O campeão dançou

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O Tyson Chandler tem uma mão esquerda que flutua sozinha

Assim que o Tyson Chandler foi para o Knicks por um contrato de 14 milhões por ano, coisa de estrela, comparei seu caso com o de Kendrick Perkins no Celtics: o valor pago não é tanto para aquilo que o jogador pode fazer de verdade, mas por aquilo que ele representa, para a importância que pode ter na transformação de uma equipe. A saída de Perkins de Boston simbolizou o fim de uma família, de uma mentalidade, e a equipe perdeu uma âncora defensiva que antes de sua saída nem sequer tínhamos certeza de que existia. A chegada de Perkins no Thunder (e do Tony Allen no Grizzlies) foi como a chegada simbólica de uma nova atitude. Ambos instituíram em suas equipes um regime de reuniões de vestiário, de implicação de responsabilidades, e de ajuda mútua constante. Quando o Knicks suou as pitangas para conseguir Chandler, era isso que julgava estar adquirindo.

O lado do Knicks foi amplamente analisado por aqui. Eu só não imaginava que, assim como o Celtics sentiu a saída do Perkins, o Mavs sentiria a saída do Chandler. Então é hora de analisar o lado dos atuais campeões, até agora incapazes de conseguir uma vitória na temporada sem o seu antigo pivô no elenco.

Antes de mais nada, é importante lembrar que o Mavs não foi uma dessas super-equipes montadas de repente para disputar o título e que se sagrou campeã só porque conseguiu gastar mais grana do que as outras. A grana a ser gasta sempre esteve aí, desde que o bilionário nerd Mark Cuban assumiu a franquia, mas o elenco tem sido montado há uma década com resultados diversos. Às vezes, o excesso de grana até atrapalha um pouco: houveram tempos em que qualquer jogador bom dando sopa recebia um contrato do Mavs, que acabava adicionando peças bastante aleatórias e tinha que se virar para dar minutos para todo mundo. Adições de uma temporada para a outra nunca faltaram, aparecem às dúzias, mas não é sempre que elas aparecem com algum critério, tentando assumidamente arrumar algum buraco da equipe. Antes da temporada passada começar o Mavs tinha a consciência de que precisava de um pivô defensivo para segurar as pontas, e aí – porque o dinheiro não falta – acabou adicionando tanto o Brandon Haywood quanto o Tyson Chandler. O Haywood se mostrou um quebra-galho, mas o Chandler acabou por tornar real algo que a franquia sabia possível mas não sabia como executar: uma defesa matadora.

O DNA do Mavs está ligado ao pai bizarro Don Nelson, então é uma equipe em que o primeiro instinto é de jogar na  velocidade, no contra-ataque e abusar dos arremessos do perímetro. Só com a defesa instituída pelo técnico Avery Johnson, no entanto, o jogo ofensivo de velocidade adquiriu consistência. Times como os do Don Nelson ou do Mike D’Antoni abusam da velocidade em todas as situações, repondo a bola o mais rápido possível, correndo para o ataque e tentando pegar os adversários com a defesa desprevenida ou desorganizada. É comum que, impondo esse ritmo de jogo, eventualmente um armador esteja sendo marcado por um pivô, e com decisões rápidas no ataque é possível se aproveitar desses deslizes. O problema é que trabalhar em tanta velocidade aumenta o número de erros, de desperdícios de bola, de arremessos forçados, e ainda cansa os jogadores fisicamente. É complicado manter esse ritmo no ataque e ainda ter disposição física para defender, e quando forçados a jogar em meia-quadra por equipes que conseguem diminuir a velocidade do jogo, essas equipes não sabem como pontuar e acabam se baseando apenas em jogadas forçadas do perímetro. Os times do Don Nelson sempre foram pragueados por decisões ruins tomadas especialmente nos momentos cruciais das partidas, quando é importante saber diminuir o ritmo e ter uma bola de segurança. Já as equipes do Mike D’Antoni, que tomavam boas decisões porque contavam com o Steve Nash, sempre tiveram problemas contra as equipes como o Spurs, que impõe um ritmo mais lento de jogo e forçam os adversários a ter que trabalhar uma jogada.

