O grito calou

Quando Joakim Noah foi draftado, escrevi abertamente aqui no Bola Presa que esperava dele uma versão melhoradinha do Anderson Varejão. Não era exatamente um palpite ou previsão, mas o que parecia sensato esperar tendo em vista seu jogo universitário: um jogador que, como Varejão, desse tudo em quadra e compensasse a ausência de técnica com esforço, decisões inteligentes e trabalho na defesa. Calhou que pouco depois o jogo do Varejão evoluiu bastante no ataque, ele ganhou muitíssimo valor de mercado e subitamente desapareceu, vítima de uma sequência de lesões graves no tornozelo, no pulso e no pulmão que lhe tiraram de quadra por quase três temporadas inteiras. Da mesma maneira, o jogo de Joakim Noah evoluiu muito a cada temporada e não demorou para que a previsão de um simples jogador energético na defesa fosse desmantelada por uma miríade de talentos diversos. Noah mostrou um arremesso sólido, jogo refinado embaixo da cesta, capacidade de bater bola e puxar contra-ataques e uma visão impressionante de quadra que o tornou o melhor pivô passador de sua geração. Se a energia sempre foi um diferencial, o restante das suas habilidades é que permitiram que Noah fosse algo além de uma simples descarga elétrica vinda do banco de reservas. Em sua terceira temporada com o Bulls, Noah já era uma das peças mais importantes do elenco.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Quando criança, Noah lembrava pra valer o Varejão”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Noah-bebê.jpg[/image]

Na temporada 2013-14, quando o Bulls estava esperando por Derrick Rose, fora da temporada por uma lesão, e o técnico Tom Thibodeau não permitiu que o time desistisse, Joakim Noah foi o improvável jogador a assumir a responsabilidade pela equipe, clamar que as vitórias eram possíveis e liderar o time aos playoffs. Absolutamente tudo deu certo para o Noah naquela temporada: teve suas melhores médias na carreira em pontos, rebotes, assistências e roubos de bola, foi chamado para o All-Star Game, ganhou o prêmio de Melhor Defensor da Temporada, foi eleito para o melhor quinteto da NBA e terminou em quarto lugar na corrida para o MVP, atrás apenas do vencedor Kevin Durant, de LeBron James e de Blake Griffin. Acabou em terceiro em triple-doubles, apenas o sexto pivô da história da NBA a dar mais de 430 assistências numa temporada. Foi o casamento perfeito entre jogador, técnico e esquema tático: Thibodeau só respeita jogadores que jogam com intensidade e comprometimento, colocou mais responsabilidades nas mãos de Noah e abriu mão de jogar com um armador principal, tendo em vista que Rose estava fora do elenco. Nessas condições, Noah só podia mesmo é prosperar. Passando grande parte do jogo com a bola nas mãos na cabeça do garrafão para iniciar as jogadas, Noah podia usar sua visão de jogo para dar passes velozes e precisos, acionar companheiros com bolas por cima dos defensores, por trás da defesa no fundo da quadra ou simplesmente no perímetro para as bolas de três pontos. Se fosse usado como simples jogador reserva para entrar em quadra, animar a galera e pegar alguns rebotes, Noah teria tido uma carreira sólida mas comum, seria mais um dentre um exército de jogadores esforçados de garrafão. Mas tendo a responsabilidade de girar a bola, iniciar jogadas, dar passes ousados e puxar contra-ataques, Noah podia usar ao extremo as habilidades que o diferenciam da massa e, com isso, passar mais tempo em quadra e motivar seus companheiros no processo. Joakim Noah tinha tudo para ser um desses jogadores favoritos dos fãs que grita, briga, reage, pula por todos os lados da quadra e depois vai pro banco fazer dancinhas engraçadas nas comemorações de jogadas alheias, mas Thibodeau permitiu que esse favorito dos fãs fosse a âncora defensiva e o motor ofensivo de uma equipe em que a derrota não era aceitável. O resultado foi que passou a temporada 2013-14 inteira ouvindo da torcida gritos de “MVP” – que ele sempre pediu que parassem, ressaltando que o MVP “de verdade” era o Rose, sinal de como aquele Bulls era abertamente refém psicológico de seu armador eternamente lesionado.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Cada um segura numa perna que é pra não cair”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Noah-DPOTY.jpg[/image]

