parte da identidade brasileira, mas quem é esse armador? Não é nem Marcelinho Huertas nem Raulzinho ou Rafael Luz, os três armadores da Rio-2016. Quem mais se parece com isso é o ainda jovem Ricardo Fischer, mas será que ele dá conta? Além deles, nos últimos anos os únicos armadores que vi fazer a diferença no país com esse estilo foram gringos, Larry Taylor (que não jogava no mesmo nível pela seleção) e Nico Laprovittola.

A mesma crítica vai para outra característica clássica do basquete brasileiro, os arremessos de três pontos. Sem caras muito fortes, dominantes e grandes pivôs como os times europeus, o basquete brasileiro se desenvolveu com velocidade e tiros de longe, tirando proveito de quando a linha dos três pontos foi ganhando notoriedade no jogo. O ápice dessa arma de longe foi juntar Oscar Schmidt e Marcel no mesmo time, os nossos Splash Brothers do passado. Mas o que aconteceu depois disso? Tirando o Marcelinho Machado, o país parou de formar especialistas em chutes de longa distância. No NBB você acha alguns bons nomes, mas eles estão longe de serem os grandes nomes de seus times ou do campeonato e não têm espaço na seleção.

De uma hora para a outra, os grandes nomes do país não tinham NADA a ver com o jeito que sempre jogamos. De não termos jogadas pensadas para pivôs, nos tornamos o time que tinha Nenê, Anderson Varejão e Tiago Splitter brilhando na NBA ao mesmo tempo. De ser um time veloz que chutava tudo de três pontos, o Brasil virou o time que tinha, além das torres no garrafão, caras longe de serem arremessadores como Marquinhos ou Alex Garcia. A impressão é que achamos um monte de jogadores bons, mas com talentos diferentes que ninguém sabe como mesclar por aqui. Magnano até que conseguiu um pouco, mas aí viramos um anti-Brasil: time lento, focado em não cometer turnovers, com poucos arremessos de longe, pouca ousadia e muita defesa. Não discuto aqui qual é o melhor jeito de jogar basquete, não existe um único jeito vencedor, mas há certamente uma crise de identidade.

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Encontrar uma identidade nacional no basquete é bem mais simples que achar uma identidade nacional como um todo, e não estamos perto de uma resposta em nenhum dos casos. Para fazer isso dentro das quatro linhas é preciso de uma liderança que determine o pontapé inicial. Rubén Magnano começou bem isso ao assumir o posto que recebe maior atenção no país, o de técnico da seleção, e ao se cercar de promissores técnicos do país. Se Magnano determinasse algumas diretrizes e o José Neto colocasse elas em prática no Flamengo, o Demétrius no Bauru e Gustavo De Conti no Paulistano, poderia ser um bom começo. Cada técnico poderia empurrar isso para a forte base de seus clubes e, caso eles tivessem sucesso, naturalmente seriam copiados. Outros ainda pensariam em resposta a esse estilo e o jogo poderia crescer.

Não é o que acontece, porém. Sempre em busca de resultados, essenciais num país onde basicamente só existem contratos de um ano, e com elencos que mudam o tempo todo (pelo mesmo motivo), esses times sempre fazem o que dá. Acompanho mais de perto o Paulistano porque sou de São Paulo e porque trabalhei lá, e o que vi como maior talento do Gustavo como técnico foi justamente a adaptação. Num ano seus pivôs mal conseguiam dominar a bola direito, aí ele montou um time mais leve, cheio de arremessadores. No outro ele tinha o Caio Torres como melhor pivô do campeonato e então montou uma equipe que fazia de tudo pra colocar a bola na mão dele. Já teve pontuadores centralizadores, já teve todo tipo de armador. Já jogou com dois armadores ao mesmo tempo! Parece legal e até é, mas não seria ainda mais se ele pudesse pensar a longo prazo e implementar algo ao invés de estar eternamente se virando? Pior, não é um caso isolado por aqui.

Outro problema do basquete nacional é como os jovens promissores muitas vezes não deslancham como o desejado. Desde Betinho e Paulão Prestes até agora com a lenta evolução de Lucas Dias e Danilo Fuzaro, cansamos de ver jovens bons jogadores que ficam com status de promessa por tempo demais. Não tenho resposta para tudo isso, mas culpo um pouco o formato das coisas no Brasil. Faltam comissões técnicas robustas para se focar no desenvolvimento individual dos jogadores, e também falta o direcionamento dessa evolução. Na NBA víamos todos os jogadores querendo treinar seu jogo de garrafão com Hakeem Olajuwon quando isso parecia cool, agora metade da liga passa as férias treinando arremessos de três pontos. A nova moda é a dos alas pesadões querendo mostrar versatilidade para ser o novo Draymond Green. Há uma linha de raciocínio direcionando o jogo.

Aqui no Brasil falta o que eu gosto de chamar, meio sério meio piada, de basquete teórico. Falta gente discutindo basquete para saber o que se espera de um novo jogador ou de um cara promissor que busca o próximo passo. Faltam técnicos, jogadores, imprensa e ex-jogadores se batendo para falar que o futuro é X ou Y. No mundo ideal Rubén Magnano mostraria como ele enxerga o novo basquete e isso causaria uma série de respostas, a favor ou contra, mas não vimos nada.