O Mavs, então, nunca foi um desses times que rouba a bola na defesa e se aproveita do contra-ataque. A correria independia da defesa, era constante, e no caso do Mavs sempre terminou em bolas rápidas de 3 pontos. Quando Avery Johnson melhorou a defesa da equipe, começou uma tímida cultura de contra-ataques, mas ainda assim sempre houve muita dificuldade em jogar sem ser na velocidade. Em geral, quando forçado a jogar na meia-quadra, o Mavs sempre usou jogadas simples de isolação, quase sempre com o Nowitzki. É por isso que o Jason Kidd teve tanta dificuldade em se encaixar no Mavs: sem uma defesa capaz de gerar contra-ataques constantes, como aqueles em que estava acostumado nos tempos de Nets, grande parte da sua função era apenas passar a bola para o lado até que alguém fosse isolado. Definitivamente não era a melhor maneira de usar suas habilidades.

Nowitzki é o jogador perfeito para um basquete lento, cadenciado, mas incapaz de defender de maneira sólida; Jason Kidd  é perfeito para um basquete de velocidade, focado nos contra-ataques, e que depende de uma defesa feroz que cause erros do adversário. O Mavs nunca foi um time que se encaixa muito bem, como podemos ver, as peças sempre chegaram aleatoriamente e o Kidd não foi exceção, mas jogadores talentosos sempre dão um jeito de funcionar juntos.

Tyson Chandler foi mais uma peça aleatória, mas sua capacidade atlética no garrafão e sua mentalidade defensiva permitiu que o Mavs se concentrasse na defesa do perímetro, afunilando os adversários para o miolo do garrafão, onde o Chandler cuidava do resto. De repente o Mavs tinha um plano defensivo eficiente contra todas as equipes, os jogadores adversários passaram a ter medo de infiltrar no garrafão, e até o Kobe fez xixi nas calças e passou uma série inteira dos playoffs arremessando do meio da quadra pra não ter que se aproximar do aro. O Mavs se tornou um time orgulhoso defensivamente, solícito, forte, e que viu seu ataque em velocidade ser finalmente eficiente de verdade. Com mais rebotes, mais tocos, mais erros forçados, o Mavs conseguia impor mais correria, encaixar mais bolas de 3 pontos e não ter que depender tanto das jogadas de isolação. Aquilo que a equipe procurou desde o primeiro segundo em que o Don Nelson foi mandado embora só se consolidou com a chegada do Chandler, e aí o time foi campeão. Grana pra burro, dá pra contratar todo mundo do planeta, mas a coisa só funciona de verdade quando um plano de quase uma década ganha de repente as peças certas, e quando aquela semente do Don Nelson pode ser usada em toda sua potência com uma defesa que a permitiu florescer.

É uma história linda, pode virar filme com o Selton Mello ou novela do SBT, mas pelo jeito o Mark Cuban não entendeu muito bem a situação. Parece ter considerado que suas adições aleatórias à equipe podem continuar, que quem for embora pode ser substituído por outros jogadores aleatórios que estiverem disponíveis. Não percebe como a caminhada do Mavs ao título não foi por causa da grana, mas sim um longo processo até que os jogadores certos tornassem possível o plano tático certo. Deixando Tyson Chandler sair e trazendo outros caras nada a ver, como o Vince Carter, todo aquele longo processo foi para o saco.

Eu nem tenho nada contra o Vince Carter, pelo contrário. Acho o Carter um exemplo de jogador que foi capaz de se reinventar quando tantos outros, supostamente mais talentosos, não conseguiram. Todo mundo deve se lembrar daquela anedota do Carter nos tempos de Raptors, enfrentando o Celtics. Puto da vida querendo ser trocado, insatisfeito com seu time, Carter perdia o jogo por apenas um ponto com um par de segundos sobrando no cronômetro e pediu um tempo técnico para que sua equipe montasse uma jogada. Ao voltar do tempo técnico, o Carter passou na frente do banco do Celtics e falou algumas palavras. Diz a lenda que aquelas palavras eram exatamente qual jogada o Raptors iria fazer naquele arremesso final, o Celtics então defendeu aquela jogada como se soubesse o que iria acontecer e o Raptors perdeu o jogo. A anedota queimou o Carter feio, ficou conhecido como jogador vendido, marrento, estrelinha e causador da fome na África. Quando foi para o Nets jogar com Jason Kidd, deu uma caralhada de arremessos imbecis no final dos jogos, querendo ganhar tudo sozinho. Mas os poucos foi se acalmando, entendendo seu papel na equipe, e quando o Nets resolveu mandar todo mundo embora para se reconstruir, o Carter acabou sobrando por lá. Nem por um segundo reclamou de nada, não pediu para ser liberado ou trocado, não reclamou de passar longos períodos no banco de reservas para que os novatos da equipe jogassem, e o mais importante: não dedou mais nenhuma jogada nos segundos finais. Pelo contrário, todas as notícias vindas de New Jersey dizem que Carter tornou-se um líder no vestiário, ajudava os novatos, passou a obedecer o polêmico esquema tático (que era medonho, admito) e liderava pelo exemplo. Vince Carter ainda está na NBA, mesmo velho e muito longe do potencial que um dia teve, quando era uma das grandes estrelas da liga. Enquanto isso, companheiros da sua época como Marbury, Steve Francis e Allen Iverson, todos tão bons ou melhores do que ele, viraram farofa porque foram incapazes de mudar suas imagens perante a liga. O Carter é bom moço, maduro, focado e tem um emprego. Como isso aconteceu eu não sei, mas é mérito total dele numa época que expurgou como câncer todos os jogadores que ousavam querer brilhar mais do que os outros.

