A chegada de LeBron James ao Cleveland Cavaliers em 2003 encheu o time de esperanças para o futuro, mas não havia expectativas para os anos imediatamente seguintes à sua escolha. Sem ele, o Cavs havia vencido míseras 17 partidas na temporada anterior, de modo que não se esperava uma melhora significativa imediatamente. Outros jogadores que haviam chegado à NBA vindos diretamente do Ensino Médio haviam passado por um período considerável de adaptação e embora a expectativa por LeBron James fosse maior, uma espera similar parecia necessária. Kobe Bryant e Kevin Garnett, dois jogadores que também pularam o basquete universitário, só ultrapassaram a marca dos 20 pontos por jogo em suas quartas temporadas; o início de ambos na Liga foi promissor, mas também lento e cheio de dificuldades.
Ao fim de sua primeira temporada pelo Cavs, no entanto, LeBron James já ultrapassara a marca dos 20 pontos por jogo e alavancara seu time às 35 vitórias – o que num Leste medíocre foi apenas UM JOGO A MENOS do que o necessário para alcançar os Playoffs. Foi nesse ponto em que o Cavs simplesmente EMPOLGOU: qualquer coisa que não fosse a pós-temporada e sucesso imediato passou a ser considerado um fracasso. O time fez trocas desesperadas na temporada seguinte para trazer um veterano (Eric Snow, importante jogador do Sixers que à época já tinha quase uma década de NBA) e quando os resultados não apareceram foi a vez do então técnico, Paul Silas, ser demitido no meio da campanha. Apesar da melhora do time e do salto de LeBron rumo aos 27 pontos por jogo, o time terminou a temporada empatado em oitavo lugar e perdeu a vaga para os Playoffs nos critérios de desempate.
Na temporada seguinte, em 2005, LeBron James já era uma estrela consolidada: escolhido para o primeiro time All-NBA, MVP do All-Star Game, terceiro em pontos na Liga (atrás apenas de Kobe Bryant e Allen Iverson), arrastando para o alto a popularidade da Liga e a audiência dos canais de televisão. Para o Cavs, qualquer plano de construir um time vencedor a longo prazo foi pelo ralo naquele momento. O time se endividou para manter jogadores, contratou Larry Hughes por um salário obsceno só porque ele estava disponível, trocou de técnico mais uma vez, tudo sob o pretexto de que cada segundo que LeBron passasse sem um time decente era tempo desperdiçado na busca por um título. Muito antes que LeBron pudesse “pressionar” a diretoria em busca de apoio no elenco, muito antes das discussões sobre seu “legado”, muito antes que ele assinasse contratos curtos, o Cavs já funcionava no MODO DESESPERO, tentando conseguir PARA JÁ aquilo que deveria ser construído ao longo dos anos.
A cada temporada a sensação de que o Cavs era montado no improviso, na marra, se intensificava: foram inúmeras contratações que não levavam em consideração a química dos jogadores, trocas de técnico que impediam os elencos de possuir qualquer tipo de identidade, escolhas de draft jogadas no lixo e espaço salarial inexistente, com o teto sempre estourado e multas por todos os lados. Foi apenas em 2010, quando LeBron James deixou a equipe para se unir ao Miami Heat, que o Cavs começou uma reconstrução pensando no futuro. Em 2013 o time já tinha nomes interessantes para trabalhar, flexibilidade, escolhas de draft e um Kyrie Irving em constante evolução. Mas bastou LeBron voltar ao Cavs na temporada seguinte para esse planejamento ser imediatamente interrompido: jovens talentos foram trocados e o time se abarrotou de veteranos. Foram campeões em 2016 aos trancos e barrancos, em meio a uma demissão de técnico, crise nos vestiários e contratações de emergência que destruíram a saúde financeira da equipe por anos.
É inegável que LeBron James apresenta um desafio às suas equipes graças às suas pressões por contratações, boicote de técnicos, visão definida do tipo de jogador que lhe interessa e todo o grupo de amigos, assistentes e funcionários que ele carrega consigo para todos os lados. Além disso, um jogador do calibre de LeBron James atrai uma atenção da torcida e da imprensa internacional que é ao mesmo tempo inebriante e esmagadora para franquias pequenas e esquecidas como é o caso do Cleveland Cavaliers. No entanto, acho importante ressaltar que a falta de organização do Cavs aconteceu ANTES de LeBron ter poder dentro do time ou da Liga; apenas receber um jogador com o seu POTENCIAL já foi suficiente para tirá-los do eixo e contaminá-los com um senso de urgência que bloqueou todo e qualquer planejamento. Aguardar novatos amadurecerem era “esperar demais” para quem tem LeBron, de modo que tiveram que se contentar com restos de toda a NBA por anos.
