>O jogo certo

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Se depender do Spurs, essa imagem vai ficar gravada na sua retina

Ontem, segundo dia da temporada regular, foi realmente o início para a grande maioria dos times. Foram doze jogos na rodada e, com a saudade de NBA apertando o peito, a vontade era assistir a todas as partidas. Impossível, claro. Foi-se a época em que a escolha de que jogo assistir ficava delimitada às decisões das televisões brasileiras (o que em geral significava que o jogo a se assistir era “nenhum”), já que a internet permite muitas possibilidades. Mas então, com trocentas partidas rolando em horários muito próximos, qual diabos eu iria escolher?

Na última semana, fizemos os previews para ajudar nessa árdua escolha, apontando os motivos para assistir ou não assistir cada um dos times. Ponderei um pouco com isso em mente e resolvi que veria o maior clássico do basquete moderno, Suns e Spurs, que começaria em pouco.

Verdade seja dita, a saudade era tanta que assisti um bom pedaço de Sixers e Raptors só porque foi o primeiro jogo a começar. Respirei aliviado apesar do jogo meia boca. Para se ter noção, até das propagandas idiotas de comida, carros, cortadores de grama e empréstimos eu estava com saudade (só não fiquei muito feliz com uma propaganda nova da Nike que é nitidamente um plágio do nosso primeiro vídeo, os advogados do Bola Presa estarão entrando em contato com eles, safados – mas quero só ver a Nike ter os bagos necessários para plagear nosso próximo vídeo, atualmente em fase de edição).

Resolvi assistir ao Spurs enfrentado o Suns em seguida, e como resposta à afirmação de Shaq de que “Gregg Popovich e o Spurs vão pagar muito caro nessa temporada por fazerem faltas intencionais” o Popovich mandou o Finley fazer uma falta intencional em Shaq logo na primeira bola do jogo. Ninguém entendeu nada e então o técnico Gregg Popovich acenou bem-humorado no banco de reservas. Como assim o Spurs demonstrou senso de humor? Tantos jogos acontecendo mas eu preciso ver esse, é capaz até que em algum momento da partida o Duncan venha a dar algo que lembre de longe um sorriso!

Ah, quem estou querendo enganar? Escolher um jogo para assistir é uma tarefa impossível, basta alguns segundos sem acontecer nada e você começa a se perguntar o que estará acontecendo nas outras partidas. Cesta chata do Duncan, lance livre do Shaq… diabos, meu Houston vai estrear em minutos. Um ser humano não deveria ser obrigado a fazer escolhas desse tipo. Decidir se um ser humano deve ou não morrer nem se compara às nuances de um fã de NBA frente a uma rodada diversa. Vozes silenciosas ecoam dentro da cabeça, tentando seduzir. Deve ser como descrevem abstinência de cocaína.

E foi assim que eu não vi o Suns finalmente vencer o Spurs, que sentiu muito a falta de Ginóbili. Não vi o Warriors usar o Stephen Jackson como armador principal o tempo inteiro, justo contra o Chris Paul, e a experiência quase dar certo o bastante para roubar uma vitória. Não vi a Guerra Fria de Pacers e Pistons, com o “Granny Danger” chutando traseiros e o Pistons saindo com a vitória aos bocejos. Não vi o Knicks porra-louca do D’Antoni ter uma partida sensacional, com Zach Randolph e David Lee jogando cada vez mais e Marbury e Curry fazendo tricô no banco de reservas, contra um Heat em que Mario Chalmers jogou como profissional e o Beasley demorou para engrenar. Ao invés, eu vi meu Houston Rockets enfrentar a porcaria do Grizzlies.

É claro que eu estava ciente do absurdo, talvez fosse o jogo mais esquecível de toda a rodada. Estava me sentindo um fraco, um tolo, até que na primeira posse de bola do Grizzlies o Artest roubou uma bola e fez uma bandeja no contra-ataque. Na segunda posse de bola, outro roubo do Artest. Então eu fiquei de pé, gritei algumas coisas em uma língua arcaica e não me arrependi mais nem por um segundo de ter escolhido aquele joguinho meia boca.

