>O fim (do locaute) está próximo

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George Cohen, com ajuda de viagens à Rússia e uma gripe, podem estar salvando a temporada

Perguntas sem resposta ainda existem aos montes quando o assunto é a greve/locaute da NBA. Mas uma que para mim nunca vai ter resposta satisfatória é “Por que tentar resolver as coisas tão em cima da hora?”. Se fosse por aqui diríamos que é coisa da nossa cultura brasileira esperar a água bater na bunda para só então dar um jeitinho. Mas não, estamos falando dos EUA e de dinheiro, não é um assunto que eles costumam deixar de lado e resolver quando dá. Talvez parte da estratégia dos donos ou dos jogadores fosse deixar o outro lado nervoso com a perda de jogos, mas será que os joguinhos mentais valeram a pena? Começar a se reunir todos os dias apenas agora, em outubro, soa como burrice pra mim.

Sendo algo burro ou não, planejado ou não, a verdade é que as reuniões desse mês foram uma montanha-russa. A cada dia eram notícias diferentes relatando boas reuniões, brigas, gente chamando outros de mentirosos, acordos próximos de acontecer e qualquer coisa que você puder imaginar. Hesitei bastante em escrever aqui sobre o assunto porque tudo o que eu lia parecia inconsistente e pouco confiável. Mas ontem não. Após mais uma longa reunião, Billy Hunter, o principal representante da União dos Jogadores, e David Stern, o comissário da NBA que representa os donos, deram depoimentos semelhantes e em meio a sorrisos até fizeram gracinhas. Quando um repórter perguntou a Hunter se haviam feito algum acordo mais importante, Stern, rindo, respondeu de fundo “Amanhã! Amanhã!”. E a que tudo indica é isso mesmo, a não ser que algum desastre aconteça na reunião de hoje, estamos vivendo o dia em que um novo acordo pode ser acertado e a paralisação da NBA pode chegar ao fim. Como chegamos até esse dia é uma loucura.

Embora o otimismo seja justificável, não seria a primeira vez que as partes estiveram tão próximas, portanto é sempre bom ter um, dois e até alguns pés emprestados atrás. No dia 4 de outubro houve uma reunião em que os donos estavam representados por David Stern, Adam Silver, braço-direito do comissário e Peter Holt, dono do Spurs. Os jogadores estavam com Derek Fisher, Billy Hunter e seus advogados, Ron Klempner e o temido Jeffrey Kessler. Este último havia dado a entender que os jogadores poderiam sim aceitar uma divisão do BRI, a soma de todos os ganhos da liga, em 50% para cada lado, apenas dependendo de muitas outras coisas, algo que animou os donos a fechar um negócio. Nada estava concluído, claro, mas Billy Hunter disse que “poderíamos viver tranquiliamente com o acordo que estávamos próximos a fechar”. Foi então hora dos dois lados se separarem e irem conversar com os que representam: Stern, Silver e Holt iriam contar as novas para os donos e Fisher e Hunter para os jogadores que estavam presentes naquele dia.

Enquanto os donos ainda começavam a conversar, ouviram alguém batendo na porta. Eram os jogadores. Mas não Fisher, nem Hunter e nem qualquer outro dos que tem os cargos mais importantes da União, Maurice Evans, Chris Paul, Theo Ratliff, Matt Bonner, Roger Mason e Ethan Thomas, eram na verdade Paul Pierce, Kevin Garnett e Kobe Bryant, os três veteranos, que pouco participaram de todas as outras rodadas de negociação estavam lá para deixar bem claro que a União não iria aceitar a divisão em 50% em hipótese alguma. O pequeno racha entre os jogadores queimou o melhor clima para negociações desde o começo da paralisação da NBA em 1º de Julho.

Depois dessa inacreditável ducha de água fria o próximo passo encontrado pelas duas partes foi chamar um mediador. O escolhido foi George Cohen, que trabalha para o governo dos EUA como mediador de disputas trabalhistas e tem experiência em acordos realizados pelas ligas profissionais de Futebol Americano e Hóquei, o acordo da NFL foi um impasse resolvido há pouco tempo e Cohen teve participação direta. O cara tem tanta moral que foi indicado por Barack Obama como diretor da Federal Mediation and Conciliation Service que media qualquer tipo de impasse que possa estar atrapalhando a economia do país. A credibilidade dele entre os dois lados parecia ser o ponto que faltava para se chegar a algum acordo.

O trabalho de Cohen, segundo matéria do New York Times, inclui resolver problemas no setor de aviação, funcionários públicos e até entre músicos e as orquestras onde tocam. Para ele, existem grandes diferenças entre esses meios e o esportivo. “Os esportes tem uma diferença chave. Aqui você tem duas partes, os donos e a União, mas você também tem o comissário, que representa a Liga e é uma terceira parte. E por trás disso ainda existe uma quarta parte, os agentes que representam individualmente os jogadores e são uma voz ativa. Por fim ainda existe o interesse dos fãs que acompanham o esporte”.


A sua estratégia, como ele diz que é em todos os casos, foi de começar com os assuntos menores, os mais fáceis de serem resolvidos para só depois alcançar os mais complicados. No caso da NBA, o difícil é a divisão do BRI. Isso explica porque após dois dias de reuniões que, juntas, quase chegaram em 20 horas, as poucas palavras ditas pelos envolvidos eram sobre tudo, menos a divisão do dinheiro.

