O técnico Scott Brooks teve uma passagem inegavelmente vitoriosa pelo Oklahoma City Thunder, ganhando o prêmio de Técnico do Ano em sua primeira temporada completa no comando da equipe ao levar um elenco improvável aos Playoffs e, nas quatro temporadas seguintes, alcançando as Finais da Conferência Oeste duas vezes e as Finais da NBA uma vez. O problema é que nunca ficou evidente quanto desse sucesso do Thunder era, de fato, responsabilidade de Brooks. O time contava com Kevin Durant, Russell Westbrook e, em parte do tempo, com James Harden, o que facilitaria a vida de qualquer técnico. Além disso, em suas cinco temporadas no comando da equipe, o Thunder sempre sofreu com uma notória falta de criatividade ofensiva, ataques estagnados, pouco poder de variação nos momentos decisivos e uma dificuldade incrível de colocar seus melhores jogadores em condições adequadas para que pontuassem. A fama de Scott Brooks como um técnico que não sabia usar seu elenco – ou, no mínimo, um técnico que não sabia levar seu elenco “ao máximo” – foi se consolidando aos poucos na NBA. Na primeira temporada em que o time verdadeiramente escorregou, graças a uma lesão grave em Kevin Durant e a consequentemente não-classificação para os Playoffs com uma nona colocação nos critérios de desempate, Scott Brooks foi demitido para que assumisse Billy Donovan.
Os primeiros sinais de que Scott Brooks talvez não fosse o responsável pela estagnação da equipe vieram na primeira temporada de Donovan como técnico, já que o Thunder apresentou as mesmas limitações e não foi capaz de expandir seu arsenal de jogadas significativamente. Entrevistas de Kevin Durant e Russell Westbrook davam a entender que a ausência de jogadas elaboradas era e sempre havia sido PROPOSITAL, resultado da enorme capacidade dos dois jogadores de decidir qualquer ataque contra seus marcadores. O estilo de Scott Brooks e sua real capacidade de liderar equipes teria que esperar, portanto, a próxima experiência dele como técnico. Só assim teríamos possibilidades de comparar seus resultados e ver como seu modo de jogo ajusta-se a diferentes estilos de jogadores.
Depois de um ano parado, Scott Brooks assumiu o Washington Wizards para essa temporada após o desastre que foi a equipe na campanha anterior. Após duas derrotas em temporadas consecutivas apenas nas Semi-Finais da Conferência Leste, o Wizards sequer alcançou os Playoffs em 2015-16, amargando uma décima colocação verdadeiramente vergonhosa frente às expectativas que o time havia construído publicamente. O cenário é ideal para que possamos identificar o estilo e o talento de Scott Brooks: é um time bom o bastante, tendo avançado nos Playoffs duas vezes em três anos com um elenco virtualmente idêntico ao atual, e vem de uma campanha desastrosa que deu carta branca para que quaisquer alterações internas fossem feitas para retomar o rumo da franquia. Não falta ao Wizards talento, estrelas ou jogadores capazes em qualquer posição, dando a Brooks a matéria-prima necessária para uma campanha vencedora.
Como Scott Brooks, então, respondeu à sua nova função? Perdendo seus três primeiros jogos e encerrando suas dez primeiras partidas com apenas duas vitórias na tabela. Para termos ideia, em toda a história da NBA apenas OITO times foram capazes de ter um começo TÃO RUIM de temporada e ainda assim conseguir um recorde positivo, ou seja, com mais vitórias do que derrotas ao término da temporada regular. Não foi à toa que seu comando foi tido como desastroso ainda no primeiro mês como técnico do Wizards e toda sua passagem pelo Thunder começou a ser amplamente ressignificada à luz das novas circunstâncias: parece que seu sucesso era apenas mérito de Durant e Westbrook, afinal.
Mas conforme a temporada avançou o Wizards começou a se recuperar, alcançou a marca de 17 vitórias consecutivas dentro de casa, transformou Washington numa cidade temida pelos adversários e, nesse segundo, encontra-se em terceiro lugar no Leste, na frente de um Raptors que sofre com lesões de DeRozan e Kyle Lowry, e apenas um jogo atrás de um Celtics que encontra-se em má fase e viu Isaiah Thomas reclamar publicamente da performance da equipe. Em grande momento, o Wizards tem todas as condições de terminar a temporada como a segunda força de sua Conferência. Com uma recuperação dessas, especialmente se lembrarmos de quão abatido e desmotivado estava o Wizards após o início de temporada abismal, já não dá mais para negar os méritos de Scott Brooks. É seu estilo de treinar quem está carregando a equipe a um topo que ninguém em são consciência julgava ser viável há dois meses atrás.
