O fardo de Paul George

Quando a temporada retrasada estava prestes a começar, Frank Vogel, então técnico do Indiana Pacers, anunciou que Paul George deixaria sua posição tradicional – small forward, o ala tradicional – para jogar cada vez mais como power forward, o ala de força ou ala-pivô. A resposta de Paul George, à época, foi imediata: não se sentia confortável com a transição e nem acreditava ser o momento certo de sua carreira para mudar seu modo de jogo. Houve um cuidadoso trabalho da comissão técnica e até mesmo dos dirigentes, incluindo o diretor do Pacers, Larry Bird, para que o jogador sequer topasse fazer uma tentativa. Depois da primeira partida na pré-temporada, já saiu dizendo que não havia funcionado, que ele precisaria analisar os vídeos e conversar com a comissão para descobrir se realmente fazia sentido continuar insistindo com aquela loucura. Três meses depois, no começo de 2016, já não se via nem sinal do experimento. Seus minutos como ala de força foram diminuindo progressivamente, até que chegou o momento que o franzino CJ Miles (que não chega a dois metros de altura) já havia se estabelecido inteiramente na posição toda vez que o Pacers insistia em jogar pequeno, se arriscando no small ball. Se Paul George jogou como ala de força após isso foi por mero acaso, situação circunstancial, tapando buraco de alguma coisa que saiu do planejado. A estrela do Pacers pode dormir tranquila: sua posição é no perímetro.

A tentativa do Pacers está na mesma chave de todo o resto da NBA, cada vez mais apaixonada por um basquete menor, mais leve e mais rápido, interessada em colocar cinco jogadores de forma coesa em quadra ao invés de se prender aos ditames do posicionamento tradicional. A ideia de colocar George como ala de força foi namorada desde que LeBron James jogou muitos minutos nessa posição durante as Finais de 2013 e tornou-se mais palpável conforme o sucesso do Warriors com Harrison Barnes na posição se tornava mais óbvio. Alas tradicionais como Kevin Durant e Carmelo Anthony começaram a ser igualmente empurrados rumo ao garrafão, com graus diferentes de conforto e sucesso. Carmelo sempre resmungou, indiferente ao aumento de eficiência que mostra quando está mais perto do aro; Durant sempre disse gostar da mudança de posição, alegando que ela permite que ele seja mais “imprevisível”, aumentando seu repertório de jogadas no ataque. O próprio LeBron alegadamente resistiu à mudança no começo – e insistiu para voltar a ser um small forward quando retornou ao Cavs – mas foi convencido pelo técnico Erik Spoelstra através da magia dos números, dos vídeos e das estatísticas.

Ter alas de força menores, mais rápidos, capazes de arremessar de longe, de puxar contra-ataques e de liberar espaço no garrafão tende a melhorar incrivelmente a eficiência ofensiva de qualquer equipe. Hoje em dia, há mais espaço para arremessar quando se é um ala de força do que um ala tradicional, já que os small forwards são obrigados a lidar com marcação mais próxima e individual no perímetro enquanto os power forwards estão sempre entrando e saindo de um corta-luz, deixando a marcação no caminho ou arrastando para o perímetro marcadores mais lentos, pesados ou que não podem abandonar seus postos de defensores do garrafão. O pick-and-pop, situação em que um jogador faz um corta-luz e depois se afasta na direção da linha de três pontos enquanto a defesa se foca no armador que está com a bola, ainda é estatisticamente a melhor situação de arremesso de longa distância. Quando um ala de força realiza a jogada, em geral seu defensor é justamente quem precisa cobrir a possibilidade de infiltração aberta pelo corta-luz, criando ainda mais espaço para o arremesso.

Por que tantos jogadores – especialmente as estrelas consagradas – se opõe à mudança de posição, então? Embora existam casos individuais, a resposta mais simples para esse fenômeno é simplesmente A DEFESA. Se small forwards possuem muitas vantagens no ataque quando passados para a posição de power forwards, na hora de defender a coisa muda drasticamente de figura. Alas de força precisam defender as infiltrações, possuem menos momentos de defesa puramente individual contra um adversário com a bola em mãos, precisam trombar em cada corta-luz e comandar a defesa de cobertura. Além disso, depois do arremesso precisam proteger o garrafão, empurrando os jogadores adversários para evitar que peguem rebotes ofensivos e abrindo caminho para que outros jogadores possam puxar o contra-ataque. A consequência indireta dessas obrigações é que alas de força precisam jogar de maneira mais física, seus talentos defensivos são menos evidentes a olho nu – ao contrário de um marcador de perímetro, que pode “engolir” seu adversário direto -, a briga por rebotes exige uma nova gama de habilidades que precisam ser aprendidas e, ainda, o ala de força passa menos tempo com a bola nas mãos. Enquanto a luta por rebote acontece, os outros jogadores de perímetro já estão formando o ataque, correndo, e muitas vezes um ala de força pode sequer chegar a tempo para o ataque durante uma posse de bola. Mesmo os alas de força mais decisivos ainda PARECEM mais secundários, tanto no ataque quanto na defesa, se comparados aos armadores ou small forwards que dominam o ritmo do jogo e, com a bola em mãos, tomam mais decisões diretas sobre a movimentação ofensiva. O ala de força muitas vezes não está exatamente onde está a bola e pode, em condições desfavoráveis, ser trancado para fora do jogo por conta de companheiros menos prestativos ou uma defesa pouco estruturada.