Estamos muito acostumados com o futebol, com ter um time desde que nascemos e para o qual torcemos sem nunca nos perguntarmos realmente o porquê. Mas com NBA, a coisa é um pouco diferente. Nenhum de nós nasceu no Texas ou em Chicago, nossos pais não nos levaram para ver o Magic Johnson jogar. Nossas mães não compraram macacões para nenê com o símbolo do Sonics, nenhum de nós alopra torcedores do Grizzlies quando vai para a escola como alopraria torcedores do Corinthians na época do rebaixamento. Na esmagadora maioria dos casos, a NBA não está em nossa cultura, em nossa criação. Quando começamos a assistir aos jogos, não tínhamos time algum.

O engraçado é que eu assisto jogos do São Paulo, sou moderadamente informado sobre futebol. Mas não assistiria uma partida entre Ameriquinha e Guarani. O gosto pelo meu time é maior do que o gosto pelo futebol em si. No caso da NBA, eu não perderia um jogo entre Grizzlies e Wolves de modo algum se fosse o único à disposição. Qualquer partida é fascinante, todo jogo é imperdível. Se não fosse assim, provavelmente eu não teria um blog sobre basquete e NBA.

Seja nos lendários tempos das transmissões de basquete na Bandeirantes, na finada Globo.com ou na persistente ESPN, os jogos são impostos e não há como acompanhar um time a fundo. Um torcedor do Bulls pode ter passado os últimos anos sem ver seu time jogar, por exemplo. Mas nem por isso deixa de acompanhar a NBA. Há algo mágico em simplesmente acompanhar o esporte. Quando perguntam pra mim por quem estou torcendo num duelo entre Bucks e Nets, a resposta é que não estou torcendo por ninguém. E mesmo assim eu vibro, aplaudo, degusto e me emociono.

Ou seja, eu não precisava ter escolhido um time para torcer. Mas escolhi. Eu não nasci em Houston, meus pais acham que basquete é aquela coisa em que eu desperdiço minha vida, meus colegas acham que NBA é uma pronúncia errada para “Master in Business Administration”. Mas escolher um time torna as coisas mais intensas, mais doídas, mais pessoais. O que antes fora uma decisão consciente de “torcer praquele time vermelhinho do Olajuwon” agora me faz perder os melhores jogos da rodada para acompanhar a porcaria de um Houston Rockets contra Memphis Grizzlies.

Por isso, sempre digo que a competição dentro do esporte é – apesar de um fator fundamental do próprio conceito – totalmente secundária. O esporte pode ser apreciado sem que haja torcida, sem que haja competição, você pode amar e idolatrar o esporte no andamento de uma partida sem querer que nenhum lado em particular saia vitorioso. Mas a competição, adotar um time e vibrar e sofrer por ele, é um tempero a mais, um gostinho diferente em toda a brincadeira. Eu estava mais interessado em saber como T-Mac, Artest e Yao Ming jogariam juntos do que em qualquer outra coisa no mundo. A Alinne Moraes me ligou algumas vezes durante a partida, mas tive que mandá-la esperar. Coitada, até que é uma boa moça.

Quando alguém defende o hack-a-Shaq, a técnica de fazer faltas intencionais no Shaquille O’Neal para levá-lo para a linha de lances livres – onde ele fede -, diz que o importante é a vitória, que está dentro das regras. Isso é fato. É uma visão justa para um torcedor do Spurs, alguém que abraça o time intensamente, que torce e sofre e vibra pela equipe. O hack-a-Shaq enfeia o jogo, é coisa de criança, não deveria valer, é uma tática trazida por alienígenas malignos, deus castiga, coisa e tal. Mas como mostrar isso para alguém que não nasceu em San Antonio mas adotou o time para chamar de seu? Como argumentar para mim, na noite de ontem, que era muito mais importante ver outros jogos bacanudos ao invés do Yao fazendo 21 pontos com 10 rebotes, Artest com 16 pontos e 3 roubos e T-Mac com 16 pontos e 5 assistências? Não dá.

Mas é importante tentar manter a consciência de que existe algo maior do que isso: o basquete em si. Estamos no segundo dia de uma temporada que terá dezenas de jogos porcaria com o Bucks, por exemplo. Eu verei muitos deles, por amor ao basquete. Não deixemos que algumas atitudes, portanto, prejudiquem o esporte. Torço para que, pela temporada enorme que nos aguarda, o hack-a-Shaq continue só na piada. E que o Popovich não corte a barba, porque de algum modo ele está me lembrando uma versão grisalha do Capitão Haddock, do Tintin.

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