Quinze temporadas depois de sua entrada na NBA, LeBron James chegou ao Los Angeles Lakers com todo um discurso de PACIÊNCIA: sabia que o time não estava pronto, que dependia de contratações que aconteceriam apenas na temporada que vem, assinou por 4 anos para dar tempo ao time de se construir, e escolheu a equipe de Los Angeles por mero CAPRICHO, por sua relação com a cidade, ciente de que outros times estariam mais preparados para recebê-lo. Tudo indicava, portanto, que veríamos uma temporada tranquila, sem bagunça, em que qualquer ponto positivo seria celebrado como um “bônus”, como uma espiadela no futuro glorioso que o time poderá alcançar nas próximas temporadas. Jogadores foram contratados para compor elenco por apenas um ano, um monte de TAPA-BURACO sem nenhum tipo de expectativa com relação ao futuro. Mas bastou algum sucesso inicial na temporada para o Lakers, adivinhe só, EMPOLGAR. A partir dali não ir aos Playoffs passou a ser visto como um fracasso, o time forçou a mão em trocas que sequer aconteceram (colocando o time inteiro na fogueira por uma chance de receber Anthony Davis), se livrou de talento jovem (Ivica Zubac), se atolou em polêmicas e está a um triz de trocar de técnico. De uma hora para a outra, o Lakers passou a ter PRESSA – se transformou, de maneira ridícula, no deslumbrado e atrapalhado Cavs de 2003. Não há como não ver um padrão aqui.
Para além da personalidade de LeBron, das suas demandas, da imprensa, da torcida, parece existir uma dificuldade dos times de lidar com a chegada de um jogador do seu escalão, do seu nível. Talvez seja VERGONHOSO demais ter um jogador tão bom e não vencer imediatamente; talvez o fato de que LeBron possa jogar em diferentes posições e em diferentes estilos táticos dê a falsa sensação de que é possível improvisar jogadores ao seu redor; talvez a chegada de um jogador desses apenas sinalize aos times que não é mais necessário planejar, que é hora de “colher os frutos”; talvez os times sintam-se psicologicamente pressionados a não estragar o legado do jogador, ou o próprio legado, ou a percepção dos torcedores, ou a opinião da imprensa, uma espécie de “constrangimento” de estar perdendo mesmo com alguém de tanto talento no elenco. Seja como for, desde sua primeira temporada LeBron James chega como um furacão que interrompe todo o processo de construção das franquias, tornando-as apressadas, pressionadas, deslumbradas e incapazes de pensar a longo prazo. Sempre há alguma preocupação externa que piora a situação – para o Cavs havia o medo de perder LeBron porque ele era muito novo, depois o medo de perdê-lo porque LeBron queria ganhar um título; no Lakers, há o medo de que ele envelheça e seu auge fique pra trás – mas há algo de INTERNO nas franquias que quebra à sua presença, uma certa incapacidade de receber talentos dessa grandeza dentro de um plano maior, de um clima de tranquilidade, de um esquema tático pré-definido. Ter LeBron ao mesmo tempo sobe à cabeça e interrompe o processo natural de maturação de times rumo ao título. Com ele é possível pular tantos degraus (o Cavs de 2013, décimo colocado no Leste, foi imediatamente às Finais da NBA com sua chegada) que os times acabam tentando pular TODOS os degraus que existem e sair incólumes disso.
O que o Lakers deixa para a NBA nessa temporada, tentando pular tantos degraus, é um inegável clima de caos, uma ausência de pudor em cortar cabeças de seus jogadores se isso significar algum nome mais chamativo ou uma chance ligeiramente maior de vitórias imediatas, e uma postura arrogante com relação às demais equipes – já que tentaram pular etapas até mesmo no processo da troca por Anthony Davis. Nada é mais sintomático desses “atalhos” que LeBron insere nas equipes do que as punições do Lakers por falar com os jogadores sob contrato com outras equipes antes das datas abertas para negociação – trata-se de um degrau que, ao ser pulado, gera multas severas e destrói o relacionamento do time com as demais franquias.
No fim das contas, com o elenco magoado e derrotado, a imagem queimada com os demais times e nenhuma grande troca ou contratação, o Lakers simplesmente não venceu o bastante, ficará fora dos Playoffs e agora VOLTA-SE ao plano de não ter expectativas, querendo mais é perder – inclusive limitando os minutos de LeBron nos jogos a partir de agora. É o pior de dois mundos: perder mas continuar com um gosto amargo na boca de frustração, justo quando todas as circunstâncias apontavam para um clima de ausência de expectativas e, portanto, de frustrações. Para além da parcela de culpa de LeBron James, fica evidente a dificuldade que as franquias da NBA mostram em lidar com os seus grandes nomes sem comprometer uma visão, um plano, um processo. O “vencer agora” visivelmente não é o bastante na disputada NBA atual, nem mesmo quando se tem LeBron James no elenco, mas o peso de seu nome impede a diretoria de se programar para vencer amanhã. Quando o furacão LeBron passa, apenas o agora importa – e o resultado é que colherão os destroços depois.