Mas esse Carter, por mais bacana que tenha se tornado, não traz nada de que o Mavs precise. No máximo o Mark Cuban deveria sair com o Carter para tomar um suco e comer um sanduíche, não precisa contratar o sujeito. Muitos dizem que o Carter é tão amaldiçoado quanto o Clippers, e que nenhum time em que ele pise jamais conseguirá ser campeão. Mesmo se não for o caso e o Carter não tiver sido amaldiçoado pelo Valdemort, ainda assim não é uma aquisição que supra os buracos que o Mavs enfrenta. Falta à equipe um pivô à altura do Chandler, capaz de intimidar a infiltração dos adversários, e falta também um jogador capaz de segurar a bola e costurar a defesa agora que JJ Barea escafedeu-se. O JJ Barea não é nenhum gênio, aliás sempre desconfiei que ele jogava melhor justamente nas vezes em que esquecia o cérebro na geladeira de casa, então é fácil substituí-lo – o próprio Roddy Beaubois, que volta de lesão, tem tudo para cumprir bem esse papel descerebrado. Mas sabe quem não tem condições de ficar costurando defesas e atacando a cesta? Vince Carter e seus joelhos de farinha. No máximo será um arremessador de luxo na equipe, algo que o Mavs já tem aos montes.

Mesmo a aquisição do Lamar Odom, que foi praticamente de graça depois que a troca do Lakers com o Hornets foi anulada, simplesmente não funciona – e por vários motivos. Primeiro, o Lamar Odom tem sérias dificuldades em se focar em quadra. Quando está concentrado e motivado, ele é um dos jogadores mais completos da NBA e um perigo constante no ataque porque seu tamanho e sua velocidade não casam com nenhum marcador adversário – ou os jogadores são muito menores do que ele, ou são lentos demais para acompanhar suas infiltrações rumo à cesta. O problema é que os torcedores do Lakers sabem muito bem quão difícil é o Odom estar com a cabeça no jogo, ele facilmente parece desinteressado, toma decisões estúpidas e se torna quase invisível em quadra. Trocado da equipe em que passou os últimos anos, sentindo-se indesejado, mandado para a equipe rival, e além de tudo para longe da cidade em que vive sua nova esposa, a Khloe Kardashian. Como diabos alguém esperava comprometimento do Odom frente a tudo isso? Não é de se espantar que ele tenha chegado tão fora de forma que foi obrigado pelo Mavs a treinar por duas horas, sozinho, no único dia que o time teve de descanso desde que a temporada começou. E não foi só isso: também foi obrigado a chegar algumas horas antes de seus companheiros no jogo contra o Thunder para continuar seus treinamentos físicos. O Odom está uma bolinha desmotivada, não serve pra nada.