O silêncio, contaram, era ordem de Cohen, que achava que a discussão pública das reuniões prejudicava o andamento delas. No terceiro e decisivo dia de negociações, foram mais umas 10 horas de conversa até que todos fossem dar suas entrevistas coletivas. Ao invés de ouvir que a liga não perderia jogos e teria suas 82 partidas normalmente, escutamos Adam Silver dizer que “Não conseguimos diminuir as distâncias entre as duas partes”, e Fisher afirmar que “Vocês ouviram mentiras deles hoje. Os jogadores querem negociar, mas os donos se recusam a conversar sobre qualquer coisa se não aceitarmos a divisão em 50-50”.  Pode piorar? Sempre. George Cohen disse que até estaria à disposição para consultas, mas que se retirava oficialmente da mediação depois daquele dia.

Última semana de outubro, consecutivos desastres nas reuniões, jogos cancelados e um mediador federal pulando pra fora. Quem estava otimista há uma semana era louco e/ou desinformado. Na busca por apontar vilões, foram aparecendo alguns nomes: Paul Allen, co-fundador da Microsoft e dono do Portland Trail Blazers, foi o primeiro. Ele não costumava aparecer nas reuniões, mas foi lá depois de reclamar que David Stern e Adam Silver não estavam sendo fortes o bastante na proposta inicial dos donos de oferecer 47% do BRI para os jogadores. Disseram para ele ir lá e propor isso de novo para o advogado Jeffrey Kessler e ver no que dava. Allen foi e, claro, saíram faíscas. Kessler foi também apontado como um dos culpados. Por ser muito duro ele não estava disposto a fazer nenhuma concessão, emperrando as negociações. Ele também estava nas negociações da NFL e se por um lado só houve resultado quando ele foi afastado do cargo, por outro muitos acreditam que os jogadores não conseguiram tudo o que poderiam. No fim os dois eram cabeças-dura demais em uma época em que não dava mais pra ficar batendo cabeça.

Nesse clima ruim a perspectiva de novas reuniões não era promissor, na última os donos haviam dito que se não fosse para ter uma divisão de 50-50, não haveria o que discutir. Se de repente eles se encontraram de novo nos últimos dias é porque essa divisão foi aceita? Não exatamente. Como explicado nesse ótimo post do JA Adande no TrueHoop, os donos perderam muita força com a mídia e os fãs depois que Derek Fisher chamou os donos de mentirosos. David Stern, que estava gripado e participou daquela reunião apenas por teleconferência, não estava lá para rebater e os jogadores pareciam ganhar a opinião pública para eles. Na análise de Adande, os donos perceberam que era hora de aproveitar sua vantagem no jogo (grande, segundo ele) antes que os jogadores começassem a se recuperar demais. Era hora de fechar negócio.

Foi então que as reuniões dos últimos dias então foram marcadas e ganharam ainda ajuda divina. Paul Allen não compareceu e Jeffrey Kessler, com compromissos profissionais na Rússia, não pôde ir. Isso sem contar que Kevin Garnett, Paul Pierce e Kobe Bryant ficaram novamente longe, claro. Com o ambiente mais leve era hora de negociar. Os jogadores deixaram clara sua proposta de 53% do BRI (número defendido por todos os jogadores), uma significante baixa em relação aos 57% que têm há cerca de 10 anos, mas ainda mais que a metade. Mas ao mesmo tempo deixaram claro que não estão fechados à ideia dos 50% desde que o sistema da NBA os favoreça.

Explico o lado dos atletas: eles não querem que a NBA tenha um hard cap (os donos já abriram mão disso), não querem o fim dos Bird Rights (direito dos times ultrapassaram o limite salarial para manter jogadores seus) e nem das exceções de contrato (coisas como o mid-level, que permite a times sem espaço salarial contratar jogadores). Essas regras dentro do sistema de funcionamento da liga dão aos jogadores maiores chances e garantias de contrato, não envolve diminuição do número de jogadores na liga e não os pune por atuarem mal, como alguns donos queriam. Esses luxos, se garantidos, poderiam compensar as perdas de porcentagem na divisão do BRI. Por outro lado, os donos podem aceitar 51% ou 52% para os jogadores se o sistema permitir que jogadores possam ser mandados embora com mais facilidade e os contratos máximos não sejam tão longos.

O que estão dizendo, embora, como disse, pouca coisa seja totalmente confirmada, é que essa abordagem de tratar o sistema antes da divisão do dinheiro foi uma herança positiva da atuação de George Cohen e algo decisivo para o sentimento de progresso. E que bastou as cabeças esfriarem desde aquela desastrosa última reunião com o mediador para os dois lados perceberem que poderiam estar próximos de um negócio. A perspectiva de que estamos alcançando a data limite para que a temporada ainda possa ser disputada em sua totalidade certamente ajudou a apressar as coisas.

Hoje é o grande dia. Mesmo que não se feche tudo nessa reunião, é esperado que após o encontro os dois lados afirmem que a formalidade do contrato assinado é questão de dias. Quando tudo estiver em pratos limpos as histórias desses dias de negociação devem começar a vazar e veremos o que aconteceu de verdade nesse vai-e-vem de milionários e bilionários dividindo seu rico dinheirinho.

Atualização – 29/10
Pois é, não foi ontem. A NBA diz que os atletas não fizeram as concessões necessárias e a União dos Jogadores diz que assim que a União fez algumas concessões, o olho da NBA cresceu e eles queriam mais e mais, obrigando a União a parar. Dessa vez não dá pra ficar do lado dos donos, se tem alguém fazendo concessões nessa brincadeira são os jogadores, que estão topando sair dos 57% do BRI para até 50%!

Os jogadores precisam mesmo segurar o ímpeto dos donos e sem desespero se manter ao que foi definido por eles. Os donos precisam entender que se conseguirem 50% ou até 51% já foi uma grande vitória deles.

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