Na temporada seguinte, Noah teve que lidar com uma cirurgia no joelho, falta de ritmo de jogo, o retorno de Derrick Rose, a chegada de Pau Gasol e a famosa “Guerra Fria” entre Thibodeau e os engravatados de Chicago. Com o joelho comprometido, Noah perdeu sua velocidade nos contra-ataques e nos rebotes ofensivos, o que comprometeu seriamente seu jogo. Pau Gasol ofereceu pela primeira vez em uma década uma presença ofensiva verdadeira no garrafão, coisa que Noah não seria capaz de suprir, e a narrativa padrão para os fracassos do Bulls nos playoffs (“falta alguém para criar o próprio arremesso dentro do garrafão!”) acabaram tornando Gasol, mesmo vindo de uma temporada mequetrefe, uma prioridade ofensiva para a equipe. Com isso, Derrick Rose passou a ter mais responsabilidades na armação da equipe (que foi estendida a outros jogadores ao longo da temporada) para que Gasol pudesse sempre estar perto da cesta. Não havia mais necessidade de Noah armar; quando em quadra, o pivô precisava ou ocupar o espaço da ausência do Gasol ou jogar ao lado do espanhol, sem poder ficar embaixo da cesta e sem ter a bola em mãos. Virou um ala de arremessos, coisa que ele nunca foi e que expõe integralmente as fragilidades do seu jogo. Quando o Cavs resolveu que não valia a pena marcar o Noah nos playoffs para dobrar a marcação em outro jogador, ficou óbvio que nessas condições Noah era um problema para a equipe, não uma solução. O único que poderia salvá-lo e devolver a ele as condições ideias de seu sucesso era Thibodeau, que estava numa treta gigante com os engravatados e perdia cada vez mais e mais espaço nas decisões da equipe. Quando Thibodeau saiu ao fim da temporada passada, no fundo a gente sabia que era também o fim daquelas condições mágicas que tornaram Noah o melhor pivô da NBA e um dos candidatos ao prêmio de MVP.

Vê-lo em quadra nessa temporada é ver uma quantidade brutal de dinamite ser usada para tirar uma sujeira grudada no fundo de uma panela. Ele tem muita intensidade, agressividade, visão de jogo, funciona bem com a bola nas mãos, mas nesse atual Bulls tudo que se espera dele é que abra a quadra com arremessos para o Gasol jogar – coisa que o coitado faz muito mal – ou que lute pelos rebotes dentro do garrafão, sem a chance de ter espaço para seus passes precisos. Não é à toa que se tornou facilmente substituível no Bulls e foi parar no banco de reservas. Quando o Bulls começou a engrenar na temporada com melhor espaçamento e o Gasol mais fora do garrafão foi sem Noah, fora do elenco com uma lesão. Os arremessos que Gasol acerta são o que se espera do Noah titular; os rebotes cabeçudos de Taj Gibson são o que se espera do Noah reserva; a velocidade do novato Bobby Portis no contra-ataque é o que se espera do Noah saudável. Não há mais espaço nessa situação que ele possa ocupar como jogador de garrafão, e a armação das jogadas agora fica entre Derrick Rose e Jimmy Butler, excelentes criadores de arremesso. As condições que permitiram a Noah ser genial só poderiam ocorrer, mesmo, numa situação de quebra-galho, de improviso ou lesão.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Nos seus melhores dias, Joakim Noah parece o Zé do Caixão”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Noah-psico.jpg[/image]

Uma troca por Joakim Noah já era algo esperado desde o começo da temporada, quando sua condição de reserva se estabeleceu, mas o impacto psicológico que ele tem nesse time é grande demais para que se fale disso abertamente. Nas últimas temporadas, aquelas que deveriam ter sido fracassos horríveis esperando Derrick Rose voltar à forma, Noah foi motivador, conselheiro, manteve a equipe focada, trouxe intensidade a jogos banais, protegeu seus companheiros na defesa, intimidou adversários, amenizou o clima com suas piadas e apelidos nos vestiários, tornou-se porta-voz da equipe com a comunidade, presença marcante nos eventos de Chicago. Basicamente, ele se tornou a cara de um time que não tinha cara nenhuma, fosse porque Derrick Rose não estava disponível, fosse porque o Derrick Rose tem cara de bolacha de água e sal. Mas a verdade é que a situação de Noah tendia ao insustentável: eventualmente ganharia mais minutos, mas apenas para mostrar que ainda vive e aumentar seu valor de troca no mercado. A lesão gravíssima no ombro esquerdo que sofreu poucos dias atrás exigirá cirurgia e tirará Noah de todo o restante da temporada. É um final melancólico tanto para o jogador quanto para a equipe. Quem aceitará uma troca por Noah nessas condições? É perfeitamente possível que uma troca viável simplesmente não apareça e que Noah se mantenha no Bulls, lesionado, até o seu contrato terminar ao fim dessa temporada. A partir de então, é impensável que Noah continue na equipe. Terá ido de candidato a MVP a jogador esquecido, saindo em troca de nada, sem nenhuma compensação para o Bulls. Muito em breve Derrick Rose pode seguir o mesmo caminho e assinar com outra equipe, rumo a um salário mais gordo, mais controle do ataque e um novo começo. A geração Rose-Noah, que devolveu ao Bulls uma dignidade por muito desejada, talvez desapareça integralmente no ar sem deixar muitos frutos. Os gritos que Noah despejou na quadra pelos últimos anos, que acordaram seus companheiros e trouxeram atenção para uma franquia em eterna reconstrução, vão deixar de ser ouvidos. Vai ser hora do Bulls procurar uma nova face – apenas nos resta saber se Jimmy Butler será suficiente para encarná-la.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.