O segundo motivo pro Odom não dar certo nesse Mavs é que não existe posição em que ele possa jogar. Em sua posição natural joga o Nowitzki, que deve sentar o mínimo possível. Como reserva do Nowitzki, o Odom teria como função ser isolado e arremessar, justamente o ponto fraco do seu jogo. Caso jogue como ala de força e o Nowitzki seja rebaixado para pivô, o Mavs passa a ser uma equipe ainda mais medonha em parar e intimidar infiltrações adversárias, comprometendo na defesa. Se jogar apenas como ala, Odom terá que defender grande parte das estrelas da NBA, algo que não conseguiria fazer e que atualmente é função de Shawn Marion. Vindo do banco, o papel de pontuador e de armador vai para o Jason Terry, e o Odom seria apenas um reserva secundário. Cabe a ele, então, uma função ainda menor do que tinha no Lakers ou então uma função enorme que vai comprometer o garrafão e o funcionamento da equipe que foi campeã da temporada passada.

O Lamar Odom veio de graça e é um belo jogador, Playboy dada não se olha os dentes, mas às vezes você dá de frente com a Playboy da Mara Maravilha e percebe que é melhor ter cautela se não quiser ter sua infância traumatizada por toda a vida (experiência própria). Odom só terá espaço nesse Mavs se houver um chato trabalho de reconstrução do funcionamento tático, algo que não aconteceu sequer quando o Jason Kidd chegou. Será que Odom é talentoso e focado o bastante para se adequar à equipe, ao que precisam que ele faça, e conquistar seus minutos? A resposta veio rápido: em seu primeiro jogo com o Mavs, completamente fora de forma, Odom reclamou do juíz e foi expulso rapidinho. No segundo jogo, errou as 5 bolas de três pontos que tentou (acertando só um de dez arremessos de quadra). No terceiro jogo, errou as 4 bolas de três que tentou (acertando 2 dos seus 11 arremessos de quadra). Temos então um Odom fora de forma que só arremessa uns tijolos do perímetro sem parar.

Mas também não é como se o resto da equipe estivesse fazendo muito diferente. Com uma defesa que não força erros, não tapa o aro e não consegue rebotes, o Mavs acaba dependendo de novo de jogadas de isolação e de arremessos de três pontos forçados. Contra o Heat, o Mavs tomou 44 pontos no garrafão, pegou 20 rebotes a menos do que o adversário, e tentou 28 bolas de três pontos (acertando 9). No segundo jogo, pequena melhora: foram “apenas” 40 pontos tomados no garrafão contra o Nuggets, acertando 8 das 27 bolas de três pontos que tentou.

O terceiro jogo, comentado pelo Denis no resumo da rodada de ontem, foi mais promissor: o Mavs conseguiu apertar mais a defesa e forçou muitos erros do Thunder. O problema é que o Thunder já mostrou que basta forçar o Westbrook a jogar em velocidade para que ele cometa 8 bilhões de erros por jogo, colocando tudo a perder, então há pouco mérito do Mavs. No resto, tudo igual: levou 36 pontos no garrafão e acertou 9 das 26 bolas de três pontos que tentou.

O ataque tenta se arrumar como pode, Delonte West entrou bem no time titular e foi capaz de girar mais a bola e criar algum espaço para os arremessos. Nowitzki continua sendo isolado, criando seus pontos, e encontrando companheiros livres no perímetro. Mas não se fala em outra coisa nos vestiários a não ser na defesa do Mavs que foi embora: teve o Nowitzki recentemente dizendo que é difícil jogar em velocidade quando não se consegue rebotes ou erros adversários, teve o técnico Rick Carlisle dizendo que terá que ensinar defesa tudo de novo para sua equipe, melhorar seu próprio trabalho, começar de novo.

Um time campeão capaz de começar a temporada com 3 derrotas seguidas, parecendo perdido em quadra e regredindo quase uma década em seu estilo de jogo? É pra já. Ficamos então com uma lição valiosa: Tyson Chandler não é gênio, não vai descobrir a cura da AIDS, não é o melhor defensor da NBA; mas se você finalmente monta um elenco capaz de colocar em prática um estilo de jogo que foi campeão da NBA, agarre esse elenco com unhas e dentes e dinheiros. Porque acreditar que dinheiro é capaz de trazer outras peças, reposições quaisquer, e que ninguém vai sentir falta dos jogadores que forem embora, isso é furada. Vimos com o Clippers que dá pra formar um bom time mesmo sem depender da grana. Agora vimos com o Mavs como dá pra jogar um time no lixo apesar de ter grana saindo pelas orelhas. Se não houver um reforço nesse garrafão, se o Mavs não encontrar um modo de retomar a defesa que lhe levou ao título, essa será uma temporada perdida para Nowitzki e seus amigos.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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