O engraçado é que isso ainda não aparece tanto na parte tática, no desenho das jogadas, que era o principal ponto de reclamação de seus tempos de Oklahoma – muito do que o Wizards faz hoje é reminiscência do que foi implantado pelo técnico anterior, Randy Wittman. E apesar do discurso que favorece a defesa, proclamando que o Wizards é e precisa ser um time que defende primeiro e ataca depois, não o contrário, nem a defesa nem o ataque são topo de linha, com a defesa sendo a décima melhor da NBA em pontos concedidos a cada 100 posses de bola, e o ataque sendo o nono melhor em pontos marcados a cada 100 posses de bola. É uma equipe acima da média mas não exatamente espetacular em nenhuma área, e sem nenhuma inovação significativa no modo de jogar que condenou o time na temporada passada. Onde é que está o dedo de Scott Brooks, então?
Foi Brooks quem, após o fracasso inicial, reclamou publicamente que John Wall estava sendo o pior defensor da equipe DISPARADO.
Mas ao invés de simplesmente manter essa crítica no ar, deu IMEDIATAMENTE as ferramentas para que John Wall se redimisse: sentou com ele para mostrar em vídeo todos os erros defensivos do armador e lhe garantir que para melhorar bastariam duas coisas, correr de volta para a defesa com a mesma intensidade que ele corre para o ataque, e estar em posição defensiva quando os outros jogadores estiverem se preparando para bater para a cesta. Foi o suficiente para que o próprio John Wall admitisse que, vendo os vídeos, parecia ser realmente o pior defensor do mundo, mas que Scott Brooks lhe pediu apenas mais esforço, não grandes ajustes táticos. O armador ganhou um desafio pessoal, algo que ele precisa pensar individualmente em todas as posses de bola: voltar correndo em posição defensiva. Apenas isso.
Outros jogadores da equipe relatam histórias parecidas, todos com objetos individuais totalmente desatrelados dos planos táticos coletivos. Markieff Morris foi desafiado a passar menos tempo dentro do garrafão, especialmente na defesa; Brandon Jennings foi desafiado a arremessar mais desde o segundo em que pisou em Washington; Bradley Beal foi desafiado, em formato de aposta, a ser um dos únicos 6 jogadores a conseguir arremessar 20 bolas de três pontos num jogo. São objetivos simples, claros, diretos, capazes de aos poucos introduzir os jogadores a novos hábitos que são essenciais para o funcionamento geral da equipe.
Scott Brooks insiste em suas entrevistas que basquete é “fácil”, querendo dizer que para jogar direito não é necessário nenhum malabarismo tático. Segundo ele, se todo mundo estiver correndo, se esforçando, tentando contestar os arremessos e arremessando as bolas sempre que estiverem livres, as vitórias virão mais do que as derrotas. É por isso que ele é considerado um “técnico de jogadores”, alguém que consegue se comunicar com seus comandados, dar-lhes metas simples, exigir que o basquete seja jogado com esforço e comprometimento, e não perde tempo exigindo as coisas que, segundo ele, virão “naturalmente” com o tempo, com o entrosamento, com a experiência. Se você não jogar com com energia e não se comprometer na defesa, Scott Brooks não lhe deixará em quadra – a rotação da equipe, que começou a temporada sendo de 12 jogadores, foi reduzida para 8 mesmo sem nenhuma lesão significativa. Segundo ele, existe um jeito “certo” de se jogar, um jeito que ele “exige” dos jogadores, mas desde que isso esteja ocorrendo, não existem outros erros que não sejam relevados. Não existem grandes movimentações ofensivas a serem cumpridas ou quebradas, todos os jogadores possuem muita liberdade espaço para criatividade. Mas se você voltar andando para a defesa, está tudo acabado.