Paul George sentiu os efeitos de ser um ala de força dos dois lados da quadra. No ataque, ter menos a bola em suas mãos fez com que ele arremessasse sempre que a bola chegava nele, gerando arremessos pouco criteriosos e consequentemente uma queda drástica de sua porcentagem de aproveitamento, especialmente nas bolas de perímetro. Na defesa, onde Paul George é um dos melhores jogadores da NBA, suas obrigações passaram a ser mais coletivas e portanto ele passou a ser mais dependente da posição defensiva de seus colegas. Isso escondeu seus talentos defensivos individuais, que ficam óbvios quando no perímetro ele consegue sufocar seus adversários e causar passes forçados e arremessos desequilibrados. Ainda que Paul George não houvesse resistido à mudança de posição, o Pacers da temporada passada simplesmente não tinha talento suficiente para que ele pudesse ser tão efetivo como power forward quanto era como small forward.

Pacers

O Pacers dessa temporada, entretanto, apenas piorou a situação de Paul George. A insistência de Larry Bird em ter um time “moderno”, baixo e veloz continua viva, mesmo que George continue como small forward. O time perdeu seus dois melhores defensores de aro, Roy Hibbert e Ian Mahinmi, sem buscar quaisquer substitutos à altura. Trocou George Hill, defensor espetacular de perímetro, por Jeff Teague, um jogador com maiores limitações defensivas. Começou a temporada entre as piores defesas da NBA, com Paul George muitas vezes sendo obrigado a defender como um power forward, mas sendo realocado para o perímetro múltiplas vezes numa mesma partida para parar quem quer que estivesse acertando arremessos. Na última partida contra o Bulls, George teve que defender na cobertura, depois defender o garrafão, depois marcar Dwyane Wade individualmente, depois marcar Jimmy Butler individualmente. É exigir demais de um jogador que não é apenas um especialista defensivo – no ataque, sem seus arremessos certeiros, o Pacers está condenado a depender de Teague, que sequer está inteiro fisicamente. Não consigo pensar em outra estrela que seja tão exigida dos dois lados da quadra – até mesmo Kawhi Leonard, possivelmente o jogador mais presente em ambas as frentes, tem um time que depende menos de sua presença no ataque do que o Pacers.

Se a transição de Paul George para a nova posição, que deveria ter facilitado sua vida ofensiva, não funcionou foi justamente porque a defesa do Pacers não era boa o bastante para isso. Para montar um time baixo e metido a moderninho usando o máximo potencial de Paul George, a ajuda deveria ter vindo justamente no campo defensivo. Abrindo mão dos poucos defensores da equipe em busca de jogadores capazes de aumentar o ritmo ofensivo, o Pacers conseguiu sobrecarregar George defensivamente e acabar completamente com qualquer possibilidade de contra-ataques fáceis fruto de uma defesa bem executada. Na prática, o Pacers corre e acaba produzindo apenas arremessos difíceis, de aproveitamento questionável, a defesa ruim cria déficits muito altos no placar que geram bolas de três pontos forçadas no ataque, e Teague tentando impor um ritmo de jogo acaba alienando as jogadas individuais de George, que aliás parece sempre exausto e frustrado. Não é à toa que Paul George tenha sido mais uma vez multado por reclamar da arbitragem, questionando as intenções dos árbitros em marcar tão poucas faltas a favor do Pacers. Ser forçado a um jogo físico demais e a uma defesa mais intensa do que é possível entregar gera esse tipo de frustração com os impactos, o contato e as faltas não marcadas.

Em outra situação defensiva mais favorável, a transição de Paul George para ala de força teria sido impecável e tiraria um pouco do fardo que o coitado parece carregar nesse momento. As escolhas da diretoria do Pacers sobrecarregaram Paul George dos dois lados da quadra, espera-se muito de um jogador que precisaria, para ser eficiente, entregar muito menos. Basta lembrar de quão bem Paul George se saiu com a seleção americana nas Olimpíadas quando tirado do time titular – onde ele era obrigado a tapar todos os buracos defensivos – e colocado no time reserva do lado de defensores como Jimmy Butler, Kyle Lowry e Draymond Green. Nessa situação seus talentos defensivos são menos necessários e, simultaneamente, mais efetivos; sua energia sobra para vencer os adversários nos contra-ataques e pontuar mais livremente. Talvez nem Paul George perceba, mas ele é muito mais impactante no ataque quando finalizando contra-ataques velozes ao invés de atacando individualmente seus defensores. Paul George nasceu para compor grandes defesas, não para ser o astro de um ataque que lhe tem como ponto central. O problema é que o Pacers, na ânsia de ter um time novo e moderno, parece andar na contra-mão de um basquete capaz de usar as forças que lhe estão disponíveis à mão.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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