É nessas horas que começam os argumentos do “apoio” e do “investimento” que tanto escutamos durante a Olimpíada para TODOS os esportes com exceção do futebol masculino. Qualquer derrota brasileira era culpa de falta de investimento e nunca do HERÓI que certamente iria vencer se tivesse melhores condições. Faltou investimento para o basquete? Quem deveria investir? Onde? Chegamos lá, esperem aí.

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Não sou a pessoa mais indicada para sair por aí defendendo a Folha de S.Paulo, mas fiquei do lado deles quando surgiu a polêmica do ‘Limão News’, quando estavam acusando o jornal de estar pegando pesado em sua cobertura, sempre com chamadas consideradas “negativas” e “azedas”. Um exemplo? Essa nota que dizia que o mito, lenda, gênio, épico Usain Bolt não conseguiria sequer um bronze nos 100m em Londres-2012 com o tempo que fez no Rio.

Apesar do jornal também ter dado a matéria genérica que todo mundo deu sobre ele ter sido o primeiro tri-campeão da história da prova as pessoas não lidaram bem com um texto que dizia algo além do “ele é gênio, mito, etc”. O jornalismo vive diversas crises dentro dele, no miolo das redações, mas há também a crise fora dos jornais: as pessoas não sabem para que ele serve, o que deveria fazer e alguns nem sabem diferenciar colunas de notícias, análises de comentários.

A intenção das pessoas com essa crítica à Folha é boa. Elas querem que os esportes que pouco recebem nossa atenção ao longo do ano sejam valorizados quando finalmente estão sob os holofotes. Na prática, porém, acabam por seguir tratando os esportes como coisas secundárias. Eles viram o primo mais novo, fofo, digno apenas de tapinha nas costas e não das críticas e análises que são as grandes contribuições que a imprensa pode dar a um esporte.

Na discussão da identidade do esporte a função da imprensa, e os blogs fazem parte disso, seria justamente jogar a conversa, as informações, análises e dados para o público. Mas aí não podemos ter síndrome de coitadinho: falar de um esporte a sério envolve não elogiar tudo e todos sempre. Os blogs teriam ainda uma função grande porque a imprensa em geral nem está dando a minima para o basquete, né? Chato, mas não culpo eles. O papel dos grandes jornais e emissoras é ler o interesse do público e informá-los sobre isso. As exceções são coisas que o público pode até não se interessar, mas DEVERIA, como questões políticas e econômicas. O basquete é importante pra mim, pra você que ASSINA UM BLOG DE BASQUETE, mas não para a sociedade brasileira.

É aqui que voltamos para a questão do apoio. O governo federal, de diversas maneiras, até usando suas estatais, investiu uma grana pesada no esporte nacional nesse ciclo olímpico. Para ter mais medalhas deveria ter investido antes, para cada bilhão render mais medalhas deveríamos ter confederações esportivas mais organizadas, mas falta de dinheiro não foi. Não à toa o país teve resultados históricos até em casos sem medalha, como na esgrima, caiaque slalom ou tênis de mesa.

Mas lembra da questão da identidade nacional? Pois é, por mais que a cerimônia de abertura tenha feito um bom trabalho trazendo alguns temas-chave, nós não sabemos quem somos e nem quem queremos ser. Deveríamos ser um país onde o governo nos dá de tudo em troca de muitos impostos? Ou nos viramos com liberdade e Estado mínimo? Queremos ser uma potência olímpica? É caro! Queremos ser um país do petróleo ou do etanol? Queremos ser EUA, China, Suécia ou França? Ninguém sabe, e nós não sabemos se é certo ou errado investir tanto dinheiro para que alguns atletas de alto rendimento busquem medalhas em esportes que a gente assiste a cada quatro anos.

O basquete, porém, não pode esperar o Brasil resolver quem quer ser. Nós aqui no Bola Presa não esperamos todos os fóruns de jornalistas e publishers definirem qual é o futuro das mídias no país e no mundo. O que fizemos foi apostar no nosso nicho: tem uns malucos que realmente gostam da gente, será que eles aceitam bancar o blog? Vocês, malucos, toparam. O basquete precisa deixar de viver só do apoio dos outros, precisa parar de chorar chances que fariam o esporte “explodir” (final de campeonato na Globo, medalha olímpica, um grande ídolo…) e simplesmente abraçar a comunidade basqueteira que continua assistindo e jogando: entre jogadores, ex-jogadores, técnicos e entusiastas em geral, como podemos fazer para desenvolver nossos campeonatos, discutir o jogo, formar melhores jogadores e encontrar nosso canto no mundo?

Talvez a gente não possa mais ser a potência que fomos 50 anos atrás, mas está tudo bem. Nosso complexo de vira-lata que faz acharmos que tudo é melhor nos outros lugares só existe porque lá no fundo a gente acha que o Brasil DEVERIA ou MERECE ser melhor. Nos irritamos com as coisas melhores na grama do vizinho porque vemos que se não fosse por culpa de X, Y, Z ou da corrupção, a nossa deveria ser a melhor de todas. O Brasil é um megalomaníaco com problemas de auto estima, mas ainda um megalomaníaco.

Se o Brasil não voltar a ser uma das 4 forças mundiais que foi entre os anos 60 e 70, tudo bem. Se o próximo Oscar ou o próximo Wlamir demorarem um pouquinho mais, também tudo bem. O importante é a gente falar sobre basquete, é a garotada ter onde jogar e ter alguém para treiná-las. É que quem esteja na quadra saiba o que quer e qual é o caminho. Os resultados aparecem depois, nos cruéis detalhes que não penderam para nosso lado na Rio-2016.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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