O resultado é um elenco que está sempre experimentando em tempo real com suas jogadas de ataque em busca de descobrir sozinho, por meio de tentativa e erro, o que funciona ou não para eles. A única consistência da equipe é a intensidade: os arremessadores arremessam sem dó, Bradley Beal está proibido de dar arremessos de dois pontos quando estiver marcado e tem como objetivo pessoal infiltrar agressivamente no garrafão quando não estiver no perímetro, Markieff Morris precisa caçar qualquer arremessador de três que esteja em sua proximidade mesmo que para isso abandone a proteção do garrafão, e todo mundo precisa defender em transição. É uma questão de intensidade, energia e pequenas metas pessoais. Pode parecer pouco, especialmente quando o Wizards parece incapaz de encontrar uma única jogada que funcione em momentos cruciais de algumas partidas, ou acabam repetindo o mesmo arremesso fracassado por várias posses de bola a fio, mas essa abordagem de Scott Brooks foi suficiente para transformar por completo o clima da equipe e o rendimento da maior parte dos jogadores. Cada jogo é uma nova oportunidade de melhorar e de vencer, de buscar cumprir aqueles objetivos pessoais e de encontrar novas soluções conforme cada jogador se acostuma com seus companheiros. A cobrança é dura porém pontual, individualizada, justa e sempre apresenta as maneiras de que o erro seja concertado, geralmente com um novo desafio que envolve esforço e dedicação física. Numa liga em que jogadores são muitas vezes crucificados por problemas coletivos ou por não conseguirem boas performances, e na qual muitos jogadores morrem de medo de arremessar demais ou cometer erros bobos, o Wizards construiu um ambiente incrivelmente simples, em que ninguém tem medo demais de fazer a sua parte.
Ainda que estatisticamente Bradley Beal ainda não tido aquela temporada arrasadora que seu salário parece exigir aos olhos dos torcedores, não restam dúvidas de que ele já é um jogador muito melhor sob comando de Scott Brooks. Ele arremessa sempre que faz sentido sem questionar o próprio arremesso, evita as bolas de baixo aproveitamento e ataca com uma nova agressividade que libera espaço para que John Wall possa também fazer uso de seu arremesso.
Otto Porter Jr., agora com carta branca para arremessar desde que o faça com velocidade e sem hesitação, está tendo não apenas a melhor temporada de sua carreira, mas também a melhor temporada dentre todos os arremessadores em 2016-17. Por quaisquer critérios que se adote (porcentagem em arremessos de três, True Shooting, EFG%) Otto Porter é o arremessador mais eficiente a não ser um pivô na NBA atual, algo surreal levando em consideração como tem aumentado seu volume de arremessos nos últimos meses. Líder nas bolas de três disparado com mais de 45% de aproveitamento, ele se tornou exatamente o que o Wizards precisava para espaçar a quadra e criar uma ameaça real na zona morta sem que nenhum ajuste tático maior tenha sido feito para isso. Ele apenas passou a arremessar mais, com mais confiança, com mais velocidade e, com isso, passou a ser acionado com mais frequência.
Casos como esse são exemplos de que muitas vezes um time pode ser não necessariamente uma coletividade completa, com um plano tático a que todos os jogadores se ajustem, mas sim a simples soma de várias partes distintas, em que cada um acaba se beneficiando individualmente da melhora individual de outro jogador. Não podemos pensar em Scott Brooks como um dos exemplos da extremamente bem sucedida nova geração de técnicos estatísticos mergulhados nas planilhas, mas isso não significa que ele não seja um técnico exemplar: sua capacidade de falar com os jogadores, de cobrar sem comprometer o ambiente da equipe, de exigir uma postura sem tornar os vestiários um acampamento militar, e de construir uma equipe que é a soma de indivíduos diariamente desafiados e em constante evolução é sem paralelos na NBA. Sem grandes mudanças nem reconstruções, finalmente John Wall tem uma estrutura na qual pode ser visto e lembrado como um dos melhores armadores da Liga, algo que ele sonha acontecer desde que começou sua carreira profissional. Após anos se sentindo “deixado de fora” da elite da NBA, John Wall joga com um ânimo renovado, se beneficiando da melhora de seus companheiros e das vitórias que não param de chegar. Parece uma conquista bem impressionante quando lembramos que o preço foi apenas correr de volta para a defesa…